Estimulação magnética transcraniana: estudo brasileiro mostra eficácia semelhante entre métodos.

A Estimulação Magnética Transcraniana repetitiva é um método seguro e eficaz no tratamento de diferentes transtornos psiquiátricos. É uma forma complementar à medicação de estimular o cérebro a responder melhor aos tratamentos, não invasiva e indolor. Este estudo mostra que não existe uma diferença ainda clara entre os diferentes métodos de estimulação, porém os casos pesquisados são muito heterogêneos clinicamente, fazendo-se necessários novos estudos, preferencialmente randomizados e controlados. É um campo em ascensão na psiquiatria e neurologia, cujo acesso ainda precisa ser ampliado (leia mais sobre EMTr).

Diversos estudos já apontaram a estimulação magnética transcraniana repetitiva (EMTr) como uma opção viável de tratamento não medicamentoso para depressão, mas pouco se sabe sobre a eficácia comparativa e a tolerabilidade das diversas modalidades de EMTr utilizadas hoje na psiquiatria.

Agora, uma revisão sistemática e meta-análise em rede conduzida por um grupo de pesquisadores brasileiros reuniu 81 estudos clínicos randomizados comparando a eficácia e a tolerabilidade de diferentes modalidades de EMTr no tratamento agudo de episódios de depressão maior, e mostrou que não há um método significativamente mais eficaz, mas apenas uma discreta superioridade da EMTr bilateral e da EMTr de baixa-frequência precedida por priming – uma estimulação de baixa-frequência precedida por um breve período de estimulação em alta-frequência.

O estudo, que teve como autor principal o psiquiatra Andre Brunoni, do Laboratório de Neurociências da Universidade de São Paulo (USP), foi publicado on-line no final de dezembro no periódico JAMA Psychiatry.

Os efeitos da estimulação magnética transcraniana repetitiva vêm sendo estudados em diversas doenças e condições como Parkinson, dor, autismo, dependência química, compulsão alimentar e até mesmo na reabilitação após acidente vascular encefálico. Mas é nos casos de depressão maior resistente a medicamentos que os resultados vêm se mostrando mais robustos.

A EMTr é usada para induzir mudanças na atividade cerebral por meio de indução eletromagnética aplicada em diferentes frequências e de forma não invasiva. Embora o mecanismo exato de ação da EMTr na depressão ainda seja objeto de estudo, a hipótese mais aceita é de que técnica ajudaria a restabelecer a atividade normal do córtex pré-fontal dorsolateral – que se altera durante a depressão.

O estudo

Com o objetivo de obter uma hierarquia de tratamento que fosse clinicamente significativa, Brunoni e colaboradores decidiram comparar diferentes tipos de estimulação magnética transcraniana utilizando a revisão sistemática e a meta-análise em rede para sintetizar os dados dos estudos analisados.

“Enquanto a meta-análise tradicional permite a comparação de uma intervenção versus outra, ou mesmo uma intervenção versus placebo, a meta-análise de rede permite que várias intervenções sejam comparadas simultaneamente, o que garante mais força ao estudo”, disse o Dr. Brunoni em entrevista ao Medscape.

Os 81 estudos clínicos randomizados que fizeram parte da análise foram reunidos a partir de buscas nas bases PubMed/MEDLINE, EMBASE, PsycInfo e Web of Science. Foram incluídos apenas estudos que envolveram pacientes com diagnóstico primário de episódio depressivo agudo unipolar ou bipolar, e que compararam ao menos dois tipos de estimulação magnética transcraniana repetitiva. A maioria dos estudos recrutou apenas pacientes com depressão resistente a medicamentos (74,1%), realizou de 10 a 15 sessões de EMTr (69,1%) e usou a técnica como uma terapia complementar (69,1%), em geral com conjunto com o uso de antidepressivos. A maioria dos pacientes era do sexo feminino (59,1%) com uma idade média de 46 anos.

Como desfecho primário Dr. Brunoni e colegas estabeleceram as taxas de resposta –definidas como melhora de 50% ou mais em relação ao início do estudo. As taxas de remissão foram o desfecho secundário, definido como um escore de 7 ou menos na Hamilton Depression Rating Scale (HDSR)-17, de 8 ou menos na HDSR-21, ou de 10 ou menos na Montgomery-Asberg Depression Rating Scale.

Resultados

A meta-análise em rede mostrou que as intervenções mais efetivas do que o placebo foram priming de baixa-frequência (odds ratio, OR, de 4,66; IC de 95%, 1,70 – 12,77), bilateral (OR de 3,96; IC de 95%, 2,37 – 6,60), alta-frequência (OR de 3,07; IC de 95%, 2,24 – 4,21), estimulação θ-burst (OR de 2,54; IC de 95%, 1,07 – 6,05), e baixa-frequência (OR de 2,37; IC de 95%, 1,52 – 3,68). Modalidades mais recentes de EMTr (acelerada, sincronizada e profunda) não foram mais efetivas do que placebo. Com exceção da estimulação θ-burst versus placebo, resultados similares foram obtidos para remissão.

A hierarquização relativa estimada para os tratamentos sugeriu que as modalidades bilateral e de baixa-frequência precedida por priming possam ser as intervenções mais eficazes e aceitáveis entre todas as estratégias de EMTr, observam os autores, acrescentando que os resultados de muitos dos estudos analisados eram imprecisos e que haviam relativamente poucos abordando intervenções distintas de baixa-frequência, alta-frequência e bilateral.

O achados, apontou o Dr. Brunoni, vão ao encontro de resultados que já vêm sendo vistos na literatura, e podem influenciar a prática clínica atual apontando, a partir de características específicas de cada modalidade, qual delas se adapta melhor às necessidades e preferências individuais de cada paciente.

“Um bom exemplo é o caso da estimulação θ-burst: uma sessão dela demora cerca de seis minutos, em vez dos 30 minutos necessários para as estimulações de alta e vaixa frequência tradicionais”, explicou o pesquisador ao Medscape.

“Grande heterogeneidade”

Convidado pelo Medscape a comentar o estudo, o psiquiatra brasileiro Dr. Marcelo Berlim, professor associado do Departamento de Psiquiatria da McGill University, em Québec (Canadá), disse que o trabalho “ressaltou a grande heterogeneidade entre os estudos clínicos incluídos na análise”.

“A meta-análise de rede é mais uma forma de análise dos dados. Em termos de desfecho clínico, não há nada que já não tenha sido demonstrado: todos são melhores do que placebo e nenhum deles é significativamente melhor do que os outros. O que precisamos agora e de pesquisas comparando as mesmas coisas, para ver o que se confirma como melhor”, disse o Dr. Berlim, que é diretor da Clínica de Pesquisa em Neuromodulação do Douglas Institute, em Québec, onde também pesquisa a EMTr na depressão maior.

Baixo acesso

Partindo de uma premissa de medicina baseada em evidências, o tratamento não medicamentoso da depressão hoje no Brasil e no mundo é limitado a basicamente terapia cognitivo-comportamental, eletroconvulsoterapia e estimulação magnética transcraniana. No Brasil a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já aprovou o uso de EMTr superficial e profunda para o tratamento da depressão, mas a disponibilidade apenas na rede privada e o alto preço das sessões (são feitas pelo menos 10) limitam o acesso.

“Os aparelhos são importados, a legislação brasileira exige que um médico opere essas máquinas e isso tudo faz com que o custo médio por sessão seja por volta de R$ 400. Isso faz com que menos de 1% das pessoas que poderiam se beneficiar desse tratamento não farmacológico de fato tenham acesso a ele”, disse o Dr. Brunoni.

Fonte: Medscape

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