Morte de Eduardo Coutinho provoca reflexões sobre a esquizofrenia.
Mais uma vez assistimos a esquizofrenia no centro das páginas policiais sendo responsabilizada por mais uma tragédia, desta vez envolvendo a família de Eduardo Coutinho, cineasta, que foi morto a facadas pelo seu filho, Daniel Coutinho, presumidamente portador de esquizofrenia, e que também esfaqueou sua mãe e tentou depois se matar.
Informações inicialmente divulgadas pela imprensa diziam que o filho do cineasta, visivelmente perturbado, teria dito a um vizinho que “queria salvar o pai e toda a família”. Depois de ser interrogado pela polícia, Daniel teria confessado o crime e houve declarações do delegado responsável de que não seria possível atestar se as motivações para o crime teriam realmente relação com a doença mental e que seria necessário aguardar o exame pericial do acusado.
Mesmo que a investigação policial demonstre que não foi a doença mental a principal responsável pelo assassinato de Eduardo Coutinho e que Daniel possuía, no momento do crime, consciência e capacidade de discernimento de seu ato, os efeitos devastadores que uma notícia como esta tem, vinculada a uma doença já muito estigmatizada, não poderão ser mais reparados.
Crimes como este, que sejam cometidos por pessoas com esquizofrenia ou que prematuramente são atribuídos a doença, grudam no imaginário das pessoas e reforça o preconceito de que a doença mental, principalmente a esquizofrenia, oferece riscos a sociedade e que pessoas que dela sofrem precisam ser afastadas, institucionalizadas ou encarceradas.
Um estudo norte-americano comparou a percepção das pessoas sobre a esquizofrenia nos anos 50 e atualmente e verificou que, apesar da sociedade estar melhor informada, o preconceito contra os doentes mentais aumentou nas últimas décadas e o grande responsável por isso é a associação com a violência e o receio que as pessoas em geral têm de serem vitimadas por algum paciente.
Existem inúmeros estudos que comparam as taxas de violência e de crimes cometidos por pessoas com esquizofrenia com a população geral e eles são unânimes em afirmar que pessoas com esquizofrenia cometem menos crimes do que a população geral e que eles são muito mais vítimas de alguma violência do que algozes dela.
Em todas as campanhas contra o estigma e o preconceito escuta-se que pessoas com esquizofrenia não são violentas, de que é uma doença como outra qualquer e que com o tratamento as pessoas podem se recuperar e levar uma vida normal. Porém, reportagens de jornais relacionando crimes a doentes mentais têm aumentado muito nas ultimas décadas e isto contribui para alimentar esta sensação na sociedade. Notícias como esta do assassinato de Eduardo Coutinho, jogam por terra qualquer esforço de combate ao estigma e são capazes de destruir anos de trabalho.
Após a deputada Gabrielle Gifford ser baleada em Tucson, Arizona, por um homem que saiu atirando a esmo, uma mulher esquizofrênica escreveu para o presidente Obama: “Eu estou muito preocupada com o problema das pessoas com doença mental grave que não são tratadas neste país. Quando violentas, elas mancham a nossa reputação. Eu sinto isto na pele… Por favor, cuide para que tragédias como esta não se repitam.”
Um estudo com 802 pacientes mostrou que os violentos tinham quase duas vezes mais chance de não terem aderido ao tratamento do que os não violentos. Vários estudos confirmaram que o tratamento com antipsicóticos reduz o comportamento agressivo nos pacientes. O reconhecimento e o tratamento precoce dos pacientes podem ser, portanto, medidas úteis tanto para reduzir os casos de violência associados à doença mental como para combater o estigma na sociedade.
O problema parece ser ainda mais complexo quando serviços de assistência e muitos profissionais de saúde e familiares de pacientes parecem não compreender ou não trabalhar o suficiente para que pacientes com esquizofrenia sejam logo conduzidos a um tratamento. Essa não é uma realidade somente no Brasil, mas países em desenvolvimento vêm se preocupando em acelerar o atendimento a essas pessoas com programas de governo para o atendimento às pessoas com o primeiro episódio psicótico.
Pesquisas demonstram que o atraso médio para um primeiro atendimento chega a 1 ano após o início dos primeiros sintomas psicóticos. Sabemos das dificuldades muitas vezes de reconhecer os sintomas, de convencer o paciente a aceitar ajuda, pois a negação de estar doente no começo é quase unânime entre os pacientes, de encontrar serviços capacitados para este primeiro atendimento, porém é preciso difundir a informação de que o atraso no tratamento pode acarretar sérios riscos à saúde dessas pessoas, inclusive com o risco de suicídio.
Existem quatro fatores que impactam negativamente o prognóstico da esquizofrenia e que podem dificultar a recuperação do paciente, ou seja, a forma como ele vai sair do estado psicótico, se conseguirá retomar suas atividade e relacionamentos, como será sua qualidade de vida: (1) tempo de demora para iniciar o tratamento médico; (2) falta de adesão ao tratamento médico – 3 em cada 4 pacientes interrompem o medicamento por conta própria nos primeiros dois anos de tratamento e tem recaídas; (3) abuso de drogas – mais de 50% dos pacientes tem histórico de abuso de maconha; (4) famílias com alto nível de sobrecarga emocional, como expectativas e cobranças excessivas, muita crítica ou hostilidade com o paciente.
Hoje um tratamento abrangente para a esquizofrenia deve contemplar necessariamente as estratégias de enfrentamento desses quatro fatores: (1) serviços e profissionais treinados para o reconhecimento precoce da esquizofrenia e demais transtornos psicóticos, com educação de pais e professores, que são os mais capazes de fazer acender a luz amarela e buscar logo uma avaliação nos primeiros sinais; (2) médicos capazes de reconhecer precocemente a não adesão do paciente ao tratamento (pesquisas mostram que muitas vezes a família não consegue identificar que o paciente não está tomando a medicação regularmente) e prescrição de antipsicóticos de longa ação (injeções mensais) para garantir o tratamento farmacológico que o paciente necessita para não ter recaídas; criação de serviços de medicação de longa ação nos hospitais, ambulatórios e CAPS, para permitir o fluxo de pacientes que necessitam deste recurso; (3) atendimento das comorbidades, principalmente dependência química, através de grupos de ajuda e oficinas para dependentes; (4) fazer com que a informação sobre a esquizofrenia chegue a todas as famílias que estejam envolvidas, estimular a criação de grupos de auto-ajuda na comunidade com famílias e pacientes com esquizofrenia para que possam buscar em conjunto as soluções para os principais conflitos; ampliação da rede social dessas famílias através de associações de familiares.
O Estado precisa cuidar dessas pessoas que estão em risco, oferecer apoio e tratamento, antecipando-se a possíveis tragédias. Seria uma maneira de prevenir que crimes cometidos por pessoas mentalmente doentes ocorram e ganhem a mídia. Dificilmente campanhas antiestigma terão sucesso diante do efeito que notícias como estas têm sobre as pessoas.
Infelizmente, a mídia gosta e alimenta a parte “obscura” da psiquiatria. Não somente associado à esquizo, mas à outras patologias como a sociopatia e outros TP. Nem todo esquizo é violento, o que na verdade é um número pequeno, como bem citaste. Nem todo sociopata é assassino, a maioria não o é. Porém, os casos “chocantes” possuem tanta atenção da mídia que o conhecimento da doença em si fica em segundo plano (ou terceiro). E isso entra na cabeça de leigos fortemente. Quem lembra das sessões de eletrochoque de antigamente? Hoje, o conduta é diferente para a ECT, mas o pensamento assustador e chocante permanece na sociedade.
A psiquiatria e saúde mental ainda engatinham no país. Uma pena.
enquanto a fabrica de ganhar dinheiro nao fechar dos medicos e cientistas e laboratorios . isso vai continuar e nao culpa dos doentes nao quando acontece isso joga a culpa nos doentes ne ?
Comentário atrasado, é verdade, mas antes tarde do que nunca. Creio ser um contra senso dizer que hoje a sociedade está mais informada, mas que o preconceito aumentou. Se o preconceito aumentou, é porque o governo, com a desculpa da “reforma psiquiátrica”, abandonou os doentes e suas famílias, fechando vagas em hospitais e despejando os doentes na rua. Na Suíça, que é uma democracia e um dos países como maior qualidade de vida do mundo, isso não existe. O paciente tem toda uma estrutura de tratamento, que pode, sim, incluir internação para o resto da vida nos casos mais graves, e oficinas protegidas e moradia assistida em grande parte dos casos. Levar uma vida normal significa ser independente da família, e essa independência, pelo menos no caso do esquizofrênico, não pode ser conseguida através da própria família.
Óbvio que o doente não tem culpa, mas ele precisa ser tratado por especialistas. A família não tem condições de forçá-lo a se tratar, se ele não quer. Você pode imaginar o que é uma mãe velhinha tentando dar remédio para seu filho, um homenzarrão de 150 kilos que não quer tomar remédio de jeito nenhum?
Além disso, a família tende naturalmente a subestimar a periculosidade de seus membros.