Guia do paciente


1. Por que devo me tratar com um psiquiatra?

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A psiquiatria é a especialidade médica que estuda e trata as doenças que acometem os sentimentos, as emoções, o comportamento e a personalidade da pessoa. O psiquiatra detém o conhecimento e a experiência para tratar dos transtornos mentais. Ele estudou psicopatologia (ciência que estuda os fenômenos psíquicos) e adquiriu em sua formação as ferramentas necessárias para um bom exame psíquico, essencial na formulação das hipóteses diagnósticas.

Como um bom cardiologista, que depende de um ouvido apurado para reconhecer os sons do coração, o psiquiatra possui o ouvido e o olhar treinados para perceber os sentidos do comportamento e do pensamento humano. Pelo exame é possível observar como pensamentos, emoções, percepções, comportamento, consciência e vontade se integram e como se relacionam com o ambiente do indivíduo. É como numa orquestra sinfônica ser capaz de distinguir e analisar cada instrumento para compreender o todo.

Valendo-se de sua observação e experiência clínica com outros pacientes, o psiquiatra utiliza essas ferramentas para formular suas hipóteses diagnósticas e propor um tratamento, que pode envolver da psicoterapia à necessidade de medicamentos.

Por sua formação médica o psiquiatra é capaz de diferenciar quadros mentais orgânicos, decorrentes de outras doenças médicas, de quadros psiquiátricos puros. Ele pode se aprofundar no estudo das neurociências e adquirir conhecimento sobre a cognição, que tem estreita relação com os transtornos psiquiátricos e neuropsiquiátricos. Esta é mais uma ferramenta que auxilia no diagnóstico e no tratamento.

As habilidades do psiquiatra são fundamentais também no decorrer do tratamento. Ele precisa ter sensibilidade para perceber as mudanças, ainda que sutis, do psiquismo quando ele prescreve um medicamento. Estas mudanças não só revelam o efeito do tratamento em si, como também são preciosas para a compreensão diagnóstica e da problemática psicossocial do paciente.

Por isso o diagnóstico psiquiátrico e o tratamento requerem tempo, dedicação e muita disponibilidade para atender o paciente e a família. Os detalhes da história da pessoa e da família, a observação psicodinâmica e psicossocial e o estabelecimento de uma boa relação médico-paciente são essenciais para este percurso.

A psiquiatria é uma das especialidades médicas que mais avançou nas últimas décadas. Junto com a oncologia é a especialidade que mais evoluiu do ponto de vista farmacológico. Mais de 80% dos medicamentos utilizados atualmente na psiquiatria foram desenvolvidos nos últimos 25 anos, o que para a medicina é considerado pouco tempo e uma grande evolução. Com os avanços no campo das neurociências, evolui com rapidez a compreensão sobre a biologia dos transtornos mentais. Isto exige do psiquiatra uma atualização constante e muita dedicação.

Da mesma forma que ninguém discute procurar um cardiologista diante de um sintoma cardiovascular ou um gastroenterologista diante de uma doença do aparelho digestivo, não se deveria titubear na hora de procurar um psiquiatra para tratar de algum sintoma emocional ou do comportamento. Porém, em decorrência do estigma na sociedade, muitos pacientes demoram décadas para chegar ao psiquiatra, muitas vezes sofrendo com as complicações de sua doença, justamente por não ter vencido a barreira inicial do preconceito.

2. O que posso esperar da primeira consulta com o psiquiatra?

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Muitos pacientes sentem-se inseguros numa primeira consulta, não sabem exatamente o que falar, se devem entrar acompanhados ou sozinhos no consultório, etc. É comum também o receio sobre os medicamentos que podem ser prescritos e a esperança de que eles não serão necessários no seu caso.

Uma consulta psiquiátrica não é muito diferente de uma consulta clínica. Você deve entrar no consultório à vontade, agir naturalmente, sem se preocupar como deve ou não se portar. Procure ser verdadeiro, falar de suas angústias e preocupações, das dificuldades que o ambiente lhe impõe. Lembre-se que o maior beneficiário do tratamento será você e que minimizar ou esconder seu problema dificultará mais o trabalho do médico e pode comprometer a eficácia do seu tratamento. Procure se livrar dos preconceitos, tabús ou ficar preocupado com o que o psiquiatra vai pensar a seu respeito. Ele está habituado a escutar sobre a vida das pessoas e o que você tem a dizer provavelmente não será nada muito longe do que ele já está acostumado a ouvir. Ele não está ali para lhe julgar, mas para lhe ajudar a superar suas dificuldades.

Se preferir entrar só no consultório, peça para que seu acompanhante aguarde na sala de espera. Ele poderá entrar ao final da consulta se este for o seu desejo ou se o psiquiatra achar necessário. Tudo será conversado com você antes e seu sigilo será respeitado.

O médico vai perguntar seus dados pessoais e vai deixá-lo falar livremente sobre sua vida e sobre suas preocupações. Ele pode interrompê-lo em alguns momentos para esclarecer alguns sintomas. A psiquiatria é uma especialidade de detalhes, justamente por lidar com a subjetividade. Não basta saber que a pessoa está triste, p.ex., é necessário pesquisar como é esta tristeza, em que período do dia ela ocorre, que tipo de pensamento se associa a ela, se afeta o apetite e o sono, em que contexto de vida ela surgiu, etc. Por isso uma boa consulta psiquiátrica não deve demorar menos do que uma hora. Somente com uma boa anamnese e um bom exame psíquico o psiquiatra será capaz de formular sua hipótese diagnóstica e de prescrever um medicamento se for o caso.

A investigação diagnóstica pode requerer novas consultas, exames complementares para maior esclarecimento e conversas com outras pessoas da família ou do ambiente do paciente (professores, supervisores, amigos, etc). Claro que todos esses passos serão discutidos com o paciente, sempre zelando pela transparência, ética e respeito.

A maioria dos pacientes chega muito reticente quanto ao tratamento. Na maioria dos casos, adiou-se ao máximo esta visita. Contribuem para isso alguns medos comuns: da dependência dos remédios; deles serem fortes demais e de deixarem a pessoa dopada, a ponto dela não poder seguir com suas atividades e seus hábitos; o que as pessoas vão pensar a seu respeito se souberem ou descobrirem que faz uso de remédios psiquiátricos; psiquiatra é só para loucos, etc.

Na realidade a situação é bem mais tranqüila do que as fantasias que as pessoas nutrem sobre a psiquiatria e que têm origem também na forma preconceituosa como são tratadas a especialidade e as pessoas que dela necessitam.

3. Os remédios podem causar dependência?

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Os medicamentos utilizados na psiquiatria moderna diferem muito no seu potencial de provocar dependência. Na realidade todos os medicamentos se utilizados com prescrição e acompanhamento médico têm um baixo potencial de causar dependência. Isto porque a maioria das pessoas que se torna dependente deles os utilizou por conta própria, aumentando a dosagem sem o conhecimento do médico e usa a medicação de forma contínua por muito tempo (anos).

Os remédios de traja preta, conhecidos como calmantes ou tranqüilizantes (vendidos com a receita azul tipo B), e os psicoestimulantes, como da classe das anfetaminas (vendidos com a receita amarela tipo A) são os que podem causar dependência a longo prazo. Em geral o uso por menos de 6 meses dessas substâncias ou o uso esporádico (p.ex. dias alternados ou como SOS) previne a dependência.

Mesmo que seja necessário usá-los por muito tempo, o controle das dosagens pelo médico e a programação do desmame quando for indicada a interrupção do tratamento evitam que o paciente tenha sintomas de abstinência.

Entretanto, a maioria dos medicamentos psiquiátricos hoje em dia não causa qualquer dependência. Eles são vendidos com receita controlada branca (o que faz muitos confundirem com o risco de dependência). O governo brasileiro estipulou que esses medicamentos teriam sua venda controlada por serem substâncias que agem no SNC e que podem atuar sobre o comportamento das pessoas, não sendo recomendada a automedicação (aliás, isto deveria valer para todos os tipos de medicamentos).

Em 2010 o governo agiu da mesma forma com os antibióticos, passando a exigir a receita controlada branca (a mesma utilizada para a venda de medicamentos psiquiátricos) para controlar o uso indiscriminado deles.

Com o avanço da psiquiatria substâncias novas foram desenvolvidas e criaram-se várias alternativas aos medicamentos que no passado traziam muitos efeitos colaterais ou que causavam dependência. Os medicamentos se tornaram mais “puros”, o que significa que agem melhor no seu objetivo sem efeitos indesejáveis em outros sistemas do corpo.

Hoje é possível prescrever um tratamento na medida da necessidade de cada paciente, do quanto ele precisa do efeito sedativo de um medicamento para melhorar o sono, p.ex., do quanto necessita do efeito ansiolítico para aliviar a ansiedade, se precisa de um medicamento capaz de organizar melhor seus pensamentos, melhorar sua concentração e assim por diante.

4. Para que servem os medicamentos psiquiátricos?

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Os medicamentos psiquiátricos são divididos em classes de acordo com suas propriedades farmacológicas (mecanismo de ação e indicação terapêutica), porém esta divisão é muitas vezes imprecisa e causa para o leigo muita confusão.

A classe dos antidepressivos é um bom exemplo. Ela reúne dezenas de substâncias que têm indicação na depressão, porém com diferentes mecanismos de ação e efeitos colaterais. Esses medicamentos também possuem outras indicações que nada tem a ver com a depressão e se diferenciam entre si quanto às indicações em outras doenças, como ansiedade generalizada, fobia social, TOC, pânico e até mesmo ejaculação precoce e dor crônica. Indicações tão diferentes podem estar presentes em um mesmo medicamento, mas nem sempre constam das bulas dos produtos.

O mesmo ocorre com a classe dos estabilizadores de humor e dos antipsicóticos. Classicamente indicados para o tratamento do transtorno bipolar e da esquizofrenia respectivamente, hoje eles têm eficácia comprovada em outras doenças, como depressão, transtornos de personalidade, transtornos compulsivos, transtornos de conduta, dependência química, etc.

Como é possível perceber, as medicações psiquiátricas não são em sua maioria específicas para um determinado transtorno mental. O psiquiatra utiliza o efeito delas em sintomas ou síndromes psiquiátricas presentes no paciente independentemente do diagnóstico principal. Isto visa trazer um alívio mais rápido dos sintomas, melhorar a resposta global do paciente ao tratamento e facilitar sua recuperação.

Uma comparação que ajuda a compreender esta questão é com os medicamentos anti-hipertensivos. Alguns agem na freqüência cardíaca (como os beta-bloqueadores, p.ex.), outros na tensão da parede da artéria (bloqueadores de canais de cálcio) e outros estimulam a diurese (diuréticos). Todos eles podem ser utilizados para o tratamento da hipertensão e são considerados anti-hipertensivos. Porém existem outras indicações que nada tem a ver com a hipertensão, como os beta-bloqueadores que podem ser utilizados no tratamento das arritmias e da enxaqueca e os diuréticos que tratam inchaços nas pernas, edema de pulmão e doenças renais.

5. Quais cuidados devo ter ao ler a bula dos medicamentos psiquiátricos?

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As bulas dos medicamentos psiquiátricos causam mais susto em alguém que já está previamente preocupado com o efeito deste tipo de medicamento, portanto, deve-se ter muito cuidado ao ler a bula destas substâncias. O ideal é que, ao ler a bula, você possa tirar todas as suas dúvidas com seu psiquiatra antes de tomar o medicamento e ficar sugestionado com os possíveis efeitos colaterais que ele poderia ou não causar.

Na bula do remédio constam todos os efeitos colaterais que ocorreram com o uso da substância em todas as fases de pesquisa até a sua comercialização. Alguns desses efeitos são raros e pouco significativos na prática clínica, ou seja, a parcela de pacientes que os apresenta é tão insignificante que o próprio psiquiatra não se preocupa com ele ou deixa de prescrever a medicação por este motivo. É importante, portanto, procurar saber a opinião do psiquiatra a este respeito, pois é ele que detém a experiência prática com a substância.

Quando prescrevemos um medicamento em dose baixa, p.ex., e vamos aumentando-o lentamente, é uma forma de testarmos a tolerância individual da pessoa e amenizar possíveis efeitos colaterais, já que para a maioria deles o organismo cria tolerância com o tempo. Um bom exemplo é o efeito sedativo, que depende da dosagem do medicamento: é um efeito individual (alguns pacientes são mais sensíveis do que outros) e o organismo vai se tornando tolerante a ele com o tempo (o paciente precisa aumentar a dosagem para ter o mesmo efeito sedativo inicial).

O mesmo ocorre com náuseas e diminuição do apetite. São efeitos adversos que ocorrem em geral na primeira semana de tratamento, cada um tem uma sensibilidade a esses efeitos, e depois simplesmente desaparecem, ou seja, o organismo logo se acostuma com o medicamento e não mais reage desta forma.

Motivos de maior preocupação dos pacientes são alertas que constam em alguns medicamentos, como sobre o risco de suicídio e risco de reações mais graves (p.ex. reações de pele, efeitos no sangue, morte súbita, convulsões, etc). Em primeiro lugar, se estes medicamentos estão sendo comercializados são porque foram liberados pelos órgãos regulatórios de seus países, ou seja, porque os efeitos benéficos superam amplamente os riscos. Nenhum órgão sério liberaria um medicamento cujo risco de morte súbita, p.ex., fosse alto ou que causasse males graves à saúde de sua população.

Alguns exemplos recentes podem ser citados. O rimonabant foi uma substância desenvolvida para o tratamento da obesidade e teve sua comercialização suspensa no mundo inteiro após ter ficado constatado que ele aumentava o risco de depressão e suicídio.

A clozapina, um antipsicótico desenvolvido na década de 70 e que causou agranulocitose (diminuição dos glóbulos brancos, as células de defesa) em alguns pacientes chegou a ser suspenso do mercado mundial por 20 anos. Depois que as pesquisas comprovaram que este efeito colateral era raríssimo (menos do que um caso para cada cem em tratamento) e que os benefícios da medicação eram altos (até hoje é o único antipsicótico que trata a esquizofrenia refratária, aquela que não responde aos demais antipsicóticos), ela voltou a ser liberada pelos órgãos regulatórios de diversos países.

Em segundo lugar, estes riscos precisam ser relativizados de acordo com cada paciente. O risco de agranulocitose pela clozapina, p.ex., parece ser maior em pacientes caucasianos puros, sendo mais comum em países nórdicos do que no resto do mundo. O temor quanto ao risco de suicídio induzido pelo medicamento em um paciente que não possui idéias de suicídio é bem menor do que em alguém que já tenha tentado ou que apresenta idéias suicidas no momento. Os alertas servem para que o médico, o paciente e a família estejam cientes do risco e observem melhor os efeitos do medicamento sobre o comportamento e o organismo.

Uma evidência de que essas preocupações são maiores quando se trata de medicamento psiquiátrico, pela predisposição (preconceito)das pessoas a achar de antemão que são substâncias perigosas, é o fato de que poucos se preocupam com os efeitos colaterais da dipirona (Novalgina) ou do paracetamol (Tylenol). O primeiro pode causar aplasia de medula (falência da medula óssea) e o segundo insuficiência hepática fulminante. Nem por isso deixam de ser usados e nem devem ser, pois são complicações raras diante dos benefícios clínicos.

6. Os medicamentos psiquiátricos são fortes?

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Este conceito de forte ou fraco é um conceito leigo, não existem medicamentos classificados como fortes ou fracos em farmacologia. Existem medicamentos que são mais bem tolerados, tem poucos efeitos colaterais e outros cuja tolerabilidade é mais difícil. Já comentei também que esta tolerância é individual e que o início em doses mais baixas (quando possível) pode atenuar este problema.

Todavia, existem tratamentos que são mais indicados para cada caso. De nada adianta utilizar medicamentos em doses baixas (sub-terapêuticas) ou escolher um medicamento por ser mais bem tolerado em detrimento daquele que seria o mais indicado.

Um paciente diabético, p.ex., que tenha indicação de usar insulina, de nada adianta ser tratado com hipoglicemiantes orais se este não for o tratamento mais adequado. Ele corre o risco de complicações da diabetes se não fizer uso da insulina, por mais difícil que seja sua adaptação se comparada aos hipoglicemiantes.

Na psiquiatria a situação é análoga. Uma pessoa deprimida ou ansiosa, se não tratada de acordo, terá também complicações de sua doença. E em psiquiatria, da mesma forma que na medicina em geral, o tratamento correto logo no início é de fundamental importância para o prognóstico e para a recuperação.

Quadros ansiosos podem se complicar com fobias, quadros depressivos com suicídio, psicoses com o distanciamento progressivo da realidade e todos eles com a perda da autonomia (trabalho, estudo, relacionamentos) e da qualidade de vida, se não forem tratados com o devido rigor.

Neste contexto, a escolha de um medicamento eficaz logo no início e o acompanhamento da resposta do paciente nas primeiras semanas de tratamento é de crucial importância, sendo o momento em que a ação do psiquiatra pode fazer a maior diferença.

A psiquiatria é a única especialidade médica em que o paciente muitas vezes chega ao consultório com o seu diagnóstico e com o tratamento que deseja seguir: “Doutor, estou com depressão e quero um antidepressivo!”. A mídia, a leitura de artigos nas revistas e na internet influenciam o paciente a ponto dele formar uma convicção a respeito de sua doença antes mesmo de uma avaliação com o especialista. Na maioria das vezes ele encontra respaldo de outras especialidades médicas, que reforçam este entendimento.

O psiquiatra muitas vezes precisa desconstruir este raciocínio para convencer o paciente de que o melhor seria utilizar outro medicamento que não aquele que chegou pensando em usar. Esta resistência inicial pode ser um obstáculo que mais adiante impacte negativamente em sua recuperação.

Um outro aspecto é que se criou a cultura de que remédios psiquiátricos curam qualquer coisa. Isto é um mito perigoso. Hoje em dia chorar muito no consultório do médico (principalmente nas outras especialidades) é suficiente para sair com uma receita de um antidepressivo. O que o paciente e muitos médicos não sabem é que medicamentos psiquiátricos mal indicados podem ser iatrogênicos, podem modificar o humor, o comportamento e a personalidade das pessoas e trazer dificuldades adicionais para a vida da pessoa. Já se a medicação for bem indicada, ocorre justamente o contrário. Mais um argumento a favor do tratamento de transtornos mentais com psiquiatra, o especialista em melhores condições de formação e experiência para isso.

A medicação é realmente muito importante, mas se ela for um meio do paciente melhorar dos sintomas a ponto de modificar seus hábitos, posturas, atitudes, relacionamentos, projetos perante a sua vida, melhorando-a gradativamente. Tomar o medicamento e esperar que a solução para todos os seus problemas caia do céu é utópico.

7. Meu psiquiatra passou dois ou três remédios, isto significa que meu caso é grave?

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Na psiquiatria a prescrição de mais de um medicamento é mais regra do que exceção e isto não tem nada a ver com gravidade da doença. Como já comentei, as medicações psiquiátricas aliviam sintomas ou síndromes que podem estar presentes em diferentes transtornos. Uma única doença pode ter 2 ou mais síndromes.

Na depressão, p.ex., podem ocorrer, além da síndrome depressiva (tristeza, desânimo, choro), uma síndrome ansiosa (ansiedade, taquicardia, sudorese) e uma síndrome disfórica (irritabilidade, ataques de raiva, agitação). É possível que este paciente necessite, além de um antidepressivo, de um ansiolítico e/ou um estabilizador de humor. Por outro lado, pode ser que o melhor tratamento seja um medicamento que reúna essas três propriedades (antidepressiva, ansiolítica e estabilizadora de humor). A melhor escolha vai depender de características individuais do caso.

Então, este paciente tanto teria a possibilidade de ser medicado com duas ou três substâncias como de usar um medicamento único e isto depende do que o psiquiatra julgar ser o melhor para o seu tratamento.

Outra situação comum na psiquiatria é o paciente necessitar de outra medicação no decorrer do acompanhamento para compor seu tratamento, seja porque o efeito inicial do primeiro medicamento não aliviou alguns sintomas-chaves para seu bem estar ou porque necessita de um segundo medicamento para potencializar o efeito terapêutico do primeiro.

Uma terceira situação é a necessidade de um segundo medicamento para atenuar ou combater efeitos colaterais do primeiro. Isso tem sido menos freqüente hoje em dia, pois as substâncias mais modernas são mais toleradas e não requerem outros medicamentos para aliviar seus efeitos colaterais.

Um outro exemplo da necessidade de mais de um medicamento são as comorbidades. Elas estão presentes em mais da metade dos pacientes. É comum haver mais de um transtorno psiquiátrico associado, p.ex., um transtorno de humor acompanhado de um TDAH, uma esquizofrenia acompanhada de um transtorno do pânico, etc. Neste caso é necessário tratar todos os transtornos, caso contrário a recuperação do paciente não será completa.

8. Até quando precisarei tomar os medicamentos? Posso pará-los quando quiser? Como posso me recuperar a ponto de não necessitar mais deles?

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Uma medicação psiquiátrica demora em média de 2 a 4 semanas para iniciar seu efeito e uma resposta adequada ao tratamento às vezes pode levar de 3 a 6 meses para se consolidar.

O que pode parecer inicialmente muito tempo, para a psiquiatria é considerado pouco. Os medicamentos agem diretamente nos receptores dos neurônios, porém seus efeitos clínicos dependem de uma reação em cascata que reequilibra todo o sistema de neurotransmissão através da estimulação/inibição de substâncias que são responsáveis pela comunicação entre as células (conectividade neuronal).

Na depressão, p.ex., ocorre uma redução de serotonina e de noradrenalina, os dois neurotransmissores mais envolvidos na doença. A medicação age em receptores de serotonina e noradrenalina sinalizando para os neurônios a necessidade de aumentar a produção dessas substâncias. Este processo pode demorar algumas semanas e, dentro de alguns meses de tratamento, o sistema de neurotransmissão é restabelecido.

As doenças psiquiátricas provocam também aumento de substâncias oxidantes e radicais livres que são lesivos aos neurônios e interferem com o processo de neuroplasticidade (fundamental para funções cognitivas como a memória e a atenção, p.ex.). Estudos têm encontrado níveis reduzidos de uma substância responsável pelo crescimento dos neurônios e pela formação de novas conexões, conhecido como BDNF. O tratamento psiquiátrico age aumentando a produção de BDNF a partir do DNA dos neurônios, restabelecendo a integridade do SNC e sua plasticidade.

Fatores externos, como estresse no trabalho e nos relacionamentos, podem elevar a concentração de cortisol (hormônio do estresse) e reduzir a de BDNF, opondo-se aos efeitos do tratamento. Isto pode levar à necessidade de manter o tratamento por mais tempo, de mudar a medicação ou a dosagem.

O conceito de resistência ao tratamento (ausência de resposta ou melhora/piora parcial) deve levar em conta, além dos fatores biológicos (metabolismo mais rápido do medicamento, p.ex.), a existência de estressores psicossociais.

É desejável que com o tempo de tratamento o paciente possa fazer progressos também em sua vida pessoal, sabendo lidar melhor com os fatores psicossociais que contribuíram para o seu adoecimento no passado ou que, de alguma forma, o colocam em risco de uma recaída no futuro.

Este é um processo de crescimento e amadurecimento, que além de levar tempo, requer do paciente uma busca por maior autocrítica e reflexão sobre seu próprio estilo de vida. Sem esta mudança de paradigma, que deve partir do paciente, torna-se difícil interromper a medicação. Esta seria a recuperação de fato, que pode demorar alguns anos para se consolidar.

A mudança de como a pessoa se relaciona com seu meio, do quanto ela se deixa afetar pelos problemas, seu próprio estilo de vida e seu ambiente podem servir de estímulo para que seu cérebro se mantenha saudável e produza neurotransmissores e substâncias antioxidantes na quantidade necessária para a manutenção de seu bem estar.

Mesmo assim é preciso considerar que existem transtornos mentais que são recorrentes e que nem sempre dependem de fatores externos. Existem pacientes que, mesmo com as mudanças de vida, necessitarão do medicamento como forma de proteção.

É importante ressaltar que a suspensão dos medicamentos deve sempre ser uma decisão do psiquiatra. Ele saberá o melhor momento de parar e como. Algumas recaídas estão mais associadas a como a medicação foi interrompida do que ao tempo de tratamento. Interrupções súbitas podem provocar um estado de hipersensibilidade no cérebro, que está acostumado a receber aquele estímulo diariamente, acarretando num desequilíbrio repentino dos neurotransmissores e levando a uma recaída mais rápida e mais grave.

Existem pacientes que necessitam usar a medicação por um período indeterminado ou pelo resto da vida. Isto ocorre quando a pessoa tem um transtorno com muitas recaídas, em que a medicação é um importante fator de proteção, ou quando já tentou parar os medicamentos, mas se chegou à conclusão que o uso contínuo deles é fundamental para o seu bem estar. É difícil para o psiquiatra predizer qual o paciente necessitará do tratamento para sempre, muitas vezes a medida disso vem com o tempo de acompanhamento.

As doenças psiquiátricas revelam um estado de vulnerabilidade psíquica do indivíduo em sua interação com o meio, seja por um fator externo que excede a capacidade resolutiva da pessoa (p.ex. um trauma, uma perda significativa) ou por uma dificuldade estrutural, seja biológica, da personalidade ou do temperamento, em que o indivíduo não consegue reunir forças para superar os problemas do cotidiano e retornar a um equilíbrio.

A doença geralmente é um estado transitório, um desequilíbrio que passa com o tratamento, enquanto que a vulnerabilidade, os recursos que o indivíduo possui para manter seu equilíbrio emocional, costuma ser mais constante e que acaba predispondo a outras crises no futuro. Neste sentido, o uso de medicamentos, a psicoterapia e as transformações que a pessoa consegue fazer em sua vida são fatores de proteção que procuram fortalece-la em sua própria vulnerabilidade.

9. O psiquiatra vai me pedir exames? Existem exames que podem diagnosticar o meu problema?

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Os transtornos psiquiátricos em geral não aparecem nos exames. Porém, para o diagnóstico diferencial, i.é., para descartar doenças orgânicas que possam causar sintomas psiquiátricos, torna-se importante a solicitação de alguns exames complementares. Qual exame solicitar dependerá de cada caso.

Um exemplo: sabe-se que doenças físicas, como hipotireoidismo, carências vitamínicas (particularmente do complexo B), doenças neurodegenerativas, entre outras, podem causar depressão e demência. Portanto, um exame de sangue, um exame de imagem e uma testagem neuropsicológica podem ser úteis para esclarecer se a causa da depressão está relacionada com alguma outra doença física ou se ela é primária.

Isto não quer dizer que todo o paciente deprimido ou com demência deva ser submetido a uma testagem neuropsicológica ou a um exame de imagem. Existem particularidades da história e do exame de cada paciente que irão sinalizar esta necessidade.

Os exames podem ser necessários também durante o acompanhamento, seja para avaliar efeitos dos medicamentos (p.ex. efeitos sobre o metabolismo hepático, sobre o colesterol e triglicerídeos) ou se surgir alguma queixa nova ou se suspeitar de alguma outra doença.

&rarr Exames mais comumente solicitados pelo psiquiatra:

  • Exames de sangue (hemograma e bioquímica do sangue)
  • Eletroencefalograma / Mapeamento cerebral
  • Tomografia computadorizada do crânio
  • Ressonância magnética cerebral
  • Espectroscopia de prótons
  • Testagem neuropsicológica

10. Quais os tratamentos complementares que posso fazer e sua importância para minha recuperação?

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A psicoterapia individual é o tratamento complementar à medicação mais indicado. Estudos têm demonstrado que pacientes que fazem terapia têm melhor resposta ao tratamento do que aqueles que só tomam remédios e isto vale para todos os transtornos mentais.

A psicoterapia mais estudada nos transtornos mentais é a cognitivo-comportamental, mas isto não significa que outras técnicas, como a psicanálise, não sejam eficazes.

O mais importante é que paciente e terapeuta consigam estabelecer uma boa relação, em que a empatia e a confiança são ingredientes fundamentais para a eficácia do tratamento. As sessões devem ser semanais e com duração mínima de 45 a 60 minutos, tempo considerado suficiente para que o paciente possa quebrar uma resistência inicial e falar abertamente daquilo que o angustia.

A continuidade do tratamento ao longo de alguns meses é necessária para que a relação terapêutica possa se estabelecer e a terapia acontecer de fato. Muitos pacientes abandonam a terapia antes disso, o que pode ser considerada resistência ou falta de empatia com o terapeuta. Isto não deve desanimá-lo a buscar outro profissional.

Existem terapias mais breves, focadas no problema atual, com objetivos mais concretos de curto e longo prazo, e terapias mais longas, que visam trabalhar conteúdos e sentimentos mais inconscientes ou traumas de infância que podem interferir na vida presente. Você pode discutir com seu terapeuta quais as suas expectativas e necessidades com a terapia.

Outro tratamento também eficaz é a terapia de família. Ela é indicada em qualquer transtorno mental grave, uma vez que nesses casos a família costuma reagir à doença com alguns padrões de sentimentos e de comportamentos considerados desadaptativos e que podem prejudicar a recuperação do paciente a longo prazo.

A terapia de família mais indicada é a psicoeducação de família, em que a família recebe informações sobre a doença, compreendendo melhor e sabendo de que maneira pode ajudar no tratamento e na recuperação de seu paciente. Estudos têm demonstrado eficácia superior das terapias em grupo (duas ou mais famílias), pois a troca de experiências entre diferentes famílias revela-se enriquecedor para o manejo dos conflitos e para a busca conjunta por soluções, dois objetivos principais desta terapia.

A terapia de casal pode ser útil na solução dos conflitos conjugais, ainda que estejam relacionados à doença de um deles, lembrando que a terapia de família ou casal não substitui a necessidade da terapia individual.

A terapia cognitiva, também conhecida como reabilitação cognitiva ou neuropsicológica, é indicada nos transtornos mentais graves, como esquizofrenia e transtorno bipolar, no TDAH, transtornos do aprendizado e nas demências. O objetivo é treinar as funções cognitivas, como memória, atenção e função executiva, para melhorar tanto o funcionamento cognitivo como social dos pacientes. Pode ser feita em grupo ou individualmente.

A terapia ocupacional pode estar inserida no tratamento comunitário de transtornos mentais graves, como ocorre nos CAPS e hospitais-dia de hospitais psiquiátricos, ou ser realizada individualmente na residência do paciente. O objetivo é treinar as habilidades sociais e a capacidade do paciente monitorar seu próprio comportamento em situações do dia-a-dia, como ir ao mercado, ao banco ou mesmo realizar trabalhos ou atividades produtivas.

Trabalho assistido e outras iniciativas de suporte ao trabalho ajudam o paciente a retomar suas atividades laborativas. Pode haver maior interlocução da equipe que trata o paciente e seu empregador, procurando adequar as demandas ao seu potencial, ou um treinador de trabalho (job coach), que irá treinar o paciente para administrar a sobrecarga e se adaptar melhor ao seu ambiente de trabalho.

Grupos de auto-ajuda, como AA, NA, neuróticos anônimos, compulsivos anônimos, dentre outros podem oferecer suporte e estimular o paciente em sua recuperação, uma vez que estabelecem um elo entre seus pares, um incentivando o outro.

Atividades físicas são fundamentais para a recuperação dos transtornos mentais. Além de ajudar o paciente a manter uma boa forma física, evitando o ganho de peso em função do sedentarismo e dos medicamentos psiquiátricos, previne doenças metabólicas como diabetes e obesidade, mais comuns em pacientes com algum tipo de transtorno mental. A prática regular de atividades físicas, no mínimo 4 dias por semana, estimula a produção de endorfinas e ajuda a melhorar a vontade e o humor.

11. Existem fitoterápicos que posso utilizar?

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Os fitoterápicos podem ajudar, porém não substituem os medicamentos psiquiátricos. Vitamina E, beta-caroteno, vitamina C, vitamina B1 e B12, ômega 3, Zinco e selênio já tiveram suas propriedades antioxidantes e nutricionais comprovadas nos transtornos psiquiátricos e podem, a critério do médico, ser úteis no tratamento adjuvante.

12. Qual o efeito do álcool, do cigarro e de outras drogas sobre o meu tratamento?

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O álcool e o cigarro induzem o metabolismo dos medicamentos, reduzindo a sua disponibilidade no organismo e comprometendo a eficácia do tratamento a longo prazo, além dos riscos que eles naturalmente causam à saúde.

Drogas ilícitas como maconha, cocaína, LSD e ecstasy estimulam neurotransmissores que estão sendo regulados pelos medicamentos, opondo-se aos efeitos farmacológicos deles e agravando o quadro. É comum que pacientes dependentes de drogas desenvolvam quadros mais graves e resistentes aos medicamentos.

13. O tratamento prejudica outros tratamentos médicos que eu esteja fazendo?

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É importante falar na primeira consulta que outros problemas de saúde o acometem e que medicamentos usa, pois existem interações medicamentosas entre remédios psiquiátricos e os demais que precisam ser do conhecimento do médico. Isto serve também para os contraceptivos orais e injetáveis.

Existem hoje em dia medicamentos bastante seguros sob o aspecto das interações com outros fármacos, de forma que raramente é necessária alguma mudança em outros tratamentos que o paciente já faça.

O que ocorre muitas vezes é que o tratamento psiquiátrico ajuda na recuperação de outras condições médicas, principalmente no caso de doenças psicossomáticas, como enxaqueca, fibromialgia, síndrome do cólon irritável, bruxismo, dentre outras.

No caso de doenças crônicas, como hipertensão, diabetes, doença coronariana, doenças autoimunes e câncer está comprovado que negligenciar transtornos psiquiátricos aumenta a gravidade e as complicações, enquanto que o tratamento pode melhorar a condição clínica.

14. Posso engravidar ou corro algum risco? Se engravidar, devo parar os medicamentos? E na amamentação?

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Alguns medicamentos psiquiátricos não podem ser utilizados na gravidez. O risco maior é no primeiro trimestre, pela formação do tubo neural (sistema nervoso central primitivo do feto), e no terceiro trimestre, pelo risco de complicações no parto ou depressão respiratória e outras complicações para o bebê.

Entretanto, hoje existem medicações seguras para todas as fases da gestação, de forma que não se justifica a falta de tratamento por causa da gravidez. Uma gestante com transtorno mental coloca em risco a sua saúde e a de seu bebê pelos próprios sintomas e complicações que corre em não tratando de sua condição, além do que compromete seu estado de saúde para a amamentação e o puerpério.

Estudos vêm demonstrando que depressão materna durante a gravidez é fator de risco para vários transtornos mentais na vida adulta ou mesmo na adolescência.

Para amamentação vale a mesma coisa. Da mesma maneira que existem medicamentos em que a amamentação não é aconselhável, existem opções seguras em que a mãe pode amamentar seu filho normalmente. A depressão e a psicose pós-parto, p.ex., são condições graves que devem ser tratadas prontamente e não se deve aguardar o término da amamentação para o tratamento.

A amamentação tem sido associada a uma melhor saúde mental na infância e na vida adulta, mas a mãe precisa estar bem psiquicamente para amamentar seu filho.


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