Campanhas sociais contra o preconceito e o estigma da esquizofrenia.

Pessoas com esquizofrenia são freqüentemente vistas como imprevisíveis, incapazes, perigosas, responsáveis por sua doença e com mau prognóstico. Essa percepção tem sido relacionada com o distanciamento social e a discriminação que elas sofrem na sociedade. Esses estigmas são piores do que a própria doença, pois invadem as esferas da vida da pessoa, como trabalho e vida social, comprometendo sua motivação para lidar com a doença e aderir ao tratamento.

Na esperança de reduzir o estigma, campanhas em vários países vêem reforçando os aspectos biológicos e genéticos da esquizofrenia, promovendo o conceito de que a esquizofrenia é uma “doença como qualquer outra”. Conceitos como “a esquizofrenia é causada por uma combinação de fatores genéticos e ambientais ao longo do desenvolvimento da pessoa”, “o cérebro das pessoas com esquizofrenia é diferente do cérebro de pessoas sem a doença”, “genes que aumentam o risco de esquizofrenia já foram identificados”, “alterações na estrutura cerebral e em neurotransmissores estão por trás da doença”, “a predisposição é herdada, mas existem fatores como complicação durante a gestação e o parto e exposição pré-natal a vírus que podem servir de gatilho” têm sido empregados por programas como o “Mudando Mentes” (Changing Minds), do Royal College of Psychiatrists (Inglaterra), “Abrindo as Portas” (Open the Doors), do World Psychiatric Association (EUA), e o programa do National Alliance on Mental Illness (EUA).

O conceito de doença biológica tem ajudado a reduzir a culpa da família e o sentimento de fracasso do paciente, uma vez que a doença é atribuída a fatores fora do seu controle. Esta abordagem parece reduzir o estigma e fazer as pessoas encararem a doença de forma mais positiva, sem culpar o indivíduo.

Entretanto, este conceito tem sido questionado pela comunidade científica como a única fórmula anti-estigma, pois pode passar a impressão de que a esquizofrenia é uma doença imutável, que caminha inexoravelmente para um estado mais grave e crônico. Isso pode reforçar alguns preconceitos, como o de que o tratamento em nada adiantará e que a pessoa se tornará totalmente dependente e incapaz, contribuindo para um maior distanciamento social e exacerbação da resistência à doença mental.

Tânia Lincoln, Elisabeth Arens, Cornelia Berger e Winfried Rief, pesquisadores da Universidade de Marburg, Alemanha, publicaram um artigo na revista Schizophrenia Bulletin (Set./2008), em que propõem um programa anti-estigma “multifatorial”, que inclua, além dos aspectos biológicos e genéticos, fatores psicológicos e sociais, como eventos da vida da pessoa, estressores do dia-a-dia, comunicação familiar e traumas, como fatores de risco para o adoecimento e recrudescimento da esquizofrenia. Argumentam que fatores psicossociais podem ajudar a reduzir estigmas que não são atingidos pelo modelo biológico, como as possibilidades de recuperação da pessoa e a importância dos tratamentos médico, psicológico e psicossocial para a melhora do transtorno. Isso estaria de acordo com o atual modelo da causa da esquizofrenia, que reúne fatores biológicos (p.ex. genéticos) e ambientais (p.ex. psicológicos e sociais) em igualdade de importância.

Em seu estudo, eles compararam grupos (estudantes de medicina x estudantes de psicologia), que receberam isoladamente um programa centrado nos fatores biológicos (“condição biológica”) e outro nos fatores psicológicos e sociais (“condição psicossocial”).
Em ambos os grupos, a condição biológica ajudou a reduzir o estigma de que indivíduos são culpados pela doença ou são perigosos e imprevisíveis, bem como afastou crenças de que a esquizofrenia é determinação de Deus, problema espiritual ou transtorno auto-induzido. Todavia, no grupo de estudantes de psicologia, a condição biológica provocou a crença de que a esquizofrenia teria um curso grave e deteriorante, com poucas possibilidades de recuperação. Ao contrário, a condição psicossocial foi capaz de desfazer este estigma.

Isto reflete o melhor entendimento dos fatores psicossociais por parte dos psicólogos, que encaram esses fatores como mais mutáveis do que os biológicos. Isto serve de alerta, pois estratégias mais biológicas de combate ao estigma podem ser menos eficazes na parcela da população que compreende melhor os fatores psicossociais e tende a ver os biológicos como mais graves ou imutáveis.

Os autores concluem que educar a sociedade sobre a esquizofrenia através de um viés científico é uma abordagem útil e eficaz no combate ao estigma. Ao invés de excluir fatores científicos relevantes, como o papel de estressores sociais e psicológicos, eles propõem uma abordagem multidimensional e equilibrada. Os aspectos biológicos continuariam exercendo efeito positivo sobre estigmas, como o da responsabilidade pela doença, enquanto aspectos psicossociais melhorariam estigmas sobre a evolução e resposta ao tratamento, compensando possíveis efeitos negativos do modelo biológico.

Eles finalizam afirmando que, para as pessoas que se recuperam da esquizofrenia, não existe nada mais devastador e incapacitante do que o estigma e a discriminação e que o conhecimento científico deve ser mais difundido para melhorar esta realidade.

Referência: Lincoln TM, Arens E, Berger C, Rief W: Can Antistigma Campaigns Be Improved? A Test of the Impact of Biogenetic Vs Psychosocial Causal Explanations on Implicit and Explicit Attitudes to Schizophrenia. Schiz Bulletin 2008; 34(5): 984-994

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