Medicamentos para TDAH são usados como droga da produtividade: entenda os riscos.

RIO – Por trás da rotina exaustiva de estudos para concursos públicos há um segredo. Um zumzumzum que começou no mercado financeiro americano e não demorou a chegar ao Brasil. Uma droga estimulante chamada cloridrato de metilfenidato, mais conhecida como ritalina, usada para suprimir o cansaço, melhorar a performance, aumentar a produtividade.

O medicamento é recomendado para pessoas com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), e os especialistas são unânimes quanto ao resultado, melhora a vida de quem sofre com o problema. Na prática, apesar de ser um medicamento de tarja preta, vendido com receita amarela (a que fica retida na farmácia), a ritalina chega facilmente a quem não precisa. De julho de 2012 a julho de 2013 foram comercializadas no Brasil 2,75 trilhões de caixas com metilfenidato, o equivalente a R$ 54,2 trilhões, segundo a consultoria IMS Health do Brasil.

– As pessoas compram pela internet, no mercado negro das farmácias, em classificados. Mas esse não é um medicamento que pode ser usado por qualquer um – alerta o presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, Antônio Geraldo da Silva. – Há riscos de sobrecarga de rim, de coração, o corpo pode entrar em estresse, além da possibilidade de surgimento de transtornos psicóticos e de ansiedade.

Um dos alunos da professora de português Adriana Figueiredo, que dá aula em vários cursos preparatórios há mais de 15 anos, atribuiu o sucesso nas provas ao medicamento. Outra estudante conta que usava para conseguir estudar por até 13 horas para provas decisivas, assim como vários amigos.

– O efeito dura de quatro a cinco horas. São horas de estudo em que nada tira o foco, eu ficava às vezes sem beber água – revela. – Como sempre exemplifico, sem a ritalina eu demorava uns dois, três dias pra terminar uma apostila. Com (o medicamento), em metade de um dia eu conseguia finalizar e absorver a matéria.

Mesmo sem ter experimentado efeitos colaterais como taquicardia e boca seca, a estudante não tomava a droga para fazer a prova “pra nada dar errado” e nunca ultrapassou um comprimido por dia, durante seis meses, em dias alternados. E vai voltar a tomar.

– No fim do ano tenho novas provas, vou voltar a tomar assim que tiver uma rotina de estudos mais regrada.

Risco de dependência química

Para a professora Adriana, a prática é velada, mas comum:

– Todos tomam algum estimulante, a gente observa as lixeiras lotadas de energéticos. A concorrência hoje é maior, a pressão é maior. Mas acho que isso tem a ver com o fato de as pessoas não saberem estudar; diante de uma rotina de 10 horas se sentem despreparadas.

A professora observa algumas alterações no comportamento dos alunos entre a manhã e a noite, quando há jornada dupla.

– De manhã, uma aluna que eu sei que faz uso da substância tem uma empolgação até artificial, já à noite o humor muda, ela fica impaciente, faz perguntas agressivas.

Entre os efeitos colaterais do medicamento estão insônia, euforia, taquicardia, ressecamento de mucosa, hipertensão, angina de peito e dependência química. Mesmo assim, uma estudante que ainda não faz uso da ritalina, admite que a tentação é grande.

– Você começa a pensar que este é o único jeito de passar, porque, para quem trabalha, essas quatro horas do efeito do medicamento são as horas necessárias para estudar – desabafa.

O principal problema das chamadas “smart drugs”, segundo a psiquiatra Analice Gigliotti, diretora do Espaço Clif, é desenvolver dependência, o mesmo risco que existe com álcool e maconha, por exemplo. O uso continuado, dependendo da quantidade, pode levar à toxicidade cerebral.

– A cobrança hoje é tão grande que a gente se sente aquém. “Eu sou normal mas quero ser super” e isso é muito perverso numa sociedade que cobra produtividade – explica Analice.

Por aumentar a concentração de dopamina e noradrenalina nas sinapses nervosas, a ritalina aumenta o nível de alerta, uma sensação que dura entre uma e quatro horas, com pico de duas horas, diz o psiquiatra Alexandre Sarmento. Esse curto tempo de ação faz com que o “paciente” tome vários comprimidos ao dia, principal fator causador da dependência, segundo ele:

– Estudos científicos relataram que pessoas que usavam o metilfenidato tinham mais propensão ao vício de cocaína e álcool.

Nem só de estudantes vive o mercado de ritalina. Executivos na faixa de 30 a 40 anos também estão chegando aos consultórios com alterações no miocárdio decorrentes do uso da droga.

– É um megaestimulante. Os resultados aparecem nos exames clínicos: os 80 batimentos por minuto aparecem como 160, a pessoa tem taquicardia, que pode levar ao infarto. É uma moda irresponsável – condena Gilberto Ururahy, diretor médico da clínica de check-ups Med-Rio.

Pesquisa desmistifica efeitos do medicamento

Com toda a onda gerada pela ritalina, a pesquisadora do Departamento de Psicobiologia da Unifesp, Silmara Batistela, resolveu testar e fez um teste duplo cego (examinados e examinadores não sabem o que está sendo testado) com 36 jovens saudáveis, entre 18 e 30 anos. Eles foram divididos em quatro grupos: um tomou placebo, os outros três tomaram concentrações diferentes de metilfenidato (10mg, 20mg e 30mg) e, no pico do efeito, fizeram baterias de uma hora e meia de testes cognitivos. Para surpresa da pesquisadora, não houve diferença de performance entre os grupos.

– A única alteração foi observada no grupo que tomou 40mg, que relatou uma maior sensação de bem-estar no fim dos testes. Isso foi atribuído à falta de sensação de cansaço, o que faz sentido, porque a ritalina é um estimulante – explica a pesquisadora. – Algumas pessoas tomam e se sentem bem com a ritalina porque têm algum déficit e nem sabem, mas, fora isso, se você não toma um remédio para diabetes sem precisar, por que tomar um estimulante sem necessidade?

Essa pergunta não foi feita pelo carioca que costumava tomar o medicamento na noite, misturado com álcool. Horas acordado, coração a mil, uma resistência à bebida fora do comum. Como ele define, “só onda boa, nunca passa mal, parece que você é o super-homem”. A parte ruim vem depois.

– Cansei de deitar na cama e o coração bombando, batendo sem parar. Quando o efeito passa é a pior rebordosa do mundo, eu dormia sábado às 11h e acordava 23h, mal, deprimido, pior que cocaína. Parecia que eu tinha sido atropelado. Se não tivesse esse problema eu estaria tomando até hoje.

Ação no cérebro

O metilfenidato bloqueia a recaptação de catecolaminas (dopaminas, noradrenalinas e adrenalinas) e aumenta o nível de produção de neurotransmissores, fundamentais para a memória, a atenção e a regulação de humor. A longo prazo, de acordo com a pesquisadora Silmara Batistela, do Departamento de Psicobiologia da Unifesp, o cérebro pode entender que não precisa produzir a quantidade de neurotransmissores que produziria sem esse apoio externo. E aí, o sistema, que funcionava bem, fica desregulado. Pode acontecer de a pessoa precisar do medicamento sempre para funcionar.

Duração

O efeito dura de uma a quatro horas, com pico de duas horas.

Efeitos colaterais

Dependência química, taquicardia, hipertensão, angina de peito, ressecamento de mucosas, insônia, euforia, diminuição da sensação de cansaço.

Fonte: O Globo

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