Depressão Pós-Parto – Estudos sobre a Interação Mãe-Bebê na Depressão Pós-parto

Um artigo publicado em janeiro de 2006 em uma revista da área de Neurociência dedicada ao estudo do desenvolvimento cognitivo-emocional, chamada Developmental Review, faz uma revisão da literatura científica sobre as relações mãe-bebê na depressão pós-parto e traz revelações surpreendentes que nós clínicos desconfiávamos existir na interação de uma mãe deprimida com seu filho.

Os dados que apresento a seguir são do Departamento de Pediatria da Escola de Medicina da Universidade de Miami, EUA, e publicados por Tiffany Field, Maria Hernandez-Reif e Miguel Diego, resultados de mais de uma década de estudo nessa área.
Mães deprimidas são descritas como tendo dois padrões diferentes de comportamento durante suas interações com seus bebês:

Comportamento retraído ou desestimulante – mães que ficam cerca de 80% do tempo distantes de seus bebês e não respondem quando eles estão aflitos, incluindo pouca verbalização com a criança, pouco contato físico, dificuldade em olhar o bebê e atitudes negligentes.

Comportamento intruso ou super-estimulante – mães que cuidam de seus bebês de forma áspera e os tratam de maneira irritadiça ou agressiva em cerca de 40% do tempo, incluindo brincadeiras brutas, cutucões, puxões e beliscões.

Por sua vez, bebês de mães retraídas protestam até 30% do tempo e prestam atenção em suas mães em menos do que 5% do tempo, enquanto bebês de mães intrusas protestam apenas 5% do tempo, mas passam até 55% do tempo evitando suas mães. Portanto, existe uma resposta do bebê ao comportamento da mãe, o que tem sido foco de alguns estudos.

Estudos do Perfil Fisiológico e Bioquímico das Mães Deprimidas e seus Bebês
Num primeiro estudo os autores gravaram em vídeo as interações entre mães intrusas e retraídas e seus respectivos bebês aos 3 e 6 meses de idade e submeteram-nos nesses períodos a exames de Eletroencefalograma (EEG) e urina. As interações foram classificadas de acordo com escalas pré-validadas para a mãe e o bebê que avaliam diversos aspectos da interação, como atividade física, olhar, expressões faciais, vocalizações, nervosismo, dentre outros.

Mães intrusas demonstraram mais expressões de raiva e menos expressões de ansiedade, enquanto que mães retraídas mostraram menos expressões faciais em geral e obtiveram escores inferiores de interação com seus bebês. Os bebês de mães retraídas mostraram também menos expressões faciais, menor atenção dirigida às suas mães e escores de interação mais baixos do que os bebês de mães intrusas.

No terceiro e sexto mês mães intrusas tiveram maior ativação frontal esquerda pelo EEG e mães retraídas maior ativação frontal direita. Outros estudos relacionaram a ativação frontal esquerda ao comportamento de aproximação em adultos e a ativação frontal direita ao comportamento retraído. Já os bebês, tanto os de mães retraídas como intrusas, aos 3 meses apresentaram maior ativação frontal direita pelo EEG e, aos 6 meses, os bebês de mães intrusas mudaram o padrão de ativação para maior ativação frontal esquerda.

Os exames de urina avaliaram os níveis de adrenalina, noradrenalina, dopamina, serotonina e cortisol aos 3 e 6 meses. Ambos os grupos de bebês tiveram níveis aumentados de cortisol e dopamina aos 3 meses, mas aos 6 meses bebês de mães intrusas mostraram níveis mais elevados de dopamina do que bebês de mães retraídas, que apresentaram queda nos níveis de dopamina. Os níveis maiores de dopamina estão relacionados à mudança da ativação frontal direita para a esquerda no EEG em bebês de mães intrusas. Esse achado é consistente com a literatura que sugere que a dopamina é um neurotransmissor estimulatório e que níveis altos de dopamina estão associados com características como extroversão e aumento de energia, enquanto que níveis baixos com comportamento inibido, depressivo ou ansioso.

Com um ano de idade, bebês de mães intrusas são mais exploratórios e tem melhor desempenho em escalas de desenvolvimento mental do que as crianças de mães retraídas. Com um ano, mães intrusas têm menos sintomas depressivos do que mães com comportamento retraído.

Estudos do Toque de Mães Deprimidas com seus Bebês
A maioria dos estudos tem focado as expressões faciais e vocalizações das mães com seus filhos, demonstrando que mães deprimidas têm menor entonação e as expressões faciais mudam relativamente pouco em relação às mães saudáveis. O toque da mãe com o bebê tem sido menos estudado, mas é um dos comportamentos que mais diferenciam as mães intrusas das retraídas.

O toque positivo é um estímulo reconfortante. Em estudos que pediram para as mães fazerem uma cara inexpressiva para seus bebês, eles reagiram com mais ansiedade e desconforto do que no grupo em que as mães, além de fazerem a cara sem expressão, tocaram seus filhos. Isto é, bebês de mães deprimidas ficam menos aflitos quando são tocados pela mãe.

Um estudo que comparou 88 mães intrusas e retraídas, através de interações mãe-bebê filmadas, demonstrou que mães intrusas tocam seus filhos quase duas vezes mais do que mães retraídas (80% x 52%). Também houve maior incidência de toque negativo (p.ex. cutucar, puxar, rebocar) entre as mães intrusas (76% x 22%) e menor incidência de toques positivos (p.ex. brincadeiras gentis, carinho) do que em mães retraídas (4% x 30%). Portanto, mães deprimidas intrusas tocam mais seus filhos, mas de forma negativa, do que mães deprimidas retraídas.

A Percepção da Mãe em Relação ao seu Comportamento e ao Bebê
Um achado surpreendente na literatura é de que mães deprimidas percebem seus bebês mais negativamente do que as mães saudáveis, mas percebem seu próprio comportamento mais positivamente do que as mães saudáveis.

O resultado de um estudo com 30 mães deprimidas e seus bebês de 3-6 meses de idade revelou que mães intrusas reconheceram seu comportamento super-estimulante, mas já mães retraídas subestimaram seu comportamento quando confrontadas com gravações de mães igualmente retraídas, sugerindo que as mães retraídas tenham dificuldade em reconhecer o seu próprio comportamento desestimulante, apesar de reconhecerem esse comportamento em outras mães.

Em relação aos bebês, mães intrusas e retraídas julgaram seus bebês mais descontraídos e menos tímidos do que na avaliação dos observadores do estudo, mostrando que ambas têm dificuldade e resistência em avaliar seus filhos negativamente.

No mesmo estudo mães foram apresentadas a videos com crianças chorando. As mães intrusas demonstraram impaciência e raiva e mães retraídas ficaram mais aflitas, porém respondendo de forma desinteressada. O mesmo padrão de empatia pode ser demonstrado em filhos de mães deprimidas em idade pré-escolar. Um estudo gravou a resposta emocional de crianças de 3 anos quando suas mães fingiam ter se machucado. Novamente dois padrões principais de empatia foram observados, um impaciente-irritado e outro incomodado, mas desinteressado, sugerindo que as crianças possam imitar as respostas emocionais de suas mães.

Mães Deprimidas com Boa Interação com o Bebê e que não são Classificadas como Intrusas ou Retraídas
Algumas mães deprimidas não podem ser classificadas como intrusas ou retraídas por terem uma boa interação com seus bebês. Num estudo de acompanhamento por 1 ano o grupo de pesquisa da Universidade de Miami classificou o grupo de mães deprimidas da seguinte forma: 41% eram intrusas, 38% retraídas e 21% tinham boa interação com o bebê.

Nesse estudo eles compararam as mães deprimidas com boa relação com aquelas intrusas e retraídas. Essas mães tiveram escores melhores nas escalas de aproximação e inibição do que mães intrusas e retraídas respectivamente, reafirmando a superioridade qualitativa da interação com seus bebês.

Entretanto, o perfil bioquímico das mães deprimidas com boa interação foi semelhante às demais, com aumento de níveis de noradrenalina, e seus filhos também foram semelhantes aos filhos de mães intrusas e retraídas, com aumento dos níveis de cortisol e diminuição dos níveis de dopamina no período neonatal.

Filhos de mães deprimidas com boa interação não mostraram os altos índices de sono indeterminado como os bebês de mães retraídas ou intrusas, tiveram menor ativação frontal direita no EEG, obtiveram bom escores em escalas de desenvolvimento (semelhante a bebês de mães saudáveis), porém tiveram mais sintomas depressivos do que bebês de mães saudáveis. Isso sugere que bebês de mães com boa interação são menos desregulados do que bebês de mães intrusas ou retraídas, o que pode contribuir para que a mãe continue tendo um bom padrão de interação. Esse grupo de crianças também está menos sujeito a atrasos do desenvolvimento.

Conclusões
Esse artigo traz dados contundentes para refletirmos sobre a importância de prevenir a depressão pós-parto e, quando desencadeada, tratá-la efetivamente o quanto antes. Inúmeros trabalhos já chamaram a atenção para a importância das fases precoces do desenvolvimento da criança para a sua saúde psíquica, da necessidade da interação mãe-bebê para o desenvolvimento de nossa cognição, de nossas reações emocionais, entre outras funções essenciais. O desenvolvimento da linguagem, p.ex., está intimamente ligado à capacidade da mãe estimular a criança com conversas ou estórias.

Os primeiros anos na vida de uma criança são cruciais na formação das funções essenciais para a fase adulta e problemas da infância podem trazer prejuízos tardios ainda pouco conhecidos e explorados (leia a minha palestra sobre os Mecanismos de Adoecimento Psíquico publicada neste blog em 26/04/06).

Portanto, identificar ainda durante a gestação sinais de depressão é importante para uma intervenção mais precoce. Os obstetras precisam estar atentos aos aspectos emocionais da gestante, bem como os pediatras precisam observar a mãe e sua interação com o bebê, para encaminhá-las ao especialista no primeiro sinal de depressão (leia mais sobre depressão pós-parto no meu artigo sobre Depressão e Transtorno Bipolar publicado neste blog em 10/05/06).

A maioria dos casos de depressão pós-parto chegam ao psiquiatra com 6 meses ou 1 ano de atraso, quando já há muitos prejuízos para a mãe e seu bebê, quando as relações disfuncionais estão cristalizadas.

O tratamento da depressão pós-parto envolve medicação e terapia. Os antidepressivos são os medicamentos de escolha, havendo antidepressivos que podem ser tomados sem prejuízos à amamentação, preocupação que muitas vezes afasta a mãe do tratamento, por medo de ter que interromper o aleitamento. A terapia deve focar aspectos emocionais e preocupações da mãe, produzindo reflexões e estimulando a auto-crítica em relação aos padrões de comportamento na interação com o bebê, valorizando o contato positivo. Algumas técnicas como treinamento de interações mãe-bebê em sessões conjuntas e o uso da música como intervenção mostraram-se eficazes em alguns estudos.

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