O perfil do assassino de Realengo

O massacre da Escola Municipal Tasso da Silveira, no bairro de Realengo, no Rio de Janeiro (07/04/11) provocou grande comoção nacional e repercutiu no mundo todo. A perplexidade diante das mortes violentas de crianças e adolescentes provoca um sentimento coletivo de indignação e incompreensão. A primeira pergunta que se faz é o que teria motivado esta barbárie? Seria o assassino um terrorista, um serial-killer ou um doente mental?
Quando apareceram os primeiros indícios da motivação para o crime, como a carta deixada pelo assassino, Wellington Menezes de Oliveira, 24 anos de idade e ex-aluno da escola, e alguns depoimentos de amigos e familiares, a tese de que ele poderia ter um desequilíbrio emocional prevaleceu. Mas seria possível e razoável afirmarmos que Wellington possuia uma doença mental?
A carta deixada por ele antes de matar 12 adolescentes na escola e depois se suicidar deixa claro que tudo foi metodicamente planejado. Ele já sabia que faria várias vítimas e que depois terminaria com a própria vida. A maneira como executou seu plano macabro também revela que houve preparo e treinamento, pois demonstrou ter habilidades com arma de fogo, tinha duas pistolas calibre 38 e carregadores que o permitiam carregá-las rapidamente. A polícia apurou que houve em torno de 59 disparos em 3 ou 4 minutos de ação, até que fosse baleado por um policial militar e se matasse com um tiro na cabeça.
Uma mensagem deixada por um anônimo numa comunidade do Orkut uma semana antes anunciava que haveria uma chacina em uma escola municipal que faria as pessoas lembrar de Columbine, nos EUA.
Estas evidências demonstram a intenção assassina de Wellington, que, na mesma mensagem do Orkut, justificava se vingar das pessoas que dele bulinaram naquela mesma escola. As vítimas, porém, eram dez anos mais novas que ele.
Que Wellington possivelmente estava transtornado e mentalmente desequilibrado não há dúvida. Porém, não se pode afirmar que ele estivesse com alguma doença mental. Isto somente poderia ser confirmado através do exame psíquico do assassino. Mas em tese e diante do que já foi noticiado na mídia é possível levantar algumas hipóteses.
Na carta deixada por ele, Wellington deixa transparecer idéias religiosas e sexuais. Pede para ser lavado e envolto despido em um pano branco que trazia consigo na mochila, mas que ele não fosse tocado sem luvas por pessoas impuras ou adúlteras, apenas por pessoas castas ou que perderam sua castidade após o casamento. “Nenhum impuro pode ter contato direto com um virgem sem a sua permissão.” É possível que o assassino tivesse conflitos sexuais ou passado por traumas sexuais em sua infância ou juventude que influenciaram sua personalidade.
A referência a bullying na escola também é relevante, uma vez que o bullying está relacionado com diversos problemas mentais e da personalidade na vida adulta. Nos crimes semelhantes a este que ocorreram nos EUA, o bullying estava presente na maioria dos assassinos. Eles também tinham uma atitude mais reservada e introspectiva, como a de Wellington, segundo consta de alguns relatos de familiares e amigos do assassino (perfil que também está associado a maior ocorrência de bullying).
Este temperamento mais retraído e de isolamento social, entretanto, não justifica a atitude de Wellington, afinal este temperamento é comum em outras pessoas e não está relacionado a atitudes violentas. Porém, o fato de não ser uma pessoa que se vincula afetivamente a outra, pode fazê-lo menos temeroso quanto a atos homicidas ou suicidas. Na prática clínica vemos o quanto ter pessoas amadas, como pais e filhos, evita um ato suicida, por exemplo.
A morte da mãe adotiva no ano passado, que parece ter sido uma referência importante em sua vida (ele foi adotado ainda criança), pode ter sido um ingrediente explosivo desta trama que provavelmente já se desenhava em sua mente. Há relatos de que após a morte da mãe adotiva o comportamento de Wellington mudou e ele passou a adotar uma outra aparência, vestindo roupas pretas e usando barba grande. Ele pode ter perdido uma das poucas referências afetivas de sua vida e tornado-se mais corajoso para o ato que planejava.
Existem relatos de que a mãe biológica de Wellington sofria de algum transtorno mental, que teria sido internada e que teria tentado o suicidio em algum momento de sua vida. Há outros relatos que dão conta de que ela poderia ter esquizofrenia. Sabemos que as doenças mentais em geral possuem uma carga genética, embora ter um pai ou uma mãe doente não signifique que necessariamente o filho também adoecerá. Esta carga genética não é específica para a doença A, B ou C, mas determina a vulnerabilidade da pessoa, que diante do estresse e traumas da vida pode desencadear um transtorno mental (ao menos é isto que a ciência nos permite afirmar atualmente). Os fatores ambientais, portanto, possuem um peso importante, podendo ser responsáveis por metade do risco de doença. Porém, ter uma predisposição genética poderia ser um fator facilitador de um transtorno na vida adulta, principalmente diante dos fatores psicossociais que já abordamos.
Isto não significa que Wellington pudesse ter esquizofrenia. Particularmente acho esta hipótese pouco provável, pois um indivíduo esquizofrênico não teria a capacidade de organização e pragmatismo para arquitetar todo este plano homicida. A esquizofrenia acomete diversos aspectos diferentes do psiquismo da pessoa e costuma provocar uma desagregação do comportamento, do pensamento e das emoções. Caso ele fosse esquizofrênico, certamente daria sinais claros da doença muito antes de ser capaz de um ato deste.
Existem outras hipóteses mais prováveis, como um transtorno de personalidade esquizóide (que explicaria o seu retraimento, dificuldades sociais e excentricidades) ou anti-social (psicopatia). É possível também que ele estivesse sob efeito de drogas (embora isto também não explique um comportamento como este). Todavia é importante frisar que nenhuma patologia mental seria suficientemente capaz de explicar um ato desta monstruosidade.
Embora seja muito difícil traçar um perfil psicológico do assassino e dizer qual a provável patologia por trás deste massacre, devemos alertar a sociedade para alguns pontos que julgo importantes neste caso: o bullying nas escolas, o papel da família e das referências afetivas para a constituição da personalidade da pessoa em formação, o acesso aos serviços de saúde mental, seja a partir da escola ou das famílias que percebem problemas psicológicos em seus membros e a facilidade com que se consegue armas e munição em nosso país.
Por fim, me vejo no papel de alertar para o preconceito que já existe contra aqueles que sofrem de transtornos mentais. Estudos no mundo inteiro comprovam que doentes mentais não são mais violentos do que pessoas saudáveis, que é muito mais comum um paciente ser vítima do que algoz de algum tipo de violência.
Não vamos depositar nosso desconforto de cogitar que um ser humano possa ser capaz de tamanha atrocidade na conta dos doentes mentais, pois eles não merecem isso!

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