Especial Maconha e Psicose: Os efeitos agudos da maconha no cérebro.

Parte 3 – Os efeitos agudos da maconha no cérebro.

Nos artigos anteriores apresentamos a epidemiologia do uso da maconha e o papel do sistema endocanabinoide no comportamento humano, ressaltando alguns prejuízos que o uso da maconha, particularmente o THC, traz para o sistema e para o comportamento humano.

Hoje vamos nos aprofundar nos sintomas agudos da maconha nas pessoas que a utilizam.

Muito dos efeitos que conhecemos hoje tem respaldo em estudos de laboratório, realizados com maconha inalada ou injetável, particularmente o THC, composto da maconha com mais efeito psicoativo.

A maconha, quando ingerida, possui lenta absorção e grande metabolismo hepático, sofrendo uma baixa taxa de biodisponibilidade, em torno de 10%. Já a forma inalada através do fumo entrega ao sangue cerca de 30% e, se inalada com vaporizadores, cerca de 55%. Se o THC for injetado na veia, a concentração pode ser 50% maior do que a inalada. Uma característica do THC é que ele se deposita na gordura do corpo, sendo depois redistribuído na corrente sanguínea e causando efeitos a longo prazo.

Os efeitos agudos do THC, portanto, dependem da via de administração, da quantidade de uso e da frequência. Pessoas que usam a maconha de maneira frequente tem efeitos agudos mais reduzidos.

Estudos com THC em humanos (mais comum no passado, devido à permissão na legislação e em comitês de ética) mostraram que os sintomas provocados pela droga são semelhantes à esquizofrenia, mesmo em algumas pessoas que não possuem a doença. Foram descritos paranoia, desorganização do pensamento, alucinações ou ilusões, grandiosidade, afeto embotado ou euforia, falta de espontaneidade, isolamento social e lentificação motora. Ocorreram também sintomas dissociativos, como alteração da percepção do tempo, despersonalização e desrealização e sintomas cognitivos, como desatenção, problemas de memória, de função executiva e planejamento, redução do reforço positivo, gerando distúrbio do aprendizado por recompensa.

Um estudo em 2005 com pacientes com esquizofrenia que utilizaram a maconha verificou que ela piorou os sintomas da doença, gerando mais sintomas positivos e negativos, sem entretanto trazer sintomas novos, mas também sem provocar qualquer alívio de sintomas da doença, pondo por terra a teoria de que o paciente com esquizofrenia se automedica com a maconha para aliviar os sintomas da esquizofrenia. O paciente também se mostrou mais vulnerável aos efeitos da maconha, com mais déficits cognitivos do que pessoas sem a doença.

Existem canabinóides sintéticos, produzidos em laboratório e que são muito mais potentes do que o THC. O mais conhecido é uma droga apelidada de Spice. Ela também é conhecida como a droga do zumbi, pelo seu potencial letal de intoxicação. Ela causa alucinações visuais e auditivas, delírios, comportamento e fala bizarros, ideias de suicídio, comportamento suicida, agressividade, podendo terminar em delirium hiperativo por varios dias, IAM, AVE, lesão renal e morte.

Existem quatro tipos de psicose causada pela maconha.

– Delirium causado pela maconha, levando a um quadro agudo de confusão mental que pode durar de horas a dias depois do consumo de grandes quantidades da droga. Geralmente é autolimitado e melhora espontaneamente com a suspensão da maconha.

– Psicose tóxica pela maconha: sintomas psicóticos que ocorrem após o uso e que podem durar até 6 semanas, também melhorando com a interrupção do uso.

– Psicose funcional não-esquizofrênica induzida pela maconha: psicose duradoura que persiste mesmo após o uso da maconha, mas que guarda íntima relação com a droga e não possui todos os sintomas da esquizofrenia.

– Esquizofrenia seguida do uso da maconha: sintomas da esquizofrenia que iniciam após exposição à droga e que seguem um curso independente após o desencadeamento.

Alguns autores tentaram diferenciar a psicose causada pela maconha da esquizofrenia. Embora essa diferenciação clínica não seja precisa e nem sempre corresponda à prática, é uma maneira de levantar a suspeita entre um tipo ou outro de psicose. Veja a tabela:

Caton et al, 2005
Baldacchino et al. 2012
Início mais tardio
Maior probabilidade de estar num relacionamento
Maior comorbidade com Transtorno de Personalidade Antisocial
Situação de rua mais frequente
Pior suporte familiar
Maior probabilidade de ter um familiar com DQ
Menor intensidade de:
Sintomas negativos (embotamento afetivo, alogia, apatia)
Alterações formais do pensamento
Alucinações auditivas
Forma mais severa de Transtorno por uso de substâncias
Longos períodos de abuso
Múltiplas drogas
Maior dependência de substâncias
Alucinações visuais
Maior intensidade de:
Hostilidade e agitação
Alucinações auditivas não-verbais
Alterações da percepção
Delírios de controle, grandeza e religiosidade

No próximo artigo vamos abordar a conversão da psicose causada pela maconha para a esquizofrenia. Até o próximo artigo!

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