Por que pacientes negam a doença e se recusam a fazer o tratamento?

Você sabe o que é insight?

A palavra insight pode ter vários significados. Na teoria psicanalítica ela corresponde ao nível de autoconhecimento da pessoa, de seus desejos e motivações inconscientes. Pessoas com bom insight compreendem melhor seus sentimentos, conhecem melhor as causas de seus problemas e têm maior consciência de como são percebidas pelas outras pessoas. Porém, utilizaremos o significado mais restrito da palavra insight, que é o reconhecimento pelo indivíduo de sua patologia. Pacientes com algum distúrbio psiquiátrico frequentemente negam a sua doença, subestimam a importância dos sintomas e o impacto que eles têm na sua vida e não tomam medidas para sua proteção, recusando o tratamento.

A falta de insight é particularmente comum na esquizofrenia e os motivos para isso ainda não são bem conhecidos. Insight não é uma característica dicotômica (ter ou não ter), mas uma dimensão em que podem existir diferentes graus de insight, entre a negação completa de uma doença até sua total aceitação. Podemos descrever os seguintes estágios:

I. Negação completa da doença, de seus sintomas e da necessidade de tratamento.
II. Negação da doença, mas aceitação de alguns sintomas vagos ou inespecíficos, como nervosismo, mal estar, insônia, com concordância parcial em fazer o tratamento (com o objetivo de aliviar os sintomas reconhecidos).
III. Aceitação da doença e do tratamento, mas subestimando sua importância, o impacto na sua vida e a necessidade de medidas que previnam recaídas e melhorem a qualidade de vida.
IV. Aceitação completa da doença e da necessidade de tratamento, compreendendo suas conseqüências e assumindo posturas coerentes para sua recuperação e melhora da qualidade de vida.

Esta visão dimensional permite separar alguns aspectos do insight que têm comportamento independente, como, por exemplo, o insight relacionado ao tratamento, à consciência da doença e à natureza dos sintomas. Muitos pacientes negam o diagnóstico, não reconhecem a natureza patológica dos sintomas, mas aceitam tomar os medicamentos e fazer a terapia. Um paciente pode, por exemplo, negar a doença, mas aceitar as dificuldades pessoais que ela traz para seus relacionamentos e atividades.

As causas para a falta de insight não são totalmente conhecidas, mas sabe-se que ela sofre influência de diversos fatores envolvidos na sua etiologia:

A. Defesa inconsciente – alguns autores sugerem que a falta de insight seja proveniente de um mecanismo psicológico de defesa e apóiam sua tese em estudos que mostram que a maior consciência de doença está relacionada à maior ocorrência de depressão.

B. Sintomas positivos – a falta de insight seria provocada pelos delírios e alucinações e por um pensamento grandioso de estar em boa saúde (delírio de saúde) e isso corresponderia aos pacientes que aceitam a doença após redução dos sintomas positivos com o tratamento.

C. Sintomas negativos – a falta de insight seria decorrente de um retraimento emocional global, em que o indivíduo não se empenharia para compreender suas experiências de vida, colocando-se indiferente a elas.

D. Desorganização mental – a desorganização dos pensamentos e do psiquismo impediria o raciocínio abstrato necessário para comparar seu funcionamento atual com o anterior à doença ou com o comportamento de alguém saudável, fazendo-o perder o conceito de normalidade.

E. Déficit neurológico ou neuropsicológico – alguns autores comparam a falta de insight na esquizofrenia com a negação da doença em alguns distúrbios neurológicos (chamada de anosognosia). Achados de disfunção da região frontal e parietal do cérebro se correlacionam com a falta de insight na esquizofrenia.

F. Prejuízos da metacognição ou “teoria da mente” – parte de algumas observações de que pacientes demonstram falta de insight quando são entrevistados sobre seus próprios sintomas, mas ganham insight quando a perspectiva é mudada da primeira para a terceira pessoa, mostrando que a consciência da doença do outro ocorre independentemente da sua.

G. Fatores sociais e interpessoais – fatores como educação e classe social parecem influenciar o insight e pesquisadores se apóiam também na evidência de que a terapia pode melhorar o insight, embora isto não explique a causa.

Como se deve agir nestas situações? Reunimos algumas dicas sobre o assunto:

1) É importante que a família compreenda que a falta de insight é parte da doença e que, portanto, deve ser alvo de tratamento. Atitudes como forçar a aceitação do diagnóstico aumentam o estresse, afastam o paciente da convivência familiar e podem reforçar a negação. Familiares não detêm o conhecimento técnico de como proceder nestes casos e devem, portanto, buscar apoio e orientação junto à equipe terapêutica.

2) Existe tratamento capaz de melhorar o insight, através das próprias medicações antipsicóticas, da psicoterapia e da psicoeducação. A família deve contar também com um apoio (grupos ou terapia de família) para rever atitudes que possam interferir no processo de recuperação, do qual a consciência de doença também faz parte.

3) Na maioria das vezes a família se sente perdida, sem saber como agir diante da falta de insight do paciente, e toma atitudes como, por exemplo, dar a medicação escondida na comida ou no suco. É importante compreender que atitudes como esta geram conseqüências negativas adiante, como aumento da desconfiança por parte do paciente, que pode passar a recusar alimentos e líquidos. Ademais, agir desta forma é uma maneira de não trabalhar a consciência de doença, já que o paciente pode melhorar dos sintomas e não perceber que isto se deve aos efeitos do medicamento. A família deve obter orientações com a equipe terapêutica de como pode contribuir no resgate do insight.

4) O insight nem sempre deve ser um objetivo imediato do tratamento. O insight pleno para pacientes que ainda não estão preparados pode levar à maior desorganização e desestruturação psíquica ou à depressão (lembre-se que a negação é uma forma de defesa). Facilitar o insight através da terapia e da psicoeducação, aliadas ao uso da medicação e do suporte à família, pode e deve levar tempo. O principal no início é garantir a adesão ao tratamento, através da aceitação da medicação, que como vimos não requer a consciência plena da doença.

5) O resgate apropriado do insight no momento certo pode fazer com que pacientes sejam capazes de compreender e lidar melhor com seus sintomas, de desenvolver estratégias ou comportamentos adaptativos às suas dificuldades, reduzindo recaídas e melhorando sua qualidade de vida.

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