Transtorno Bipolar – entrevista de Veja com a atriz Linda Hamilton.

“Eu gostaria que as pessoas com doenças mentais pudessem experimentar a vida que levo hoje. É claro que tenho dias ruins, como todo mundo. Mas sei que mesmo os maus momentos podem ser bons, desde que se aprenda com eles. Minha infelicidade, no fim das contas, me fez uma pessoa bem melhor. O meu sucesso como atriz um dia será esquecido. Mas o sucesso que obtive como ser humano permanecerá para sempre comigo”.

Além da entrevista na Revista Veja, vale a pena conferir a entrevista dela no Programa da Oprah em http://www.oprah.com/spirit/Depression-Takes-Its-Toll/1

A atriz americana conta como o distúrbio bipolar afetou sua vida pessoal e profissional e fala de sua difícil recuperação. Por Anna Paula Buchalla

Nos anos 80, a atriz americana Linda Hamilton alcançou o estrelato como a protagonista da série cinematográfica O Exterminador do Futuro. No segundo filme, para espanto dos espectadores, ela surgiu com um corpo musculoso obtido à custa de treinamentos que lhe consumiam seis horas por dia. Mais do que fruto da preparação para o papel da obstinada personagem Sarah Connor, que combatia andróides enviados do futuro para matar seu filho, a forma física de Linda era uma das facetas de um distúrbio bipolar não diagnosticado. As vítimas da doença alternam momentos de extrema euforia e de profunda depressão, e a ginástica obsessiva compunha um quadro em que também estavam presentes comportamentos autodestrutivos, uso de drogas, abuso de bebida e rompantes de violência. O inferno pessoal de Linda só chegou ao fim quando ela teve a doença diagnosticada e começou a tratar-se com remédios. A atriz credita ao distúrbio bipolar o fim de seus dois casamentos, um deles com o diretor James Cameron. Hoje, aos 49 anos, mãe de dois filhos e vivendo em Malibu, na Califórnia, ela não tem mais os músculos de Sarah Connor. Mas desenvolveu um tipo diferente de força, que a motivou a falar publicamente de sua doença. “Estou bem agora. Mas foram vinte anos de luta e sofrimento para chegar até aqui”, disse Linda nesta entrevista a VEJA.

Veja – Por que a senhora resolveu falar publicamente sobre a sua doença?
Linda – Passei vinte anos da minha vida lutando contra uma doença que eu simplesmente não conseguia entender. Foram muitos diagnósticos errados até chegar à recuperação. Passou a ser muito importante para mim dividir – não a tristeza, o choque e o mal-estar em que estive mergulhada boa parte da minha vida –, mas o lado bom do tratamento, que é encontrar o equilíbrio. Achei que podia salvar as pessoas que como eu sofrem de doenças mentais.

Veja – A senhora usa remédios?
Linda – Uso, mas por muito tempo resisti à medicação. Tinha muito medo do que a química poderia causar no meu processo criativo. Achava que ela comprometeria minha profissão e que eu me sentiria inexpressiva e diminuída como pessoa. O que aconteceu foi o oposto. É claro que não foi fácil, no começo, tomar o comprimido todos os dias. Mas hoje vejo que a minha vida mudou completamente. E continua mudando. Abriu-se um incrível mundo novo para mim.

Veja – Como é saber que se depende de uma medicação para o resto da vida? Isso a incomoda?
Linda – De jeito nenhum. Inclusive porque conheço bem a alternativa: viver como eu vivi durante quase quarenta anos, no limite da loucura. Horrível seria saber que eu teria de conviver com uma doença não diagnosticada e não tratável pelo resto da minha vida. Não sei de onde tiraria forças para conseguir isso. Remédio e tratamento psicológico não são um problema para mim. São a solução.

Veja – Quantos anos a senhora tinha quando foi diagnosticada com distúrbio bipolar?
Linda – Eu tinha 37 anos. Dez anos antes, havia sido diagnosticada erradamente como depressiva, o que acontece freqüentemente com quem tem distúrbio bipolar. A diferença é que o paciente bipolar alterna períodos de euforia com outros de depressão. E a doença é tão difícil de ser diagnosticada justamente porque ninguém vai ao médico para dizer: “Doutor, eu me sinto incrível. Posso resolver todos os problemas do mundo”. O problema maior do diagnóstico errado é que, quando um paciente bipolar é tratado como se fosse apenas um depressivo, ele deixa de passar por períodos de euforia. Isso complica ainda mais o quadro.

Veja – Como eram os seus episódios de euforia?
Linda – Eu basicamente não precisava dormir. Achava que tinha as melhores idéias do mundo para qualquer tipo de assunto. Que podia levantar bandeiras de campanhas impossíveis. Nesses momentos, eu era uma pessoa feliz e excitadíssima pelo fato de estar viva. Trata-se de uma grande explosão de energia, só que irreal. E permanecer nesse estado, posso garantir, não é seguro. A depressão que se segue, muitas vezes somente uma hora depois da mais completa euforia, costuma ser desesperadora. Houve momentos terríveis, como no nascimento do meu segundo filho, quando tive depressão pós-parto. Comecei a ter alucinações – vinham à minha mente imagens dos meus filhos machucados, sangrando. Achava que não poderia sair de casa ou eles ficariam em perigo. Era um controle obsessivo. Tinha de estar ao lado deles o tempo todo, como se só eu fosse capaz de mantê-los seguros. Àquela altura, já haviam passado pela minha casa mais de treze babás.

Veja – A senhora teve pensamentos suicidas?
Linda – Não exatamente, embora houvesse vezes em que eu simplesmente não quisesse mais viver. Num momento de depressão extrema, tive ímpetos de me atirar de um carro em movimento. Não necessariamente para me matar, mas para fugir de uma situação muito dolorosa.

Veja – A senhora se envolveu com álcool e drogas. As pessoas à sua volta percebiam que estava usando substâncias químicas?
Linda – Eu já sou, normalmente, uma pessoa agitada. Nos anos 80, eu me viciei em cocaína e não era todo mundo que percebia que eu estava sob efeito de drogas. Mas acho que meu problema maior foi mesmo com o abuso de álcool. Na maioria das vezes, podia beber o dia e a noite inteiros sem que ninguém percebesse que eu estava passando do limite.

Veja – É estranho que ninguém percebesse.
Linda – Talvez eles percebessem, mas o fato é que não se preocupavam. Meus amigos falharam comigo nesse aspecto. No geral, as pessoas me viam alta e me incentivavam a beber ainda mais. Mais um pouco e me inscreveriam em um concurso de bebidas. Afinal, eu era uma moça festeira. Era divertida e agitava as noites. Ninguém via isso como um problema.

Veja – Quando a senhora teve a sua primeira crise depressiva depois de tornar-se atriz?
Linda – Foi num de meus primeiros trabalhos, um seriado para a TV, em 1980. Estava fazendo um telefilme chamado Rape and Marriage (Estupro e Casamento), com Mickey Rourke. Ele era, na época, uma estrela em ascensão. O meu papel era muito difícil, havia muita tensão nas filmagens. Foi muita pressão sobre mim. Fiquei esgotada e quase pus tudo a perder.

Veja – A senhora conquistou a fama com a série O Exterminador do Futuro. No segundo filme, sua forma física chamou muito a atenção dos espectadores. Os músculos definidos eram sinal de uma boa fase pessoal?
Linda – Não mesmo. Na verdade, eu estava vivendo um período muito complicado. Interpretar aquele papel me causou um imenso desgosto pessoal. Sarah Connor, a protagonista, era alguém que havia perdido tudo: a mãe, a colega de quarto, o amante… Eu permanecia grudada na personagem e, por causa disso, entrei num estado de depressão severa. Não sabia como me proteger dos sentimentos que vinham do meu trabalho e que se misturavam à vida real. Se um ator não consegue separar uma instância da outra – e, quanto a mim, isso se devia ao distúrbio bipolar –, ele enlouquece. Há o caso de uma atriz que, depois de fazer uma cena extremamente intensa, foi acometida de cegueira histérica. O diretor do filme teve de ficar duas horas com ela no camarim para convencê-la de que podia enxergar. No meu caso, infelizmente, a depressão durou muito mais do que duas horas.

Veja – A ginástica pesada também fazia parte do quadro de distúrbio bipolar?
Linda – Na verdade, o meu lado maníaco é maravilhoso para quem me contrata. Eu me empenho a fundo em todos os papéis. Mas o que aconteceu naquela época foi que, durante a preparação para o filme, eu me tornei compulsiva em relação aos exercícios. Fazia seis horas de ginástica pesada por dia. Logo depois do filme continuei na mesma toada. Treino até hoje, mas jamais naquele nível.

Veja – Como foi a sua infância?
Linda – Foi uma infância normal até certo ponto. Perdi meu pai, que era médico, quando eu tinha 5 anos de idade, em um acidente de carro. Também não foi exatamente uma boa experiência para mim ter uma irmã gêmea idêntica. Eu tentava o tempo todo fazer coisas para me diferenciar, para criar a minha própria identidade. Exceto por esses dois fatos, tive uma infância tranqüila. Mas havia também um pouco de tristeza e solidão na minha vida. Eu me sentia diferente das outras pessoas. Já era a depressão, mas ninguém se dava conta.

Veja – Seu pai também foi diagnosticado como bipolar.
Linda – Sim, mas naquele tempo o distúrbio era chamado de psicose maníaco-depressiva. Ele tinha alterações de humor extremas. Certamente há um componente genético nessa doença. E as estatísticas mostram isso. Depois da morte do meu pai, tive meu primeiro grande episódio maníaco: eu me confortava com a comida. Tornei-me uma glutona compulsiva. Cheguei a pesar mais de 70 quilos na adolescência.

Veja – Sua irmã gêmea, Leslie, também é bipolar?
Linda – Não posso fazer esse diagnóstico, mas há muitas evidências que indicam que ela também precisa de atenção. Leslie sofre com doenças crônicas do sistema imunológico. Talvez seja uma somatização do distúrbio.

Veja – A senhora fez terapia durante vinte anos. Por que parou?
Linda – Minha vida está estável, feliz, serena. Não sinto necessidade. Arrisco dizer que me conheço muito bem. Mas, para chegar até aqui, tentei terapias de todos os tipos. Algumas foram desastrosas, inclusive por falta de experiência e disposição minha. Fui a um terapeuta, logo depois que meu primeiro filho nasceu, por indicação de uma amiga. Após três sessões, abandonei o consultório. Não consegui entender uma palavra do que aquele homem queria me dizer. Hoje, olho para trás e entendo 100% do que ele tentava me fazer ver. Ele queria dizer que cada um cria a sua própria realidade.

Veja – Como é o seu relacionamento com os pais de seus dois filhos – o ator Bruce Abbott e o diretor James Cameron?
Linda – Hoje é maravilhoso. E não falo da boca para fora. A gente só se dá bem porque trabalha muito para conseguir isso. Quando se tem filhos, não se quer vê-los assustados, arruinados, destruídos pelo seu mau comportamento. Com as crianças, a gente descobre que alguém tem de ser o adulto e não é justo pedir a elas que assumam esse papel. Nesse sentido, ter filhos foi uma bênção na minha vida. Meus ex-maridos são grandes parceiros. Embora tenhamos uma história de mágoas e abandono, as coisas para funcionar precisam de uma atitude positiva. Um dia meu filho me perguntou: “Você se divorciou do meu pai?”. Ele não sabia o que tinha acontecido porque o pai dele nos deixou antes de ele nascer. Respondi que sim, e ele me disse: “Mas vocês não se divorciaram tanto assim!”. Decidi que, dali em diante, esse seria o meu código: divorciar-me, mas não levar a separação assim tão longe. Esse não é um jeito bom de viver?

Veja – A senhora atribui o fim dos seus casamentos ao seu comportamento imprevisível?
Linda – Há sempre duas pessoas envolvidas em um fracasso. Meu primeiro marido, Bruce, foi um parceiro maravilhoso, companheiro, gentil, mas acho que eu o assustei com minhas crises. Quanto a James, penso que nunca deveríamos ter ficado juntos. Ambos estávamos apaixonados por Sarah Connor, a personagem de O Exterminador do Futuro, série que ele dirigiu. E isso nada tinha a ver com o James Cameron e a Linda Hamilton de carne e osso. Devo reconhecer, porém, que meu distúrbio contribuiu para o fim do casamento. Lembro que uma vez James me disse: “Eu gosto da Linda que deixo pela manhã, mas nunca tenho certeza de quem eu vou encontrar em casa à noite”. Dependendo do que acontecesse durante o dia, se qualquer coisa me estressasse, eu fazia disso uma tempestade. Simplesmente não conseguia esquecer, perdoar ou me livrar do sentimento ruim. Deve ser exaustivo para uma pessoa conviver com alguém com alterações excessivas de humor. Nunca se sabe o que vem em seguida.

Veja – A senhora defende um programa de bem-estar para doentes mentais. Do que se trata?
Linda – É importante que as pessoas com doenças mentais não cuidem só da cabeça. Esses pacientes vivem, em média, de oito a vinte anos menos. É preciso encorajá-los a ter um estilo de vida mais saudável. Parte do programa de recuperação que defendo é desenhada para combater os efeitos colaterais dos remédios, com boa alimentação e exercícios físicos. Os medicamentos podem ser incrivelmente efetivos, mas também devastadores por causa dos efeitos colaterais.

Veja – A senhora se sente curada?
Linda – Eu gostaria que as pessoas com doenças mentais pudessem experimentar a vida que levo hoje. Acredito que o que conquistei não pode mais ser tirado de mim. É claro que tenho dias ruins, como todo mundo. Mas sei que mesmo os maus momentos podem ser bons, desde que se aprenda com eles. Minha infelicidade, no fim das contas, me fez uma pessoa bem melhor. O meu sucesso como atriz um dia será esquecido. Mas o sucesso que obtive como ser humano permanecerá para sempre comigo.

Fonte: Revista Veja

Compartilhe:
Receba as postagens por eMail

Receba as postagens por eMail

Insira o seu Email abaixo para receber as postagens, notícias e comunicados do Web Site do Dr. Leonardo Palmeira.

Sua inscrição foi realizada!!