Recusa escolar: entenda o que é e saiba como agir.
Não há nada que deixe os pais mais preocupados do que um filho que se recuse a frequentar a escola. Essa é sem dúvida uma situação difícil e complexa que envolve a família e a escola e que muitas vezes requer uma atenção dos profissionais da saúde mental.
Acredita-se que até 5% das crianças em idade escolar sofram desse problema, que é mais comum na adolescência. Algumas pesquisas acreditam que esse índice esteja subestimado, podendo chegar a 33% dos alunos.
Essas crianças possuem maior probabilidade de evasão escolar, maiores taxas de desemprego para aqueles que não completaram o ensino, além de exacerbar o transtorno mental de base.
Em geral podemos dividir essa situação em dois tipos: recusa escolar e faltas na escola. No primeiro caso os pais têm conhecimento de que o filho está com dificuldade de frequentar a escola, enquanto no segundo caso os pais são surpreendidos ao serem comunicados pela escola que o filho se ausenta das aulas, “matando” as aulas com outros colegas, p.ex.
Essa diferenciação parece simples, mas é necessária, pois do ponto de vista clínico, essas situações são bem distintas e requerem abordagens diferentes.
A recusa escolar é comumente associada ao que chamamos de transtornos internalizantes. Já as faltas deliberadas às aulas se associam com frequência aos distúrbios externalizantes, embora possam existir casos mistos, como veremos em seguida.
Os transtornos internalizantes têm em comum um sofrimento emocional intenso geralmente caracterizado por ansiedade e angústia. O indivíduo sofre com as idas à escola à ponto de se culpar ou de demonstrar sinais de fobia escolar. A simples ida à escola representa um grau elevado de sofrimento emocional, podendo levar a distúrbios do sono, sintomas físicos de ansiedade (como taquicardia, falta de ar, sudorese e tremores), pensamentos repetitivos repulsivos relacionados à escola, professores e colegas.
No caso das faltas deliberadas, o indivíduo não transparece o sofrimento. Ainda que ele exista, a impressão geral é que o comportamento é proposital, no sentido de desafiar ou transgredir as regras de casa ou da escola. É comum que essas pessoas possuam um comportamento desafiador ou opositivo, sejam hiperativas ou agitadas, tenham dificuldades escolares por serem impulsivas, desatentas ou emocionalmente instáveis, podem ter dificuldades de relacionamento com os colegas por um comportamento agressivo, envolvem-se em delinquências e têm o hábito de mentir. No caso de adolescentes, uma preocupação crescente com quem se comporta dessa forma é o uso de drogas ilícitas.
Como vocês podem perceber, o perfil de distúrbios nas duas situações é bem diferente e requer distintas abordagens, tanto da família, como da escola.
Como no primeiro caso a ansiedade e a angústia são mais comuns, esses alunos possuem maior vulnerabilidade psíquica e uma fragilidade egóica que requerem dos pais e da escola uma atenção especial. Não que o outro tipo não requeira, mas indivíduos com o perfil mais internalizante correm mais risco de depressão, fobias, transtornos de pânico, distúrbios somatoformes (quadros gastrointestinais com vômitos e diarreia, p.ex.). Eles também sofrem com mais frequência episódios de bullying e podem ter ideias de suicídio. Esses casos são mais difíceis de detectar, pois eles costumam sofrer por muito tempo calados, meses ou anos antes da recusa escolar já podem apresentar sintomas sem que os pais ou a escola identifiquem.
Em alguns casos de recusa escolar pode haver histórico de ansiedade de separação dos pais quando o aluno era mais novo, sendo possível que situações domésticas tenham repercussão na permanência da criança ou do adolescente na escola.
Entre os alunos com o perfil mais externalizantes são comuns os transtornos do desenvolvimento cognitivo, como déficit de atenção (TDAH), transtornos do impulso, de conduta (hipercinético) e o transtorno opositivo-desafiador (TOD). O aluno pode ter dificuldade para acompanhar a matéria, para se integrar com outros alunos (p.ex. por comportamento mais impulsivo ou agressivo ou por falta de empatia), para obedecer os professores, para seguir regras, tornando o ambiente escolar mais desinteressante para ele.
Há casos em que tanto distúrbios internalizantes como externalizantes ocorrem simultaneamente. Acredita-se que metade dos casos possa apresentar essa combinação. Isso ocorre porque a maioria dos indivíduos que possuem o perfil externalizante sofrem punições e pressões dos pais e da escola e, diante da impotência de vencer os sintomas, desenvolvem quadros ansiosos e depressivos, podendo também ter ideias ou risco de suicídio.
Fatores de Risco
Essas situações envolvem a interação de fatores pessoais, que podem ser genéticos, psicológicos ou biológicos, com fatores ambientais, geralmente relacionados ao ambiente social, familiar e escolar, segundo a tabela.
Abordagens
É comum que família e escola tenham dificuldade em lidar com essas situações, tanto do ponto de vista diagnóstico, como reconhecer o problema, como do ponto de vista do encaminhamento que deve ser dado.
A escola possui um lugar privilegiado nesse caso. Quanto mais individualizado for o olhar sobre o aluno, maior a capacidade da escola perceber o problema, particularmente para aqueles alunos que sofrem calados e que demoram a dar sinais de sofrimento.
Um olhar sobre a interação do aluno com os colegas, observações nos tempos livres na escola (recreios, p.ex.) e na saída da escola podem fornecer pistas preciosas sobre como o aluno se relaciona com seus pares. Atividades que fogem ao conteúdo programático e que estimulam a criatividade, a sensibilidade e a relação interpessoal do aluno com colegas e professores também são úteis na avaliação, já que esses alunos não costumam dar pistas sobre seu estado emocional nas atividades corriqueiras, como matérias conteudistas, exceto se o grau de sofrimento já estiver alto.
Em relação aos alunos com o perfil externalizante, a identificação pela escola costuma ser mais fácil pela dificuldade deles seguirem as regras da escola. Mesmo assim, escolas muito grandes, com turmas numerosas, podem demorar a identificar o comportamento como problema e a orientar ajuda.
No tocante à família, o comportamento em geral é o enrijecimento das regras e da cobrança, aplicação de punições, como castigos e privações (celulares, video-game, viagens) e endurecimento dos relacionamentos domésticos. Pesquisas e a experiência mostram que essas medidas se mostram pouco eficazes na mudança do padrão de comportamento, sendo comum até uma piora do quadro.
No caso dos alunos com o perfil mais internalizante, existe o risco de piora dos sintomas depressivos e ansiosos e o agravamento do quadro para outros transtornos mais graves, como a psicose e os transtornos de personalidade (p.ex. Borderline, com o surgimento de comportamentos de auto-mutilação), além do risco maior de suicídio.
No caso daqueles que externalizam mais o comportamento, pode haver agravamento da violência, uso de drogas, fugas de casa, comportamentos anti-sociais ou mesmo suicídio.
Episódios graves de violência podem ocorrer também na escola, contra colegas e professores.
Por essas razões é necessário buscar ajuda profissional. Em geral são indicadas avaliação por psiquiatra e psicólogo, terapia de família, reunião dos profissionais com a escola e vice-versa, além de contato regular da família com a orientação pedagógica escolar.
Há de se ter cuidado com reforços que podem afastar o aluno da escola e dificultar mais ainda sua permanência, evitando assim a evasão escolar.
Padrões de Reforço
Alguns reforços negativos devem ser evitados para prevenir que a escola se torne aversiva:
– Avaliações negativas pelos colegas e professores: é comum o clima competitivo entre os alunos e professores podem demonstrar sua predileção pelos melhores, esquecendo-se daqueles com maior dificuldade ou, até mesmo, com algum tipo de reprovação pública, que provoque maior constrangimento na frente dos colegas de turma.
– Dificuldade com matérias ou professores específicos: a escola precisa oferecer recursos quando isso ocorre, para evitar que o aluno leve sua dificuldade até o final do período letivo e se exponha mais ao estímulo aversivo.
– Escola grande com muito estímulo: essas escolas terão maior dificuldade de reverter as dificuldades desses alunos, por perderem a capacidade do olhar individualizado e das condutas personalizadas.
– Experiências negativas no caminho para a escola: escolas em comunidades violentas, longas distâncias a serem percorridas, dentre outros infortúnios no deslocamento tendem a reforçar a aversão à escola.
– Sintomas mentais (ansiedade, ataques de pânico): esses sintomas se não tratados tendem a piorar a experiência do aluno na escola.
Alguns reforços positivos também devem ser evitados, para que o aluno não seja estimulado a permanecer fora da escola:
– Mais tempo com cuidadores: alguns alunos querem permanecer em casa para ficarem próximos dos pais. É comum, p.ex., que um dos genitores tire licença para cuidar do filho, ficando mais disponível e reforçando a permanência dele em casa.
– Tempo com amigos para socialização: alunos que no horário escolar aproveitam para encontrar os amigos para se socializarem.
– Uso de substâncias: drogas utilizadas geram prazer e estimulam os alunos a faltarem às aulas ou a não irem à escola.
– Atividades prazeirosas, como celular, video-game, computador no horário escolar também reforçam a ausência por gerarem prazer.
A oferta precoce de ensino à distância também deve ser evitada, já que o objetivo do tratamento é que o aluno continue ou volte a frequentar a escola presencialmente. O EAD deve ser indicado quando as opções de retorno forem esgotadas ou quando o caso for grave a ponto desta ser a melhor indicação.
Tratamento
Além dos aspectos emocionais, sociais e familiares, é importante realizar uma pesquisa do funcionamento cognitivo do aluno para mapear possíveis dificuldades, que comumente afetam a atenção e concentração, o funcionamento executivo, a tomada de decisão e a memória. Uma testagem neuropsicológica, portanto, pode indicar essas dificuldades que serão objeto de tratamento específico. É comum que distúrbios da cognição sejam pano de fundo dos problemas emocionais e escolares.
O tratamento em geral é longo, requer multidisciplinaridade e parceria com a escola. No caso do paciente se ausentar da escola por um período longo, outras atividades extracurriculares devem ser oferecidas, para que o aluno não passe o tempo ocioso ou exclusivamente em atividades de lazer. As decisões devem ser conversadas e tomadas em conjunto. O tempo fora da escola deve ser encarado como proveitoso para desenvolver outras habilidades do aluno, tendo em vista sua reabilitação e retorno à escola futuramente.
O tratamento médico pode envolver medicamentos para sintomas como ansiedade, depressão, impulsividade, déficit de atenção, dentre outros, podendo ser indicadas diferentes classes de medicamentos, dentre antidepressivos, ansiolíticos, estabilizadores de humor, antipsicóticos e medicamentos para déficit de atenção, hiperatividade e impulsividade.
Uma psicoterapia individual também é indicada, preferencialmente do tipo cognitivo-comportamental. O objetivo da terapia é ajudar o paciente a identificar estímulos e pensamentos que possam estar por trás das alterações de comportamento e de sintomas emocionais, melhorando suas habilidades de enfrentamento das situações na escola e em casa, desenvolvendo a capacidade de solucionar os conflitos, promovendo sua resiliência e se adaptando melhor ao ambiente.
A terapia de família geralmente também é necessária, pois é frequente que questões familiares estejam ligadas ao comportamento na escola. Ademais a recusa escolar costuma trazer uma realidade de difícil administração para os pais.
A remediação cognitiva é um tratamento para melhorar questões cognitivas que estejam ocorrendo, como dificuldades de atenção, da memória, do funcionamento executivo e da tomada de decisão, através do treinamento dessas funções com o paciente.
Em alguns casos o aluno necessita de um profissional de apoio escolar, que o acompanhe na escola, em sala de aula, e o ajude nas suas dificuldades.