O caso de Realengo: assassino em massa tipo pseudocomando – Parte II

Leia a Parte I
Uma característica que parece ser comum a estes casos é que o assassino do tipo pseudocomando possui uma grave fragilidade egóica e, para manter seu ego preservado, nutre uma raiva destrutiva em relação ao outro que eventualmente o transforma num vingador. Esta raiva vingativa lhe dá uma falsa sensação de poder (pseudopower), pois é tão somente uma reação de intolerância diante do seu fracasso e humilhação. Porém, quando esta é a única defesa do indivíduo contra a aniquilação de sua identidade, só lhe resta persistir na incessante denunciação da injustiça. Para alguns este é um caminho sem volta, porque existe uma honra perversa em recusar que a injustiça seja corrigida ou reparada, como se render-se à realidade significasse desistir de sua identidade (ou da falta dela) e isto é para ele intolerável.
A literatura a respeito da psicologia da vingança nos mostra que existe um elevado conteúdo emocional de ódio e medo e este medo pode resultar facilmente em paranóia. A raiva extremada pode afetar a atenção da pessoa a ponto dela ter dificuldade de pensar em outras coisas que não na vingança. Isso gera um ciclo vicioso, pois quanto mais ela pensa, mais raivosa e menos capaz de pensar em outra coisa ela fica. Portanto, a fantasia de vingança do assassino do tipo pseudocomando impede que ele possa utilizar outras estratégias capazes de desviar seu pensamento e suas atitudes para outra coisa. A fantasia de vingança é inflexível e persistente, porque ele precisa desesperadamente sustentar sua auto-estima. Ele é capaz de se sentir melhor e mais controlado enquanto rumina e finalmente planeja a vingança. A fantasia leva o vingador a experimentar prazer em imaginar o sofrimento dos seus alvos e orgulho por se sentir parte de uma espécie de “justiça maior espiritual”. A fantasia de vingança é uma falsa promessa de um remédio poderoso para seu ego despedaçado, dando-lhe uma ilusão de força e de que o auto-controle e a coerência interna foram restabelecidos.
Dietz descreveu esses indivíduos como “colecionadores de injustiça” que se agarram a cada insulto, acumulando uma pilha de evidências de que foram brutalmente maltratados. Esta é uma maneira deles sustentarem a vingança, reunindo provas contra os “inimigos” e nutrindo uma raiva impiedosa. Muitos tiveram uma história de infância de abandono e esta pode ser uma das explicações para a dificuldade de confiar no outro, tornando-os adultos com caráter paranóico. Supõe-se, em função disso, que eles tiveram problemas no desenvolvimento psicológico durante a infância que os fixaram num estágio persecutório (posição esquizo-paranóica). Neste estágio, a maior parte das percepções do mundo é baseada em sentimentos de frustração e maus-tratos e é encarada como ofensa intencional ou negação proposital de gratificação. Por isso, é comum que esses assassinos possuam sintomas de paranóia, que inflam seus sentimentos de inveja destrutiva. Eles não invejam o que o outro tem (como bens, roupas, etc) ou o status social, mas como o outro aproveita essas coisas. Portanto, o objetivo é destruir a capacidade do outro apreciar o que tem.
Com o passar dos anos esses indivíduos desenvolvem um sentimento crônico de perseguição que acaba por gerar uma atitude niilista que penetra seus conceitos sobre tratamento e sobre a vida em geral. O fato de não encontrar um significado na vida leva a sentimentos de desesperança, derrota pessoal e idéias suicidas, tornando-os menos capazes de aceitar ajuda externa e menos motivados a controlar o comportamento. Neste ponto o risco de suicídio e de comportamentos auto-destrutivos são maiores. A “teoria da fuga” (escape theory) do suicídio revela que, quando o indivíduo é incapaz de evitar afetos negativos e a auto-consciência aversiva e dolorosa, ocorre um processo de “desconstrução cognitiva” que leva à irracionalidade e à desinibição. O suicídio é, então, o último passo possível para escapar da consciência e de sua implicação para o ego.
No caso do assassino do tipo pseudocomando, trabalhar a consciência dos seus reais atributos sob uma tempestade de idéias persecutórias e afetos negativos é um tormento. Contemplar abertamente seus atributos seria um suicídio sem fim, uma agressão da realidade combinada por seus próprios ataques persecutórios. Sua existência passa a ser uma autodestruição progressiva. Ele precisa, então, de um santuário mental contra o niilismo opressivo que tomou conta de si. Ele se torna incapaz de retroceder de sua vingança “heroicamente” planejada. Ele vai chegando perto de tornar sua fantasia realidade e passa por um processo de aceitar que terá que sacrificar a própria vida. Seus pensamentos catastróficos o levam a acreditar que um homicídio-suicídio é sua única opção e suas atitudes o levam a sentir como se seu “eu” já estivesse morto – a morte do corpo físico é uma simples conseqüência inevitável. Isto elimina completamente qualquer possibilidade de encontrar um sentido para a vida.
Uma vez decidido a se sacrificar, o assassino traz suas fantasias de vingança à luz da realidade e formula suas comunicações finais. Essas comunicações têm um grande significado para ele, pois ele sabe que elas serão o único testamento vivo deixado por ele. O objetivo é que todos possam ter conhecimento das motivações de seu “sacrifício heróico”. Dois fatores que tornam este tipo de assassino único são: acesso às armas potentes e automáticas e a glorificação do fenômeno pela mídia.
Fonte de consulta: The “Pseudocommando” Mass Murderer: Part I, The Psychology of Revenge and Obliteration – James L. Knoll, IV, MD – J Am Acad Psychiatry Law 38:1:87-94 (2010)

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