Dissertação de Mestrado – Dr. Leonardo Palmeira

A presente dissertação reúne estudos qualitativos baseados na fenomenologia hermenêutica e na análise temática com o objetivo de analisar a trajetória do programa até o presente momento à luz da evolução da consciência social e política de seus membros, particularmente dos usuários, que foram aumentando progressivamente sua participação, assumindo um papel de protagonismo e agenciamento pessoal no seu processo de recovery e no exercício coletivo da cidadania e da participação comunitária, formando uma grande rede de apoio, resistência e luta por direitos e contra a descriminação.

A incorporação das técnicas de educação, comunicação e interação pelos membros do programa permitiu o desenvolvimento de um lugar de fala, de construção de conhecimento, de solução de problemas e de consciência social, em que todos tiveram igualdade de oportunidade de participação, num modelo não hierarquizado, em que o poder é distribuído entre todos os membros, com base no construtivismo social, respeitando e legitimando as experiências individuais no processo de construção do conhecimento e de novas realidades para o grupo e para si próprio.

Isso permitiu que os membros alcançassem uma maior consciência histórica e política do processo que vivenciam, produzindo novas formas de subjetivação e, consequentemente, de possibilidades e potencialidades que os fortaleceram enquanto grupo/movimento social, ampliando seu escopo de ação, seu poder de contratualidade e sua inserção comunitária, condizentes com os princípios fundamentais e norteadores da reforma psiquiátrica brasileira. Este movimento pode levar a desdobramentos e iniciativas que contribuam para a mudança da cultura psiquiátrica na sociedade, angariando forças de luta e resistência política, bem como novas formas de reabilitação psicossocial, em que a tutela e a coerção tenham cada vez menos espaço e a inserção comunitária e o pleno exercício da cidadania sejam cada vez mais possíveis.



Setembro Amarelo: baixe o guia de prevenção do suicídio em crianças e adolescentes.

O suicídio representa 1,4% de todas as mortes no mundo, tornando-se, em 2012, a 15ª causa de mortalidade na população geral. Entre os jovens de 15 a 29 anos, é a segunda principal causa de morte (OMS, 2017). No Brasil, no período entre 2011 e 2016, houve predominância de notificações de autoagressão e tentativa de suicídio na faixa etária da adolescência (10-19 anos), juntamente com adultos jovens (20-39 anos).

Fatores que podem aumentar o risco de autoagressão ou tentativa de suicídio em crianças e adolescentes:

• História de tentativas de suicídio ou autoagressão (por ex., automutilação);
• Histórico de transtorno mental;
• Bullying;
• Situação atual ou anterior de violência intra ou extrafamiliar;
• História de abuso sexual;
• Suicídio(s) na família;
• Baixa autoestima;
• Uso de álcool e outras drogas;
• Populações que estão mais vulneráveis a pressões sociais e discriminação, tais como: LGBTI+, indígenas, negros(as), situação de rua, etc.

A mídia social é um espaço que pode influenciar na autoestima e na autoimagem de crianças e adolescentes. Ao trabalhar com essa população, é importante ter uma compreensão de suas experiências digitais, sem fazer suposições simplistas sobre o quanto isso é prejudicial ou útil.

Há muitas maneiras diferentes para os jovens se expressarem e se comunicarem uns com os outros usando as mídias sociais. Isso pode incluir plataformas como o Facebook, o Instagram, o Twitter, o Youtube ou o Whatsapp. Entre aqueles com comportamento suicida, estas ferramentas podem servir de meio para a disseminação de ideias, busca e troca de informações sobre o assunto.

A mídia social é onde o indivíduo pode ser “seguido” por centenas, senão milhares, de outras pessoas. Isso poderia potencialmente reforçar o comportamento suicida da criança ou adolescente, prejudicando a sua recuperação.

Há muitas experiências online que podem estar relacionadas ao comportamento suicida, incluindo humilhação, assédio, extorsão sexual, problemas de imagem corporal e medo de exposição.

Novas tecnologias digitais também estão sendo usadas cada vez mais para disponibilizar suporte interativo para
acolher pessoas com comportamento suicida, como, por exemplo, por meio de serviços de aconselhamento online. No Brasil, um exemplo de instituição que disponibiliza essa ferramenta é o Centro de Valorização da Vida (CVV), através do site www.cvv.org.br.

Sinais de alerta para o comportamento suicida

  • Preocupação com sua própria morte ou falta de esperança;
  • Expressão de ideias ou de intenções suicidas;
  • Diminuição ou ausência de autocuidado;
  • Mudanças na alimentação e/ou hábitos de sono;
  • Uso abusivo de drogas/álcool;
  • Alterações nos níveis de atividade ou de humor;
  • Crescente isolamento de amigos/família;
  • Diminuição do rendimento escolar.

Autoagressão:
– Mudanças no vestuário para cobrir partes do corpo, por exemplo, vestindo blusas de manga comprida;
– Relutância em participar de atividades físicas anteriormente apreciadas, particularmente aquelas que envolvem o uso de shorts ou roupas de banho, por exemplo.



Agenda do Dr. Leonardo para o segundo semestre de 2019.

Prezados pacientes,

Gostaria de comunicá-los a respeito de minha agenda do segundo semestre de 2019 para que possam se organizar em relação à marcação de consultas. Atenderei até o dia 23/12/19, antes do recesso de fim de ano.

Não haverá atendimento nos seguintes períodos:

Setembro
Atendimento normal

Outubro
9 a 12 - Congresso Brasileiro de Psiquiatria

Novembro
15 – Proclamação da República

Dezembro
24 a 31 – Recesso Natal e Réveillon

Antecipe sua consulta e evite imprevistos de última hora.

Um abraço,
Dr Leonardo Palmeira


Recusa escolar: entenda o que é e saiba como agir.

Não há nada que deixe os pais mais preocupados do que um filho que se recuse a frequentar a escola. Essa é sem dúvida uma situação difícil e complexa que envolve a família e a escola e que muitas vezes requer uma atenção dos profissionais da saúde mental.

Acredita-se que até 5% das crianças em idade escolar sofram desse problema, que é mais comum na adolescência. Algumas pesquisas acreditam que esse índice esteja subestimado, podendo chegar a 33% dos alunos.

Essas crianças possuem maior probabilidade de evasão escolar, maiores taxas de desemprego para aqueles que não completaram o ensino, além de exacerbar o transtorno mental de base.

Em geral podemos dividir essa situação em dois tipos: recusa escolar e faltas na escola. No primeiro caso os pais têm conhecimento de que o filho está com dificuldade de frequentar a escola, enquanto no segundo caso os pais são surpreendidos ao serem comunicados pela escola que o filho se ausenta das aulas, “matando” as aulas com outros colegas, p.ex.

Essa diferenciação parece simples, mas é necessária, pois do ponto de vista clínico, essas situações são bem distintas e requerem abordagens diferentes.

A recusa escolar é comumente associada ao que chamamos de transtornos internalizantes. Já as faltas deliberadas às aulas se associam com frequência aos distúrbios externalizantes, embora possam existir casos mistos, como veremos em seguida.

Os transtornos internalizantes têm em comum um sofrimento emocional intenso geralmente caracterizado por ansiedade e angústia. O indivíduo sofre com as idas à escola à ponto de se culpar ou de demonstrar sinais de fobia escolar. A simples ida à escola representa um grau elevado de sofrimento emocional, podendo levar a distúrbios do sono, sintomas físicos de ansiedade (como taquicardia, falta de ar, sudorese e tremores), pensamentos repetitivos repulsivos relacionados à escola, professores e colegas.

No caso das faltas deliberadas, o indivíduo não transparece o sofrimento. Ainda que ele exista, a impressão geral é que o comportamento é proposital, no sentido de desafiar ou transgredir as regras de casa ou da escola. É comum que essas pessoas possuam um comportamento desafiador ou opositivo, sejam hiperativas ou agitadas, tenham dificuldades escolares por serem impulsivas, desatentas ou emocionalmente instáveis, podem ter dificuldades de relacionamento com os colegas por um comportamento agressivo, envolvem-se em delinquências e têm o hábito de mentir. No caso de adolescentes, uma preocupação crescente com quem se comporta dessa forma é o uso de drogas ilícitas.

Como vocês podem perceber, o perfil de distúrbios nas duas situações é bem diferente e requer distintas abordagens, tanto da família, como da escola.

Como no primeiro caso a ansiedade e a angústia são mais comuns, esses alunos possuem maior vulnerabilidade psíquica e uma fragilidade egóica que requerem dos pais e da escola uma atenção especial. Não que o outro tipo não requeira, mas indivíduos com o perfil mais internalizante correm mais risco de depressão, fobias, transtornos de pânico, distúrbios somatoformes (quadros gastrointestinais com vômitos e diarreia, p.ex.). Eles também sofrem com mais frequência episódios de bullying e podem ter ideias de suicídio. Esses casos são mais difíceis de detectar, pois eles costumam sofrer por muito tempo calados, meses ou anos antes da recusa escolar já podem apresentar sintomas sem que os pais ou a escola identifiquem.

Em alguns casos de recusa escolar pode haver histórico de ansiedade de separação dos pais quando o aluno era mais novo, sendo possível que situações domésticas tenham repercussão na permanência da criança ou do adolescente na escola.

Entre os alunos com o perfil mais externalizantes são comuns os transtornos do desenvolvimento cognitivo, como déficit de atenção (TDAH), transtornos do impulso, de conduta (hipercinético) e o transtorno opositivo-desafiador (TOD). O aluno pode ter dificuldade para acompanhar a matéria, para se integrar com outros alunos (p.ex. por comportamento mais impulsivo ou agressivo ou por falta de empatia), para obedecer os professores, para seguir regras, tornando o ambiente escolar mais desinteressante para ele.

Há casos em que tanto distúrbios internalizantes como externalizantes ocorrem simultaneamente. Acredita-se que metade dos casos possa apresentar essa combinação. Isso ocorre porque a maioria dos indivíduos que possuem o perfil externalizante sofrem punições e pressões dos pais e da escola e, diante da impotência de vencer os sintomas, desenvolvem quadros ansiosos e depressivos, podendo também ter ideias ou risco de suicídio.


Fatores de Risco

Essas situações envolvem a interação de fatores pessoais, que podem ser genéticos, psicológicos ou biológicos, com fatores ambientais, geralmente relacionados ao ambiente social, familiar e escolar, segundo a tabela.


Abordagens

É comum que família e escola tenham dificuldade em lidar com essas situações, tanto do ponto de vista diagnóstico, como reconhecer o problema, como do ponto de vista do encaminhamento que deve ser dado.

A escola possui um lugar privilegiado nesse caso. Quanto mais individualizado for o olhar sobre o aluno, maior a capacidade da escola perceber o problema, particularmente para aqueles alunos que sofrem calados e que demoram a dar sinais de sofrimento.

Um olhar sobre a interação do aluno com os colegas, observações nos tempos livres na escola (recreios, p.ex.) e na saída da escola podem fornecer pistas preciosas sobre como o aluno se relaciona com seus pares. Atividades que fogem ao conteúdo programático e que estimulam a criatividade, a sensibilidade e a relação interpessoal do aluno com colegas e professores também são úteis na avaliação, já que esses alunos não costumam dar pistas sobre seu estado emocional nas atividades corriqueiras, como matérias conteudistas, exceto se o grau de sofrimento já estiver alto.

Em relação aos alunos com o perfil externalizante, a identificação pela escola costuma ser mais fácil pela dificuldade deles seguirem as regras da escola. Mesmo assim, escolas muito grandes, com turmas numerosas, podem demorar a identificar o comportamento como problema e a orientar ajuda.

No tocante à família, o comportamento em geral é o enrijecimento das regras e da cobrança, aplicação de punições, como castigos e privações (celulares, video-game, viagens) e endurecimento dos relacionamentos domésticos. Pesquisas e a experiência mostram que essas medidas se mostram pouco eficazes na mudança do padrão de comportamento, sendo comum até uma piora do quadro.

No caso dos alunos com o perfil mais internalizante, existe o risco de piora dos sintomas depressivos e ansiosos e o agravamento do quadro para outros transtornos mais graves, como a psicose e os transtornos de personalidade (p.ex. Borderline, com o surgimento de comportamentos de auto-mutilação), além do risco maior de suicídio.

No caso daqueles que externalizam mais o comportamento, pode haver agravamento da violência, uso de drogas, fugas de casa, comportamentos anti-sociais ou mesmo suicídio.

Episódios graves de violência podem ocorrer também na escola, contra colegas e professores.

Por essas razões é necessário buscar ajuda profissional. Em geral são indicadas avaliação por psiquiatra e psicólogo, terapia de família, reunião dos profissionais com a escola e vice-versa, além de contato regular da família com a orientação pedagógica escolar.

Há de se ter cuidado com reforços que podem afastar o aluno da escola e dificultar mais ainda sua permanência, evitando assim a evasão escolar.


Padrões de Reforço

Alguns reforços negativos devem ser evitados para prevenir que a escola se torne aversiva:

- Avaliações negativas pelos colegas e professores: é comum o clima competitivo entre os alunos e professores podem demonstrar sua predileção pelos melhores, esquecendo-se daqueles com maior dificuldade ou, até mesmo, com algum tipo de reprovação pública, que provoque maior constrangimento na frente dos colegas de turma.
- Dificuldade com matérias ou professores específicos: a escola precisa oferecer recursos quando isso ocorre, para evitar que o aluno leve sua dificuldade até o final do período letivo e se exponha mais ao estímulo aversivo.
- Escola grande com muito estímulo: essas escolas terão maior dificuldade de reverter as dificuldades desses alunos, por perderem a capacidade do olhar individualizado e das condutas personalizadas.
- Experiências negativas no caminho para a escola: escolas em comunidades violentas, longas distâncias a serem percorridas, dentre outros infortúnios no deslocamento tendem a reforçar a aversão à escola.
- Sintomas mentais (ansiedade, ataques de pânico): esses sintomas se não tratados tendem a piorar a experiência do aluno na escola.

Alguns reforços positivos também devem ser evitados, para que o aluno não seja estimulado a permanecer fora da escola:

- Mais tempo com cuidadores: alguns alunos querem permanecer em casa para ficarem próximos dos pais. É comum, p.ex., que um dos genitores tire licença para cuidar do filho, ficando mais disponível e reforçando a permanência dele em casa.
- Tempo com amigos para socialização: alunos que no horário escolar aproveitam para encontrar os amigos para se socializarem.
- Uso de substâncias: drogas utilizadas geram prazer e estimulam os alunos a faltarem às aulas ou a não irem à escola.
- Atividades prazeirosas, como celular, video-game, computador no horário escolar também reforçam a ausência por gerarem prazer.

A oferta precoce de ensino à distância também deve ser evitada, já que o objetivo do tratamento é que o aluno continue ou volte a frequentar a escola presencialmente. O EAD deve ser indicado quando as opções de retorno forem esgotadas ou quando o caso for grave a ponto desta ser a melhor indicação.


Tratamento

Além dos aspectos emocionais, sociais e familiares, é importante realizar uma pesquisa do funcionamento cognitivo do aluno para mapear possíveis dificuldades, que comumente afetam a atenção e concentração, o funcionamento executivo, a tomada de decisão e a memória. Uma testagem neuropsicológica, portanto, pode indicar essas dificuldades que serão objeto de tratamento específico. É comum que distúrbios da cognição sejam pano de fundo dos problemas emocionais e escolares.

O tratamento em geral é longo, requer multidisciplinaridade e parceria com a escola. No caso do paciente se ausentar da escola por um período longo, outras atividades extracurriculares devem ser oferecidas, para que o aluno não passe o tempo ocioso ou exclusivamente em atividades de lazer. As decisões devem ser conversadas e tomadas em conjunto. O tempo fora da escola deve ser encarado como proveitoso para desenvolver outras habilidades do aluno, tendo em vista sua reabilitação e retorno à escola futuramente.

O tratamento médico pode envolver medicamentos para sintomas como ansiedade, depressão, impulsividade, déficit de atenção, dentre outros, podendo ser indicadas diferentes classes de medicamentos, dentre antidepressivos, ansiolíticos, estabilizadores de humor, antipsicóticos e medicamentos para déficit de atenção, hiperatividade e impulsividade.

Uma psicoterapia individual também é indicada, preferencialmente do tipo cognitivo-comportamental. O objetivo da terapia é ajudar o paciente a identificar estímulos e pensamentos que possam estar por trás das alterações de comportamento e de sintomas emocionais, melhorando suas habilidades de enfrentamento das situações na escola e em casa, desenvolvendo a capacidade de solucionar os conflitos, promovendo sua resiliência e se adaptando melhor ao ambiente.

A terapia de família geralmente também é necessária, pois é frequente que questões familiares estejam ligadas ao comportamento na escola. Ademais a recusa escolar costuma trazer uma realidade de difícil administração para os pais.

A remediação cognitiva é um tratamento para melhorar questões cognitivas que estejam ocorrendo, como dificuldades de atenção, da memória, do funcionamento executivo e da tomada de decisão, através do treinamento dessas funções com o paciente.

Em alguns casos o aluno necessita de um profissional de apoio escolar, que o acompanhe na escola, em sala de aula, e o ajude nas suas dificuldades.


Chega ao Brasil o Invega Trinza, medicamento que trata a esquizofrenia com apenas 4 injeções por ano.

Chega agora em agosto nas farmácias do país o Invega Trinza, medicação injetável de longa ação que permitirá o tratamento da esquizofrenia com apenas 4 injeções por ano. Versão trimestral do Invega Sustenna, que existe no Brasil desde 2012, o Trinza poderá ser utilizado por quem já usa o Sustenna há pelo menos 4 meses, com a comodidade de utilizar a injeção a cada 3 meses ao invés de mensalmente.

Esse tratamento é tido como uma revolução na maneira de tratar a esquizofrenia, já que antes dele somente medicamentos de longa ação de 15 dias a um mês de duração estavam disponíveis.

Além da vantagem da comodidade posológica, o Invega Trinza tem a mesma eficácia do Sustenna e o mesmo perfil de efeitos colaterais, que em estudos de longo prazo mostrou ser semelhante ao placebo.

O principal desafio do Invega Trinza continua sendo o acesso ao medicamento, problema também do Sustenna, pois trata-se de medicação de alto custo e não padronizada pelo SUS nacionalmente. Apenas algumas prefeituras do país fornecem o Invega Sustenna na rede pública e alguns planos de saúde cobrem a medicação mediante o laudo e a receita médica.

Segundo a resolução da ANS, Agência Nacional de Saúde Suplementar, os seguros de saúde são obrigados a fornecer medicamentos injetáveis para o tratamento das doenças mentais para pacientes em tratamento em hospital-dia.

Para Marcos, a medicação chegou em boa hora. "Eu uso o Invega Sustenna há 4 anos e ao longo desse período não tive mais recaídas. Pude voltar a estudar, hoje estou no sexto período da faculdade e me sinto cada vez melhor e mais seguro. Pensar que terei que tomar a medicação somente de 3 em 3 meses me faz me sentir melhor, como se não tivesse a doença, pois o único momento que me lembro dela é quando preciso ir ao hospital tomar o Invega", afirma.

O Invega Trinza poderá ser comprado nas farmácias a partir de agosto. Ainda não se sabe como as seguradoras de saúde se comportarão diante do lançamento do Trinza, já que os pacientes que estão em tratamento com o Sustenna há mais de 4 meses poderão passar ao Trinza trimestralmente. Quanto ao SUS, dependerá de nova análise da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC), órgão responsável pela análise sobre a assistência terapêutica e a incorporação de tecnologia em saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde, que não prevê atualmente outra alternativa ao decantado de haloperidol dentre os medicamentos injetáveis de longa ação para o tratamento da esquizofrenia.


Monumentos se iluminam para a esquizofrenia.

Neste dia 24 de maio diferentes monumentos de três capitais se iluminaram em comemoração ao Dia Mundial da Consciência sobre a Esquizofrenia. Comemorado em diversos países, e no Brasil desde 2018, esse é um dia dedicado à informação sobre a doença, procurando levar à sociedade o conhecimento que auxilie no combate ao estigma, em melhores oportunidades sociais, culturais e de tratamento e traga maior esperança para as pessoas que sofrem com o transtorno e suas famílias.

Várias atividades foram organizadas país afora e algumas cidades marcaram essa data iluminando seus principais monumentos, simbolizando esse dia e chamando maior atenção para a causa.

Monumentos

Em São Paulo, a ponte Octávio Frias de Oliveira, uma ponte estaiada que cruza o Rio Pinheiros, foi iluminada na cor verde na noite desta sexta-feira.

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Em Curitiba, uma das maiores atrações turísticas, o monumento de autoria do arquiteto paranaense Domingues Bogestabs, conhecido como Ópera de Arame e que acolhe uma série de espetáculos na cidade, foi iluminado também na cor verde, para simbolizar a esperança.

No Rio de Janeiro (foto), o Cristo Redentor, o maior símbolo e cartão postal da cidade, foi iluminado na cor lilás, cor adotada pelas famílias que organizaram os eventos na cidade.

Entre as mensagens transmitidas pelo movimento estão que a esquizofrenia é uma doença como outra qualquer, que possui tratamento e que a pessoa por ela acometida pode se recuperar e levar uma vida normal; que a pessoa com esquizofrenia não é violenta e não possui desvios de caráter, pelo contrário, ela é mais alvo de violência e descriminação, pela incompreensão da sociedade; que as pessoas com esquizofrenia se recuperam plenamente quando realizam o tratamento adequado e que as principais barreiras para isso são a falta de informação e o preconceito.


Rio de Janeiro: grupos de apoio ligados ao Entrelaços do IPUB/UFRJ organizam evento pelo Dia da Esquizofrenia.

A proposta do Evento Comemorativo do Dia da Conscientizacão sobre a Esquizofrenia é o desafio de divulgar o máximo possível para a sociedade, em especial às famílias afetadas, a informação de como buscar ajuda para o tratamento, evidenciando o paciente, com o objetivo de descaracterizar o estigma e o preconceito que atinge essa doença.

Atividades paralelas ao Dia Comemorativo da Consciência sobre Esquizofrenia

Local do Evento: Quinta da Boa Vista
Data: Domingo, 26/05/2019, de 09 as 16 hs
Evento gratuito

Atividades:

Lanche colaborativo

Leitura de poesias

Roda de música instrumental e canto com participação de músicos dos grupos

Partilha entre os presentes (dinâmicas sobre estigma/preconceito e comunicação): construção de um varal com textos/frases/fotos/desenhos feitos por pacientes e familiares que remetam à reflexão sobre o preconceito/estigma, sobre a importância do respeito e compreensão em relação aos transtornos mentais e sobre formas de ajuda (grupos de apoio, tratamento, equipe multiprofissional)

Distribuição de panfletos com frases que chamem a atenção sobre o assunto e orientem onde procurar ajuda.

Convidados: Público em geral, familiares e pacientes que frequentam os grupos de família na comunidade (Mentes em Ação, Trilhando Caminhos, Abra sua Mente, Construindo Horizontes, É Possível!, Movimente e Equlibrarte), profissionais da equipe técnica do Programa Entrelaços.


Chega ao Brasil o Invega Trinza: só quatro injeções por ano para tratar a esquizofrenia.

A nova versão do palmitato de paliperidona tem posologia trimestral, ou seja, o paciente só vai precisar aplicar a injeção a cada três meses

Um medicamento de ação prolongada contra a esquizofrenia acaba de ser aprovado pela Anvisa. O palmitato de paliperidona trimestral é a primeira injeção que requer apenas quatro doses ao ano para o tratamento da doença. A ação prolongada é importante, já que pesquisas apontam que uma das principais causas de recaída entre 80% dos pacientes durante os cinco primeiros anos é a baixa adesão ao tratamento. Espera-se que o palmitato de paliperidona aumente a adesão ao tratamento, previna recaídas e melhore a qualidade de vida do paciente.

O palmitato de paliperidona já estava disponível em forma de injeção mensal. A nova medicação é indicada para pacientes adultos que já tenham sido tratados com a injeção mensal por, no mínimo, quatro meses. A aplicação do medicamento deve ser feita por profissionais de saúde em hospitais, clínicas e hospital dia.

Estudos clínicos mostram que o Invega Trinza (nome comercial do palmitato de paliperidona trimestral) é seguro – assim como a versão oral e a injeção mensal. Os efeitos colaterais mais comuns são reação no local da injeção, aumento de peso e dor de cabeça. Estudo publicado este ano ainda apontou que mais de 90% dos pacientes que utilizaram o novo medicamento não tiveram recaída ao longo de um ano e meio.

Embora tenha sido aprovado pela Anvisa, o medicamento só estará disponível para compra depois de receber aprovação de preço pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), o que deve acontecer dentro dos próximos três meses, de acordo com a Janssen.

Fonte: Veja


Metilfolato pode melhorar a resposta ao tratamento na depressão, bipolaridade e esquizofrenia.

Estudos vem demonstrando uma conexão entre a deficiência de folato e distúrbios psiquiátricos, particularmente depressão. Os níveis de folato estão inversamente relacionados à gravidade e duração de episódios depressivos, além de pacientes com a deficiência responderem mal ao tratamento com medicamentos.

Folato é um tipo de vitamina B encontrado em alimentos na forma natural de dihidrofolato e em vitaminas e suplementos na forma sintética como ácido fólico. Dihidrofolato e ácido fólico são metabolizados, quando ingeridos, para uma forma ativa, única capaz de cruzar a barreira hematoencefálica e chegar ao cérebro: L-metilfolato. O L-metilfolato é um cofator importante na produção de monoaminas, como serotonina, dopamina, norepinefrina e glutamato, substâncias que estão envolvidas na regulação do humor e nos mecanismos de ação dos antidepressivos. A sua biodisponibilidade é alta se comparada ao ácido fólico.

Acredita-se que até 70% dos pacientes deprimidos tenham uma variação genética da enzima que converte o folato da dieta ou o ácido fólico sintético em L-metilfolato (conhecida pela sigla MTHFR), apresentando carência de L-metilfolato mesmo com níveis séricos normais de ácido fólico. Para esses pacientes a suplementação oral de L-metilfolato pode melhorar a resposta a antidepressivos.

Alguns estudos demonstraram que a associação de 7,5 a 15mg diário de L-metilfolato ao tratamento melhorou de forma significativa a recuperação social e clínica da depressão em alguns pacientes. Um estudo recente mostrou que pacientes com depressão bipolar também se beneficiaram da suplementação de L-metilfolato, com até 60% dos pacientes melhorando 50% e 40% dos pacientes apresentando remissão da depressão.

Em um estudo com 55 pacientes com esquizofrenia divididos em dois grupos, um que recebeu placebo e outro que recebeu L-metilfolato, mostrou que os pacientes que receberam a suplementação demonstraram melhora de sintomas negativos e aumento do volume cortical na região do córtex órbito-frontal medial.

A atividade da enzima MTHFR pode ser hoje avaliada através da maioria dos testes de farmacogenética (leia mais sobre o teste), que testam os alelos da enzima no DNA, identificando os indivíduos que possuam baixa atividade enzimática. Essas pessoas podem se beneficiar da suplementação oral de L-metilfolato como complemento ao tratamento com medicamentos.

Ainda são necessários mais estudos, particularmente estudos controlados em diferentes doenças, como depressão, transtorno bipolar e esquizofrenia, para que se conheça melhor os benefícios do L-metilfolato nos distúrbios psiquiátricos.

Referências:
Shelton RC, Sloan Manning J, Barrentine LW, Tipa EV. Assessing Effects of l-Methylfolate in Depression Management: Results of a Real-World Patient Experience Trial. Prim Care Companion CNS Disord. 2013;15(4):PCC.13m01520.

Andrew A. Nierenberg, Rebecca Montana, Gustavo Kinrys, Thilo Deckersbach, Steven Dufour, Ji Hyun Baek, L-Methylfolate For Bipolar I depressive episodes: An open trial proof-of-concept registry, Journal of Affective Disorders, Volume 207, 2017,Pages 429-433.

Roffman JL, Petruzzi LJ, Tanner AS, et al. Biochemical, physiological and clinical effects of l-methylfolate in schizophrenia: a randomized controlled trial. Mol Psychiatry. 2017;23(2):316-322.


Especial Maconha e Psicose: Tratamento das psicoses induzidas pela maconha.

Parte 5 - Tratamento das psicoses induzidas pela maconha

No último artigo da série abordaremos os tratamentos utilizados para quem desenvolveu psicose pelo uso de maconha.

A maconha é um dos fatores ambientais de risco para psicose mais fáceis de se prevenir, pois a interrupção do uso da droga e a prevenção do seu uso em populações de risco reduzem casos de psicose e de conversão para a esquizofrenia.

Como comentamos em artigos anteriores, não são todas as pessoas que desenvolvem psicose com a maconha, mas o risco para psicose é até 5x maior entre as pessoas que utilizam versus as que não utilizam a droga. Existem mutações genéticas que causam essa predisposição para a psicose, mas elas não são mapeáveis ainda e o único sinal de alerta acaba sendo o desenvolvimento de sintomas psicóticos quando o indivíduo se expõe ao THC. Portanto, estar atento a esses sintomas é fundamental, já que a insistência pelo uso aumenta muito o risco de psicoses mais duradouras e também de esquizofrenia. Como também já mencionamos em artigo anterior, até metade das pessoas que utilizam maconha pode apresentar algum sintoma psicótico e 40% das psicoses pela droga evoluem para a esquizofrenia.

O uso de maconha em populações mais suscetíveis à psicose também deve ser evitado, como quando há casos de esquizofrenia na família, história de psicose induzida por maconha em algum parente ou casos de dependência grave de maconha na família.

No artigo de hoje abordaremos os tratamentos hoje disponíveis para a psicose induzida pela maconha, bem como falaremos mais detalhadamente do Canabidiol (conhecido pela sigla CBD), composto da planta que tem se mostrado benéfico em diferentes patologias, como a epilepsia, a espasticidade, doença de Parkinson, depressão e esquizofrenia.

Entre as abordagens utilizadas no tratamento estão a entrevista motivacional (EM), as terapias de família, como a psicoeducação, a psicoterapia individual (como a cognitivo-comportamental - TCC), os grupos de auto-ajuda (como o NA e grupos de pares com psicose), e tratamentos mais integrados como gerenciamento de caso.

Estudos combinados de EM, psicoeducação e TCC não mostraram eficácia no curto prazo, entretanto, estudos com duração de 6 a 12 meses mostraram resultados quanto à redução do uso de maconha, melhora da saúde mental e do funcionamento psicossocial, demonstrando que tratamentos integrados utilizando essas técnicas têm eficácia superior ao tratamento usual, feito somente com medicamentos.

Os grupos de pares, quando pessoas com a mesma realidade se reúnem para compartilhar as experiências e a expertise no enfrentamento dos problemas, são espaços importantes para reflexão e busca de solução dos problemas, produzindo um efeito positivo no par na medida em que pares recuperados e com boa evolução tendem a transmitir um exemplo a ser seguido, gerando esperança, empoderamento, estimulando o auto-monitoramento e combatendo o estigma. Além do grupo de NA, estão sendo formados grupos de apoio para pessoas com transtornos mentais severos, dentre eles pessoas com esquizofrenia que usam ou usaram maconha.

Em relação ao tratamento farmacológico, o medicamento de escolha é o antipsicótico. Existem evidências de que ele pode também reduzir os efeitos prazerosos da maconha, além de tratar os sintomas psicóticos. A preferência deve ser dada a antipsicóticos de segunda geração (atípicos), pois, como causam menos efeitos extrapiramodais (de impregnação), têm um risco menor de aumentar o consumo de maconha como efeito colateral, pois esses efeitos podem levar o paciente a aumentar o uso da droga para alívio dos sintomas. Existem algumas evidências favoráveis à clozapina, quetiapina, aripiprazol e risperidona injetável, porém mais estudos são necessários para demonstrar o efeito dessas substâncias sobre o uso de maconha.

O Canabidiol (CBD) possui evidências que se contrapõe a efeitos negativos do THC. Existem estudos, p.ex., que demonstraram que o CBD impediu o prejuízo de memória e a ocorrência de paranoia em pacientes que usaram o THC, mostrando que o CBD possa ter um papel preventivo em pacientes considerados usuários pesados de maconha, principalmente para aqueles que possuem sintomas psicóticos com a droga.

O CBD ainda não possui suas propriedades faracodinamicas totalmente conhecidas, mas acredita-se que ele aja facilitando a liberação de glutamato, prevenindo o efeito prejudicial do estresse crônico na formação de novos neurônios e na remodelagem sináptica, prevenindo a reação astrocitária e ativação da micróglia - mecanismos de defesa do cérebro (ação anti-inflamatória) e agindo como agonista parcial em receptores de dopamina de alta afinidade (pela qual teria uma ação antipsicótica) e receptores de serotonina (pelo qual teria uma ação de melhora nos sintomas negativos, cognitivos e depressivos).

Ainda existem poucos estudos randomizados controlados com CBD para esquizofrenia, mas alguns demonstrando resultados positivos em sintomas psicóticos, como melhora dos sintomas cognitivos, positivos e do funcionamento geral. Mas ainda são necessárias evidências mais robustas para que o CBD possa ser indicado para o tratamento da esquizofrenia.

Existem evidências também na neurologia, com eficácia do CBD em alguns tipos de epilepsia, doença de Parkinson, distonias, espasticidade, entre outras desordens neurológicas.


Massacre de Suzano: entenda o perfil psicológico desses assassinos em massa.

O massacre na Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano, SP, é o segundo ataque da história em uma escola em nosso país, levantando uma grave preocupação, visto as centenas de ataques do tipo que já ocorreram nos EUA (só no ano passado foram 97 ocorrências!!).

As motivações por trás de tamanha barbárie são complexas e certamente que explicações simplistas, como colocar a culpa em video-games, em educadores, em segurança nas escolas ou culpabilizar os pais ou a família do assassino não contribuem para uma análise adequada do problema.

A preocupação é grande que outros ataques se sucedam em nosso país e que fiquemos reféns e de mãos atadas diante dessas pessoas bárbaras, que resolvem matar dezenas de pessoas antes de cometerem o suicídio.

Infelizmente esse cenário é preocupante, muito preocupante mesmo! Enquanto as autoridades não compreenderem o que está por trás desses ataques e da mente desses jovens, novos massacres ocorrerão e outros inocentes perderão a vida.

O artigo que lerão à seguir foi escrito em 2011, ano do ataque à escola em Realengo, no Rio de Janeiro, mas poderia ter sido publicado hoje pela primeira vez, sem deixar de ser mais atual. Ele é um dos estudos mais completos que tive acesso sobre o perfil psicológico desses assassinos em massa e permite uma compreensão da dimensão do problema que estamos enfrentando.

Assassinos em Massa "Pseudocomando": A psicologia da vingança e da obliteração

O termo pseudocomando foi utilizado por Dietz em 1986 para descrever um tipo de assassino em massa que planeja sua ação após longo período de deliberação. O assassino tipo pseudocomando mata em público, de forma indiscriminada e à luz do dia, mas também pode matar familiares ou uma “pseudocomunidade” que ele acredita tê-lo maltratado. Ele chega ao local fortemente armado, geralmente com roupa camuflada ou de guerra e não possui um plano de fuga, suicidando-se ou sendo alvejado pela polícia (algumas vezes provocam a reação da polícia, também conhecido por suicídio através de policiais).

Mullen descreveu sua avaliação pessoal de cinco assassinos em massa do tipo pseudocomando que foram capturados antes de conseguirem se matar ou serem mortos pela polícia. Ele notou que os massacres eram sempre bem planejados e tinham uma motivação pessoal de vingança contra a “indiferença e a rejeição da sociedade”, caracterizando os assassinos como pessoas rancorosas, desconfiadas (paranóicas) e com forte atração por armas de fogo.

O fenômeno homicídio-suicídio é quando um indivíduo comete homicídio seguido de suicídio em não mais do que 24 horas de intervalo. É um evento raro, que ocorre anualmente em 0,2 a 0,38 casos por 100 mil pessoas. A maior parte dos homicídios-suicídios são cuidadosamente planejados como atos seqüenciais e podem ter diferentes vítimas e motivações. O homicídio-suicídio do tipo adverso (extra-familiar) envolve ex-empregados, estudantes vítimas de bullying ou uma pessoa ressentida e paranóica. Ela culpa os outros e se sente prejudicada de alguma forma, geralmente tem depressão e traços paranóides e/ou narcisistas, podendo eventualmente apresentar delírios persecutórios.

Os assassinos em massa do tipo pseudocomando, descritos por Dietz e Mullen, enquadram-se melhor nesta categoria de homicídio-suicídio. É considerado assassino tipo pseudocomando o criminoso que faz ao menos quatro vítimas num único evento e depois se mata ou é morto. A literatura médica não encontrou ainda uma ligação forte entre assassinatos em massa e doença mental grave, exceto para doenças como depressão, mas psicose parece ser rara.

Mullen descreveu alguns traços de personalidade e alguns fatores da história que essas pessoas possuem em comum:

• quando crianças eram isolados ou sofriam bullying, tornando-se solitários e desesperados de serem excluídos socialmente;

• geralmente são desconfiados, guardam ressentimentos e rancores e têm traços obsessivos, rígidos, narcisistas e de grandiosidade;

• vêem os outros como rejeitadores e indiferentes, em função disso passam grande parte do tempo ressentidos e ruminando humilhações passadas;

• essas ruminações invariavelmente levam a fantasias sobre vinganças violentas. Mullen observou que os assassinos atingiam um estado em que sentiam a morte como bem-vinda, percebendo que ela traria fama e uma aura de poder que não tinham.

Uma característica que parece ser comum a estes casos é que o assassino do tipo pseudocomando possui uma grave fragilidade egóica e, para manter seu ego preservado, nutre uma raiva destrutiva em relação ao outro que eventualmente o transforma num vingador. Esta raiva vingativa lhe dá uma falsa sensação de poder (pseudopower), pois é tão somente uma reação de intolerância diante do seu fracasso e humilhação. Porém, quando esta é a única defesa do indivíduo contra a aniquilação de sua identidade, só lhe resta persistir na incessante denunciação da injustiça. Para alguns este é um caminho sem volta, porque existe uma honra perversa em recusar que a injustiça seja corrigida ou reparada, como se render-se à realidade significasse desistir de sua identidade (ou da falta dela) e isto é para ele intolerável.

A literatura a respeito da psicologia da vingança nos mostra que existe um elevado conteúdo emocional de ódio e medo e este medo pode resultar facilmente em paranóia. A raiva extremada pode afetar a atenção da pessoa a ponto dela ter dificuldade de pensar em outras coisas que não na vingança. Isso gera um ciclo vicioso, pois quanto mais ela pensa, mais raivosa e menos capaz de pensar em outra coisa ela fica. Portanto, a fantasia de vingança do assassino do tipo pseudocomando impede que ele possa utilizar outras estratégias capazes de desviar seu pensamento e suas atitudes para outra coisa. A fantasia de vingança é inflexível e persistente, porque ele precisa desesperadamente sustentar sua auto-estima. Ele é capaz de se sentir melhor e mais controlado enquanto rumina e finalmente planeja a vingança. A fantasia leva o vingador a experimentar prazer em imaginar o sofrimento dos seus alvos e orgulho por se sentir parte de uma espécie de “justiça maior espiritual”. A fantasia de vingança é uma falsa promessa de um remédio poderoso para seu ego despedaçado, dando-lhe uma ilusão de força e de que o auto-controle e a coerência interna foram restabelecidos.

Dietz descreveu esses indivíduos como “colecionadores de injustiça” que se agarram a cada insulto, acumulando uma pilha de evidências de que foram brutalmente maltratados. Esta é uma maneira deles sustentarem a vingança, reunindo provas contra os “inimigos” e nutrindo uma raiva impiedosa. Muitos tiveram uma história de infância de abandono e esta pode ser uma das explicações para a dificuldade de confiar no outro, tornando-os adultos com caráter paranóico. Supõe-se, em função disso, que eles tiveram problemas no desenvolvimento psicológico durante a infância que os fixaram num estágio persecutório (posição esquizo-paranóica). Neste estágio, a maior parte das percepções do mundo é baseada em sentimentos de frustração e maus-tratos e é encarada como ofensa intencional ou negação proposital de gratificação. Por isso, é comum que esses assassinos possuam sintomas de paranóia, que inflam seus sentimentos de inveja destrutiva. Eles não invejam o que o outro tem (como bens, roupas, etc) ou o status social, mas como o outro aproveita essas coisas. Portanto, o objetivo é destruir a capacidade do outro apreciar o que tem.

Com o passar dos anos esses indivíduos desenvolvem um sentimento crônico de perseguição que acaba por gerar uma atitude niilista que penetra seus conceitos sobre tratamento e sobre a vida em geral. O fato de não encontrar um significado na vida leva a sentimentos de desesperança, derrota pessoal e idéias suicidas, tornando-os menos capazes de aceitar ajuda externa e menos motivados a controlar o comportamento. Neste ponto os riscos de suicídio e de comportamentos auto-destrutivos são maiores. A “teoria da fuga” (escape theory) do suicídio revela que, quando o indivíduo é incapaz de evitar afetos negativos e a auto-consciência aversiva e dolorosa, ocorre um processo de “desconstrução cognitiva” que leva à irracionalidade e à desinibição. O suicídio é, então, o último passo possível para escapar da consciência e de sua implicação para o ego.

No caso do assassino do tipo pseudocomando, trabalhar a consciência dos seus reais atributos sob uma tempestade de idéias persecutórias e afetos negativos é um tormento. Contemplar abertamente seus atributos seria um suicídio sem fim, uma agressão da realidade combinada por seus próprios ataques persecutórios. Sua existência passa a ser uma autodestruição progressiva. Ele precisa, então, de um santuário mental contra o niilismo opressivo que tomou conta de si. Ele se torna incapaz de retroceder de sua vingança “heroicamente” planejada. Ele vai chegando perto de tornar sua fantasia realidade e passa por um processo de aceitar que terá que sacrificar a própria vida. Seus pensamentos catastróficos o levam a acreditar que um homicídio-suicídio é sua única opção e suas atitudes o levam a sentir como se seu “eu” já estivesse morto – a morte do corpo físico é uma simples conseqüência inevitável. Isto elimina completamente qualquer possibilidade de encontrar um sentido para a vida.

Uma vez decidido a se sacrificar, o assassino traz suas fantasias de vingança à luz da realidade e formula suas comunicações finais. Essas comunicações têm um grande significado para ele, pois ele sabe que elas serão o único testamento vivo deixado por ele. O objetivo é que todos possam ter conhecimento das motivações de seu “sacrifício heróico”. Dois fatores que tornam este tipo de assassino único são: acesso às armas potentes e automáticas e a glorificação do fenômeno pela mídia.

Fonte de consulta: The "Pseudocommando" Mass Murderer: Part I, The Psychology of Revenge and Obliteration - James L. Knoll, IV, MD - J Am Acad Psychiatry Law 38:1:87-94 (2010)


Especial Maconha e Psicose: Quando a psicose pela maconha vira esquizofrenia?

Parte 4 - Quando a psicose pela maconha vira esquizofrenia?

No artigo do mês passado descrevemos os efeitos agudos da maconha no cérebro e vimos que eles se assemelham muito com a esquizofrenia, pelo fato da intoxicação pela maconha poder causar psicose. Entretanto, vimos que existem formas breves e outras mais duradouras, mas que nem sempre a psicose causada pela droga desemboca numa esquizofrenia. Hoje vamos conhecer melhor os estudos que se dedicam a conversão da psicose induzida pela maconha em esquizofrenia.

Algumas metanálises, estudos que fazem uma avaliação estatística do resultado de vários outros estudos sobre o tema, mostraram que o risco para esquizofrenia entre pessoas que utilizam maconha é de 2 a 5 vezes superior à população geral. É um aumento muito expressivo!

Esse risco parece aumentar com o tempo de uso e a frequência/quantidade. A persistência de sintomas psicóticos com o uso da droga deve servir de sinal de alerta, antes que seja tarde, pois ele é um indicativo de um transtorno psicótico mais duradouro à frente.

Cada ano adicional em que um paciente faz uso semanal da maconha aumenta em 133% o risco de paranoia e em 92% o risco de alucinações e esses sintomas podem persistir, mesmo após um ano cessado o uso da droga.

Existe um efeito sinergístico entre abuso sexual ou físico na infância e risco de psicose com a maconha. O risco de psicose nessa população, quando ela usa a maconha, é de 6 a 30 vezes maior do que na população geral, devendo servir de alerta para pessoas que usam maconha e tiveram experiências traumáticas como essas.

Em relação à idade de início de uso da maconha, os estudos apontam no sentido de quanto mais cedo o uso, maior o risco de esquizofrenia, e esse fator parece ser mais importante do que a quantidade de uso, embora a quantidade também seja importante para a ocorrência dos sintomas psicóticos. Geralmente a esquizofrenia ocorre em média 6 a 7 anos depois da primeira exposição à maconha.

Quando se pesquisa o uso da maconha entre os pacientes com sintomas prodrômicos da esquizofrenia (conhecidos como pacientes de ultra-alto risco para psicose - UHR), observa-se que há uma alta prevalência do uso da droga. Até 70% desses pacientes utilizaram a maconha ao longo da vida e até 50% faz uso atual frequente da droga, mostrando como o uso de maconha se confunde com a história de psicose e da esquizofrenia.

Não se sabe ao certo porque uma pessoa exposta à maconha desenvolve a esquizofrenia e outra não. Parece que as razões são múltiplas.

Existem alguns polimorfismos de genes (pequenas mutações) que tornam a pessoa mais sensível ao THC e, portanto, mais suscetível à psicose do que outras pessoas que não possuem as mesmas mutações. O exemplo mais conhecido é o do gene da COMT, uma enzima que metaboliza a dopamina. Alguns polimorfismos, como do gene AKT1, deixam a pessoa mais suscetível à psicose pelo THC e também mais vulnerável a desenvolver dependência da droga e traços de personalidade esquizotípica (um transtorno de personalidade que compartilha alguns sintomas com a esquizofrenia).

A grande questão é que não tem como saber quem é ou não vulnerável à maconha antes que essa pessoa comece a apresentar psicose, o que pode ser tarde demais! Existem provavelmente outros genes envolvidos nesse processo e ainda não se pode mapeá-los através de testes genéticos. Portanto, o uso de maconha ainda é um "tiro" no escuro, que você não sabe onde e como irá afetar o paciente.

Para se ter uma ideia de como a relação entre maconha e esquizofrenia é especial e complexa, enquanto que somente 30% das psicoses induzidas por anfetaminas (drogas que reconhecidamente aumentam a dopamina no cérebro) viram esquizofrenia, quase a metade das psicoses por maconha (droga cujo uso crônico reduz a quantidade de dopamina) se converte em esquizofrenia. Esse é um contra-senso, uma vez que o excesso de dopamina é o responsável pelos sintomas psicóticos!

Uma das explicações para isso pode estar no sistema glutamatérgico. Como o THC reduz o glutamato no hipocampo e provoca a perda da capacidade modulatória e de ajuste fino do cérebro frente ao estresse, essa poderia ser uma das razões para o risco maior de psicose nessa população.

A hipótese glutamatérgica pode ser uma das explicações porque a maconha está mais relacionada à psicose do que outras drogas, como opióides, anfetaminas, LSD, álcool, cocaína, dentre outras. A ketamina e a fenciclidina (PCP) são drogas que bloqueiam os receptores de glutamato e imitam os sintomas da esquizofrenia, tanto positivos como negativos.

Isso também abre frentes de pesquisa para novos tratamentos, uma vez que medicamentos que atuem em glutamato poderão ser úteis para a esquizofrenia e para psicoses induzidas pela maconha.

No próximo e último artigo da série você vai conhecer os tratamentos disponíveis para a psicose induzida pela maconha. Não perca!


Atendimento à saúde mental terá nova diretriz no Brasil, entenda.

Por Lara Pinheiro, G1

Ministério da Saúde divulgou neste mês documento que organiza mudanças feitas entre 2017 e 2018. Entre outros pontos, texto prevê internação em hospitais psiquiátricos e financiamento para máquina de eletrochoques.

O governo federal prepara um documento que coloca em prática uma nova política de atendimento à saúde mental no Brasil. Entre outros pontos, prevê a internação em hospitais psiquiátricos e o financiamento para compra de máquina de eletrochoques. Baseada em portarias e resoluções publicadas entre outubro de 2017 e agosto de 2018, a "nota técnica" chegou a ser divulgada no site do Ministério da Saúde na segunda-feira (4). Entretanto, criticado por especialistas, o texto foi retirado do ar dois dias depois.

O ministério afirmou ao G1, que o texto ainda não está pronto. Segundo a pasta, a "nota técnica" está em consulta interna no SEI (Sistema Eletrônico de Informações) para receber contribuições de servidores do ministério e de outros órgãos, como o Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde) e o Conasems (Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde).

Depois de chegar à versão final, o documento ainda precisa ser aprovado pela diretoria da área e pela secretaria. Não há uma data prevista para conclusão e implementação.

Os principais itens em consulta interna no ministério são:

  • Inclusão dos hospitais psiquiátricos nas Redes de Atenção Psicossocial (Raps);
  • Financiamento para compra de aparelhos de eletroconvulsoterapia, mais conhecidos como eletrochoque;
  • Possibilidade de internação de crianças e adolescentes;
  • Abstinência como uma das opções da política de atenção às drogas.

Abaixo, o G1 mostra os marcos legais, os principais destaques do texto e a opinião de quatro especialistas que listam pontos contra e a favor das mudanças.

História e marcos legais

De acordo com parte dos especialistas ouvidos pelo G1, os principais itens da nota técnica vão na contramão da lei 10.216, de 2001, conhecida como Lei da Reforma Psiquiátrica, que estabeleceu novas diretrizes para o cuidado à saúde mental no Brasil.

Antes da lei de 2001, era comum que pessoas com transtornos mentais fossem internadas indefinidamente em hospitais psiquiátricos que funcionavam como asilos, onde sofriam maus-tratos — como mostrado, por exemplo, no livro "Holocausto Brasileiro", da jornalista Daniela Arbex, que conta a história dos tratamentos infligidos aos pacientes do Hospital Colônia de Barbacena, em Minas Gerais.

Com o movimento da reforma psiquiátrica, iniciado nos anos 70 e fortalecido com a instituição do SUS, em 1988, a inclinação passou a ser para um "modelo substitutivo", no qual os pacientes fossem atendidos fora dos hospitais, com destaque para o convívio social e o fechamento de leitos psiquiátricos.

É nesse contexto de substituir os antigos manicômios que surge o primeiro Centro de Atenção Psicossocial (Caps), em 1986. O Caps é uma unidade de atendimento do SUS voltada à saúde mental, com profissionais de diversas especialidades, onde pacientes com transtornos psiquiátricos ou problemas causados por álcool e drogas podem ser tratados. Na previsão da nota técnica, os Caps deixam de ser a principal referência no atendimento.

Destaques da nota técnica

1 - Inclusão de hospitais psiquiátricos nas Redes de Atenção Psicossocial (Raps)

Com uma resolução de dezembro de 2017, o Ministério da Saúde incluiu os hospitais psiquiátricos, junto com os ambulatórios e os hospitais-dia, nas Redes de Atenção Psicossocial (Raps) do SUS, que tratam do cuidado à saúde mental. Não haverá mais o chamado "modelo substitutivo". Dessa forma, os Caps não irão mais substituir os hospitais psiquiátricos que ainda permanecem em atividade — os dois modelos de atendimento deverão coexistir.

Por outro lado, o documento proíbe a ampliação do número de leitos em hospitais psiquiátricos, determinando que esses leitos sejam oferecidos em hospitais gerais, dentro de enfermarias especializadas. Em sua atual versão, a norma do Ministério da Saúde estabelece que os hospitais gerais devem ter equipe qualificada, com enfermaria especializada ao atendimento psiquiátrico, com até 30 leitos.

Segundo o texto, a política de retirar dos hospitais pessoas internadas há muito tempo permanece, assim como a implantação qualificada de enfermarias psiquiátricas capacitadas em hospitais gerais.

Os especialistas que são a favor da inclusão dos hospitais argumentam que a medida pode salvar vidas, pois existem casos severos em que o paciente precisa de hospitalização para sair da crise ou representa uma ameaça a si ou a outras pessoas. Como vários hospitais gerais sofrem com falta de leitos, fazer com que alguns deles fossem reservados à psiquiatria poderia trazer problemas.

Por outro, alguns especialistas afirmam que a norma vai contra o movimento de desospitalização instituído no Brasil, reforçando o modelo anterior à Reforma Psiquiátrica e excluindo os pacientes do convívio social. O atendimento delas, afirmam, poderia ser feito nos leitos reservados à psiquiatria nos hospitais gerais.

Antônio Reinaldo Rabelo, psiquiatra, professor associado aposentado da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (Ufba):

“Apesar de ficar como reduto último, há casos que o Caps [Centro de Atenção Psicossocial] não tem condição de cuidar, de resolver. Se o paciente não toma remédio, ou a família não dá, tem que internar. Os hospitais gerais têm déficit de leitos. Se está com déficit em clínica e cirurgia, como é que vai ceder espaço para leitos de psiquiatria? A mentalidade antimanicomial não é para deixar de internar; é para não internar aqueles que podem ser tratados fora do hospitais. Mas há casos — e que são raros — que o hospital tem que internar, e é obrigado a atender”.

Emmanuel Fortes, psiquiatra e vice-presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM):

“Não tem um retorno ao modelo anterior. O que tem é a incorporação do hospital e do ambulatório psiquiátricos à Raps — que foram expurgados do rol de equipamentos, como se doença mental não existisse e as pessoas não precisassem de hospitalização. Nem sempre um hospital geral apresenta requisitos e condições para tratar uma pessoa violenta, agitada, desnorteada. A estratégia [de desospitalização] continua sendo a da política de saúde mental. O que está se anunciando é a possibilidade de tratar as pessoas que estão em crise, em risco de suicídio, de matar alguém de serem agredidas em um lugar seguro.”

Marisa Helena Alves, psicóloga, parte da Comissão Intersetorial de Saúde Mental do Conselho Nacional de Saúde (CNS)

“Entendemos como um retrocesso. A Raps, antes, não tinha o hospital psiquiátrico como o local de atendimento, porque atenderia a pessoa de forma mais humanizada. Para quem conhece a realidade do manicômio, é isso que nos indigna — ele nunca foi um local de tratamento. Sempre foi um local onde as pessoas foram depositadas — você limpa a cidade e coloca ali. Ele indo pro hospital geral, é atendido na crise. Com medicação, com terapias, ele sai da crise e o acompanhamento pode ser feito na Caps. Um dos problemas é que os hospitais gerais têm muita resistência em aceitar o paciente psiquiátrico, por preconceito. Tem que ter uma equipe especializada.”

Girliane de Souza, enfermeira psiquiátrica e professora na Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

“Quando é um caso que não consegue ser manejado no Caps, com agressividade muito grande, ou é um município sem Caps 24h, aí, sim, ela vai para um hospital. Mas o que a lei fala é que tem ter leitos psiquiátricos dentro do hospital geral. Por que não ter uma equipe para tratar essa pessoa? Às vezes essa pessoa também tem uma demanda clínica, principalmente em usuários de álcool e outras drogas. O que a gente questiona é por que voltar o modelo de hospitais psiquiátricos, se existem outros dispositivos que cuidam tão bem dos usuários de saúde mental? Se não vai ter um aumento de investimento em saúde, por que não fortalecer os Caps, aumentar o número de leitos no Caps que já existem?”.

Posição do Dr. Leonardo Palmeira: A reforma psiquiátrica previa a substituição dos leitos em hospitais psiquiátricos por leitos em hospitais gerais, o que nos parece mais adequado, pois não há razão para que a doença mental não seja tratada na crise como outras doenças físicas. A alegação de que há pacientes agitados e agressivos não nos parece consistente, uma vez que equipe especializada e espaços apropriados dariam conta disso. Outra alternativa são os CAPS III com leitos de curta permanência, que são mais adequados do que hospitais especializados. Eles poderiam ser ampliados para dar maior cobertura territorial. O retorno aos hospitais psiquiátricos nos formatos que ainda existem hoje, enfermarias grandes, com muitos pacientes para poucos técnicos, não deixa de ser um retrocesso. Será muito mais difícil avançarmos na ampliação dos CAPS III e dos leitos em hospitais gerais com esse recuo.

2 - Incentivo ao uso da eletroconvulsoterapia (ECT)

Com a nota, o Ministério da Saúde passaria a financiar a compra de aparelhos de eletroconvulsoterapia (ECT) para tratamento de pacientes com transtornos mentais graves ou que não respondem a outros tratamentos. O equipamento consta na lista de materiais do Fundo Nacional de Saúde, vinculado ao SUS.

Segundo Antônio Reinaldo Rabelo, professor aposentado da Ufba, o tratamento não causa danos ao cérebro e faz um "embaralhamento" nos circuitos do cérebro que estão com defeito. O tratamento com ECT é feito em várias sessões, mas, segundo ele, tem efeito mais rápido do que os antidepressivos, por exemplo.

"A ECT é um instrumento que salva vidas. O paciente com depressão e risco de suicídio que não responde à terapêutica medicamentosa precisa tomar. Isso é outro grande preconceito que foi disseminado junto à população — nós que somos clínicos sabemos a utilidade. Eles devem incorporar. É tecnologia a serviço da vida. O CFM estabeleceu que há uma sala para esse tipo de tratamento — uma sala quase cirúrgica, com estrutura de suporte à vida para tratar de intercorrência."

Marisa Helena Alves, Conselho Nacional de Saúde

"Eu quero que fique bem claro: ele é um aparato terapêutico, médico, aprovado cientificamente, que tem que ser feito em centro cirúrgico. Mas pode ser usado de forma inadequada. E a gente tem comprovação, inclusive através das inspeções, que não era feito da melhor maneira — foi usado inclusive como forma de punição. O que a gente tem receio é desse retrocesso, do uso sem restrições, indiscriminado, porque não é para qualquer um. É um procedimento invasivo, como uma cirurgia. Torna-se difícil prever que, de um dia pro outro, o que era um instrumento de tortura faça-se um instrumento terapêutico."

Girliane de Souza, UFMG

"É um ponto obscuro. Precisa ter um protocolo. Existem clínicas privadas que fazem, com protocolo de anestesia. É indicado para os casos que não respondem a medicamento. A nota técnica fala, mas não diz como vai ser o protocolo. Isso precisa ficar muito claro, para que a gente não repita os erros do passado."

Antônio Reinaldo Rabelo, Ufba

"Não existe nada melhor pra depressão e esquizofrenia refratárias do que a ECT — inclusive causa menos problema do que remédios. Tem grande indicação terapêutica. Pena que é cara. Se for para empregar com condições técnicas — em centro cirúrgico, com anestesista, equipamentos de ressuscitação, tudo bem. Mas poucos hospitais terão condições de ter uma sala cirúrgica com anestesista para fazer isso."

Posição do Dr. Leonardo Palmeira: O ECT é um tratamento eficaz e reconhecido pelo CFM e pelo próprio Ministério da Saúde, foi utilizado no passado de forma pouco criteriosa e há de fato relatos de uso punitivo, por isso seu estigma. Que o SUS disponibilize mais aparelhos para centros que não possuem recursos para tratamento de casos graves e refratários achamos ser positivo, porém há de se ter um protocolo elaborado pelo próprio Ministério da Saúde junto às associações médicas e fiscalização do próprio MS e Ministério Público, para que não se permita o mal uso do ECT. Ele também deve ser realizado em hospitais gerais, com equipamento adequado e UTI para eventuais complicações. O pior cenário será permitir aparelhos de ECT em hospitais psiquiátricos sem condições, isso será um retrocesso a práticas da década de 1970.

3 - Internação de crianças e adolescentes

A nota do Ministério da Saúde previa a possibilidade de internação de crianças e adolescentes em enfermarias psiquiátricas de hospitais gerais ou em hospitais psiquiátricos. Segundo o posicionamento do Conselho Regional de Medicina de São Paulo, citado no texto, essa internação deve ser feita, preferencialmente, em área separada da dos adultos.

Uma portaria do Ministério da Saúde, que estabelece os valores pagos pelo governo pela diária de internação em hospitais psiquiátricos, a idade mínima do paciente aparece como 12 anos. Quando questionado pelo G1 sobre a possibilidade de crianças abaixo dessa idade serem internadas, no entanto, a pasta não respondeu.

Emmanuel Fortes, CFM

"[A internação infantojuvenil] funciona do mesmo jeito que pra adulto, só que num ambiente adequado para tratar crianças e adolescente. Hoje, nós não temos essa especificação porque ninguém tem onde tratar as crianças que entram em crise. Quando se interna num hospital de adulto, são problemas seriíssimos. Então as diretrizes estão corretas."

Antônio Rabelo, UFBA

“Nunca aconselhei, sempre fui contra. Colocar uma criança internada em hospital tem um efeito iatrogênico [efeito negativo de um tratamento] muito grande. Tirar da vida social, da escola — isso é um trauma irrecuperável para uma criança.”

Marisa Helena Alves, Conselho Nacional de Saúde

"Na minha opinião, não. O que deve ter é assistência à criança e ao adolescente — nos Caps infantis, nos Caps para adolescentes, principalmente os adolescentes usuários de drogas. Reforçar esses mecanismos de atenção: o pai e a mãe vão, recebem orientação, aprendem a lidar com a situação, conhecem melhor o problema que o filho tem. Existem casos que precisam de internação, a gente não nega isso. O que a gente questiona é como se faz isso. Criança com doença, com transtorno, dá trabalho — mas isso é responsabilidade da família. Tem que ter aparato do Estado, assistência, medicamento, o local para ser socorrido na crise — mas não pode ter o lugar para depositar e deixar lá."

Girliane de Souza, UFMG

“É um ponto extremamente problemático, porque a gente vê um uso indiscriminado de remédios psiquiátricos na infância. Como vão se dar essas internações, a questão medicamentos — é um lado obscuro, a gente não sabe como vai funcionar. E a gente se não vai ter um impacto negativo no desenvolvimento cognitivo, afetivo, social da criança, já que ela não vai estar na escola”.

Posição do Dr. Leonardo Palmeira: a internação de crianças e adolescentes às vezes é necessária (particularmente de adolescentes), embora o desejável seja evitá-la ao máximo com os recursos ambulatoriais que precisam ser ampliados. O Ministério da Saúde deve ampliar o atendimento a crianças e adolescentes através do CAPS infantil, incluindo a família, oferecendo suporte a elas para conseguirem lidar melhor com as situações de crise, evitando ou retardando a necessidade de internação.

4 - Uso da abstinência no tratamento contra as drogas

Segundo a nota técnica, a abstinência — na qual o usuário larga por completo o contato com as substâncias — passa a ser uma das estratégias da política de atenção às drogas, assim como a redução de danos, que era enfatizada anteriormente. Nesta última, busca-se encontrar soluções que sejam menos prejudiciais à saúde das pessoas: trocar o crack por um cigarro, por exemplo.

Emmanuel Fortes, CFM

“Nós entendemos que, para que você tenha saúde mental, tem que estar em abstinência. Você não vai manter a pessoa em contato com a substância, vinculada a um padrão de consumo. A tolerância à droga tem que ser zero. A pessoa se trata efetivamente quando compreende que precisa se tornar abstêmia.”

Girliane de Souza, UFMG

"A abstinência não é o melhor tratamento, pelo contrário — é o mais ineficaz. No caso de uso e abuso de substâncias. A redução de danos trabalha na lógica de empoderar a pessoa — quando ela quer [usar a droga], a quantidade. Isso deu muito mais resultado. A abstinência nem sempre funciona pra todo mundo — na verdade, não funciona pra todo mundo.”

"É impossível querer só abstinência, sem fazer redução de danos. Não pode forçar a abstinência. A meta é abstinência, sim — mas, até lá, terá que fazer a redução de danos."

Marisa Helena Alves, Conselho Nacional de Saúde

"É uma abordagem possível, mas não é a mais simples. O uso de drogas, a doença — porque é uma doença — é de uma complexidade muito grande, que envolve fatores pessoais, sociais, emocionais. Um único viés de tratamento torna-se inoperante, porque vai depender de caso a caso. Tem pessoas que vão deixar de usar a droga pelo método de abstinência — outros precisarão de outros recursos. Quando você cria uma política pública, tem que contemplar o universo de abrangência dessa política — e não reduzi-la a determinados segmentos, a determinadas possibilidades. Em se tratando de política pública, o caráter de universalidade que ela tem em si, de atingir o maior número possível de pessoas, tem que estar contemplado."

Posição do Dr. Leonardo Palmeira: A redução de danos nos parece mais adequada para pacientes com transtornos mentais severos, como a esquizofrenia, que não costumam responder à abstinência completa. O problema é que muitos serviços que trabalham na lógica da abstinência dispensam pacientes que optam por reduzir a droga ou usar droga de menor potencial nocivo. Seria importante incorporar as duas metodologias, com flexibilidade para atender aos diferentes perfis de pacientes, além de criar equipes e serviços especializados em comorbidades entre dependência química e transtornos mentais graves, uma demanda cada vez mais crescente.

Fonte: G1 (exceção à nossa opinião)


Especial Maconha e Psicose: Os efeitos agudos da maconha no cérebro.

Parte 3 - Os efeitos agudos da maconha no cérebro.

Nos artigos anteriores apresentamos a epidemiologia do uso da maconha e o papel do sistema endocanabinoide no comportamento humano, ressaltando alguns prejuízos que o uso da maconha, particularmente o THC, traz para o sistema e para o comportamento humano.

Hoje vamos nos aprofundar nos sintomas agudos da maconha nas pessoas que a utilizam.

Muito dos efeitos que conhecemos hoje tem respaldo em estudos de laboratório, realizados com maconha inalada ou injetável, particularmente o THC, composto da maconha com mais efeito psicoativo.

A maconha, quando ingerida, possui lenta absorção e grande metabolismo hepático, sofrendo uma baixa taxa de biodisponibilidade, em torno de 10%. Já a forma inalada através do fumo entrega ao sangue cerca de 30% e, se inalada com vaporizadores, cerca de 55%. Se o THC for injetado na veia, a concentração pode ser 50% maior do que a inalada. Uma característica do THC é que ele se deposita na gordura do corpo, sendo depois redistribuído na corrente sanguínea e causando efeitos a longo prazo.

Os efeitos agudos do THC, portanto, dependem da via de administração, da quantidade de uso e da frequência. Pessoas que usam a maconha de maneira frequente tem efeitos agudos mais reduzidos.

Estudos com THC em humanos (mais comum no passado, devido à permissão na legislação e em comitês de ética) mostraram que os sintomas provocados pela droga são semelhantes à esquizofrenia, mesmo em algumas pessoas que não possuem a doença. Foram descritos paranoia, desorganização do pensamento, alucinações ou ilusões, grandiosidade, afeto embotado ou euforia, falta de espontaneidade, isolamento social e lentificação motora. Ocorreram também sintomas dissociativos, como alteração da percepção do tempo, despersonalização e desrealização e sintomas cognitivos, como desatenção, problemas de memória, de função executiva e planejamento, redução do reforço positivo, gerando distúrbio do aprendizado por recompensa.

Um estudo em 2005 com pacientes com esquizofrenia que utilizaram a maconha verificou que ela piorou os sintomas da doença, gerando mais sintomas positivos e negativos, sem entretanto trazer sintomas novos, mas também sem provocar qualquer alívio de sintomas da doença, pondo por terra a teoria de que o paciente com esquizofrenia se automedica com a maconha para aliviar os sintomas da esquizofrenia. O paciente também se mostrou mais vulnerável aos efeitos da maconha, com mais déficits cognitivos do que pessoas sem a doença.

Existem canabinóides sintéticos, produzidos em laboratório e que são muito mais potentes do que o THC. O mais conhecido é uma droga apelidada de Spice. Ela também é conhecida como a droga do zumbi, pelo seu potencial letal de intoxicação. Ela causa alucinações visuais e auditivas, delírios, comportamento e fala bizarros, ideias de suicídio, comportamento suicida, agressividade, podendo terminar em delirium hiperativo por varios dias, IAM, AVE, lesão renal e morte.

Existem quatro tipos de psicose causada pela maconha.

- Delirium causado pela maconha, levando a um quadro agudo de confusão mental que pode durar de horas a dias depois do consumo de grandes quantidades da droga. Geralmente é autolimitado e melhora espontaneamente com a suspensão da maconha.

- Psicose tóxica pela maconha: sintomas psicóticos que ocorrem após o uso e que podem durar até 6 semanas, também melhorando com a interrupção do uso.

- Psicose funcional não-esquizofrênica induzida pela maconha: psicose duradoura que persiste mesmo após o uso da maconha, mas que guarda íntima relação com a droga e não possui todos os sintomas da esquizofrenia.

- Esquizofrenia seguida do uso da maconha: sintomas da esquizofrenia que iniciam após exposição à droga e que seguem um curso independente após o desencadeamento.

Alguns autores tentaram diferenciar a psicose causada pela maconha da esquizofrenia. Embora essa diferenciação clínica não seja precisa e nem sempre corresponda à prática, é uma maneira de levantar a suspeita entre um tipo ou outro de psicose. Veja a tabela:

Caton et al, 2005
Baldacchino et al. 2012
Início mais tardio
Maior probabilidade de estar num relacionamento
Maior comorbidade com Transtorno de Personalidade Antisocial
Situação de rua mais frequente
Pior suporte familiar
Maior probabilidade de ter um familiar com DQ
Menor intensidade de:
Sintomas negativos (embotamento afetivo, alogia, apatia)
Alterações formais do pensamento
Alucinações auditivas
Forma mais severa de Transtorno por uso de substâncias
Longos períodos de abuso
Múltiplas drogas
Maior dependência de substâncias
Alucinações visuais
Maior intensidade de:
Hostilidade e agitação
Alucinações auditivas não-verbais
Alterações da percepção
Delírios de controle, grandeza e religiosidade

No próximo artigo vamos abordar a conversão da psicose causada pela maconha para a esquizofrenia. Até o próximo artigo!


Após anos de internação, pacientes têm nova vida em residências terapêuticas.

Seguindo uma tendência de humanização e reinserção social, hoje, no Rio, cerca de 460 pessoas vivem em 89 dessas casas, assistidas por equipe multidisciplinar dos CAPs

Por Ana Paula Blower / O Globo


Na bolsa de couro sobre a cama cuidadosamente arrumada, Tereza Caetano, de 79 anos, guarda sua carteira de trabalho, o documento de identidade e um álbum com fotos da família. Raquel Barros, 43, carrega na bolsa rosa meias recém-compradas, “coisa simples”. Em sua inseparável sacola de pano, Katia Nogueira, 57, leva sempre o maço de cigarros.

As três mulheres têm em comum longos anos de internação psiquiátrica, que deixaram nelas marcas como o hábito de andarem sempre coladas a seus pertences. E, agora, as três encaram uma nova fase: mudaram-se há poucos dias para casas assistidas pelos Centros de Atenção Psicossociais (CAPs) do município do Rio.

Hoje, cerca de 460 pessoas vivem em 89 dessas casas — residências terapêuticas mantidas pela Secretaria Municipal de Saúde no Rio, que também fornece uma bolsa de um salário mínimo aos ex-internos de hospitais psiquiátricos públicos. A ideia é que abram caminho para sua reinserção na sociedade.

O número de moradores em cada residência varia, mas eles têm sempre a assistência de uma equipe multidisciplinar que inclui, entre outros profissionais, psicólogo, enfermeiro e assistente social. Os espaços são divididos a partir da complexidade dos moradores: baixa, média e alta, o que determina os níveis de cuidado e atenção de que precisam.

Recentemente, as internações de longa permanência — quando passam de um ano — vêm diminuindo, por iniciativa da rede pública (leia mais no texto abaixo). Em 2012, eram 1.302 pacientes sob os cuidados do município; em 2015, caíram para 613; hoje, são 282 pacientes. Todos esses estão nos institutos municipais Nise da Silveira, no Engenho de Dentro, Juliano Moreira, em Jacarepaguá, e Phillippe Pinel, em Botafogo.

Esse era o caso de Tereza, que chegou em 2016 ao Juliano Moreira, após quase cinco décadas internada em hospitais privados conveniados com o Sistema Único de Saúde (a parceria acabou em 2016 e a Secretaria Municipal de Saúde assumiu os pacientes em sua rede própria). A antiga colônia, que já foi um dos maiores hospícios do Brasil, desinstitucionalizou 33 pacientes em 2018 — 27 foram para residências terapêuticas e seis voltaram para suas famílias. Mesmo assim, ainda há 194 pacientes internados lá.

A primeira opção para o fim do confinamento psiquiátrico é o retorno familiar. Se não for possível, a residência terapêutica se torna um caminho. O processo de mudança, quando há vaga disponível, é organizado pelos CAPs, e o ideal é que os pacientes participem ativamente dele.

'Vou passear na praça'

Após 53 anos internada em instituições psiquiátricas, a baiana Tereza Caetano parece indignada quando alguém menciona sua idade.

— Quem disse que tenho 79 anos? Se fosse assim, teria muitos cabelos brancos! — diz a senhora de fios pretos longos entremeados por poucos grisalhos.

Um dia depois de chegar à nova casa, em um condomínio de dez residências terapêuticas onde divide o quarto com outra ex-interna, Tereza Caetano estava ansiosa, perguntando diversas vezes sobre o restante de sua mudança. Olhando as fotos da família, diz sentir falta deles e esperar que a visitem. Sua nova casa tem ainda outros sete moradores, todos ex-internos.

Mais à vontade em sua nova morada, Raquel conta que seus primeiros dias na residência terapêutica estavam sendo calmos.

— A casa é imponente, bonita. E é bom porque não tem discussão — afirma Raquel, que passou oito anos em hospitais psiquiátricos, os últimos dois deles na Juliano Moreira.

Dias antes de deixar o Núcleo Rodrigues Caldas, também na Juliano Moreira, a expectativa de Claudio de Lima Moura, de 44 anos, internado há quatro, era grande. Ele chegou na semana passada, recebido por um churrasco, a uma residência terapêutica em Campo Grande, Zona Oeste do Rio. Para ele, a mudança não seria um problema. “Vou me virar”, dizia, contando o que queria fazer longe da internação:

— Vou ligar o ventilador. Passear na praça, soltar pipa. Comprar uma garrafinha de guaraná natural e uma pizza.

País passa por reforma psiquiátrica

Diretor do Instituto Municipal Juliano Moreira, Alexander Ramalho aponta para a questão social por trás das longas internações. Pessoas internadas por alguma sintomatologia na década de 1960 e 70, por exemplo, e que tiveram seus quadros estabilizados, mas que, por não terem para onde ir, acabaram ficando nos hospitais.

— Todos que estão hoje no Juliano Moreira estão de alta, não têm indicação clínica para estarem aqui. Mas perderam vínculo familiar, algumas foram abandonadas, outros não têm recursos para se manter. E aí aparecem outros dispositivos, como os CAPs, as residências terapêuticas e os espaços de convivência — explica Ramalho. — A política de saúde mental antiga levava à exclusão porque focava no manicômio. Desde a década de 1970, foca-se nos serviços substitutivos.

Desde a década de 1970, alinhado com um movimento mundial, o Brasil passa por uma Reforma Psiquiátrica, que questiona as internações de longa permanência em hospital como única alternativa de tratamento.

Com o intuito de garantir essa mudança, a Lei Federal nº 10.216, de 2001, delimitou três tipos de internação: voluntária, involuntária e compulsória. A lei diz que “a internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes”.

— Algo que as famílias consideravam uma aberração virava motivo para internar. Hoje, com essa lei, isso não é permitido. A doença mental deve ser encarada como outra qualquer, sem o estigma de que é alguém que precisa ser excluído — diz a diretora do CAPS III Arthur Bispo do Rosário, Carla Cavalcante Paes Leme.

A ideia de que o paciente não deve viver recluso e que, a todo momento, deve-se pensar em sua reinserção social é uma das premissas dessa reforma psiquiátrica.

Diante disso, Maria Helena Silva, coordenadora de segmento pelo CAPS Profeta Gentileza, define residências terapêuticas como “possibilidades de vida e liberdade”, diferentemente dos hospitais psiquiátricos e suas regras institucionalizadas.

— Na residência terapêutica não existe hora de acordar, de almoçar. Eles é que dizem como querem viver. E nós construímos junto a chegada e a permanência. Eles deixam de ser pacientes e passam a ser moradores de sua própria casa.

Fonte: Jornal O Globo