Especial Maconha e Psicose: Quando a psicose pela maconha vira esquizofrenia?

Parte 4 – Quando a psicose pela maconha vira esquizofrenia?

No artigo do mês passado descrevemos os efeitos agudos da maconha no cérebro e vimos que eles se assemelham muito com a esquizofrenia, pelo fato da intoxicação pela maconha poder causar psicose. Entretanto, vimos que existem formas breves e outras mais duradouras, mas que nem sempre a psicose causada pela droga desemboca numa esquizofrenia. Hoje vamos conhecer melhor os estudos que se dedicam a conversão da psicose induzida pela maconha em esquizofrenia.

Algumas metanálises, estudos que fazem uma avaliação estatística do resultado de vários outros estudos sobre o tema, mostraram que o risco para esquizofrenia entre pessoas que utilizam maconha é de 2 a 5 vezes superior à população geral. É um aumento muito expressivo!

Esse risco parece aumentar com o tempo de uso e a frequência/quantidade. A persistência de sintomas psicóticos com o uso da droga deve servir de sinal de alerta, antes que seja tarde, pois ele é um indicativo de um transtorno psicótico mais duradouro à frente.

Cada ano adicional em que um paciente faz uso semanal da maconha aumenta em 133% o risco de paranoia e em 92% o risco de alucinações e esses sintomas podem persistir, mesmo após um ano cessado o uso da droga.

Existe um efeito sinergístico entre abuso sexual ou físico na infância e risco de psicose com a maconha. O risco de psicose nessa população, quando ela usa a maconha, é de 6 a 30 vezes maior do que na população geral, devendo servir de alerta para pessoas que usam maconha e tiveram experiências traumáticas como essas.

Em relação à idade de início de uso da maconha, os estudos apontam no sentido de quanto mais cedo o uso, maior o risco de esquizofrenia, e esse fator parece ser mais importante do que a quantidade de uso, embora a quantidade também seja importante para a ocorrência dos sintomas psicóticos. Geralmente a esquizofrenia ocorre em média 6 a 7 anos depois da primeira exposição à maconha.

Quando se pesquisa o uso da maconha entre os pacientes com sintomas prodrômicos da esquizofrenia (conhecidos como pacientes de ultra-alto risco para psicose – UHR), observa-se que há uma alta prevalência do uso da droga. Até 70% desses pacientes utilizaram a maconha ao longo da vida e até 50% faz uso atual frequente da droga, mostrando como o uso de maconha se confunde com a história de psicose e da esquizofrenia.

Não se sabe ao certo porque uma pessoa exposta à maconha desenvolve a esquizofrenia e outra não. Parece que as razões são múltiplas.

Existem alguns polimorfismos de genes (pequenas mutações) que tornam a pessoa mais sensível ao THC e, portanto, mais suscetível à psicose do que outras pessoas que não possuem as mesmas mutações. O exemplo mais conhecido é o do gene da COMT, uma enzima que metaboliza a dopamina. Alguns polimorfismos, como do gene AKT1, deixam a pessoa mais suscetível à psicose pelo THC e também mais vulnerável a desenvolver dependência da droga e traços de personalidade esquizotípica (um transtorno de personalidade que compartilha alguns sintomas com a esquizofrenia).

A grande questão é que não tem como saber quem é ou não vulnerável à maconha antes que essa pessoa comece a apresentar psicose, o que pode ser tarde demais! Existem provavelmente outros genes envolvidos nesse processo e ainda não se pode mapeá-los através de testes genéticos. Portanto, o uso de maconha ainda é um “tiro” no escuro, que você não sabe onde e como irá afetar o paciente.

Para se ter uma ideia de como a relação entre maconha e esquizofrenia é especial e complexa, enquanto que somente 30% das psicoses induzidas por anfetaminas (drogas que reconhecidamente aumentam a dopamina no cérebro) viram esquizofrenia, quase a metade das psicoses por maconha (droga cujo uso crônico reduz a quantidade de dopamina) se converte em esquizofrenia. Esse é um contra-senso, uma vez que o excesso de dopamina é o responsável pelos sintomas psicóticos!

Uma das explicações para isso pode estar no sistema glutamatérgico. Como o THC reduz o glutamato no hipocampo e provoca a perda da capacidade modulatória e de ajuste fino do cérebro frente ao estresse, essa poderia ser uma das razões para o risco maior de psicose nessa população.

A hipótese glutamatérgica pode ser uma das explicações porque a maconha está mais relacionada à psicose do que outras drogas, como opióides, anfetaminas, LSD, álcool, cocaína, dentre outras. A ketamina e a fenciclidina (PCP) são drogas que bloqueiam os receptores de glutamato e imitam os sintomas da esquizofrenia, tanto positivos como negativos.

Isso também abre frentes de pesquisa para novos tratamentos, uma vez que medicamentos que atuem em glutamato poderão ser úteis para a esquizofrenia e para psicoses induzidas pela maconha.

No próximo e último artigo da série você vai conhecer os tratamentos disponíveis para a psicose induzida pela maconha. Não perca!

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