Pesquisa do IPOBE mostra preocupações de cuidadores e familiares de pacientes com esquizofrenia.
Absorção em tempo integral e dedicação exclusiva. Essas são as principais características do cuidado ao paciente com esquizofrenia, conforme apontaram as entrevistas em profundidade com 12 cuidadores na parte qualitativa da pesquisa Ibope realizada pela Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Esquizofrenia – ABRE em parceria com o Programa de Esquizofrenia da Unifesp – PROESQ.
Todos associados à ABRE, os cuidadores forneceram longos e emocionados relatos que apontam a esquizofrenia como um distúrbio que afeta a vida pessoal, profissional e os laços conjugais. Também compromete seriamente o lazer dos cuidadores dos pacientes, independente da fase estável ou em recaída.
Além disso, segundo dados da pesquisa, a doença produz forte impacto sobre as finanças da família, já que tanto os pacientes quanto os cuidadores ficam impossibilitados de exercer atividade economicamente ativa. As pessoas de menor renda sofrem mais com a doença, pois possuem menos acesso à informação, tratamentos e instituições, além de maior dificuldade de deslocamentos pela cidade.
Os cuidadores revelaram ainda que até contam com ajuda de outras pessoas (vizinhos, por exemplo), mas a responsabilidade sempre recai sobre eles. Desse modo, a esquizofrenia é percebida como um fardo emocional, um tipo de aprisionamento. “O cuidador é convocado a viver em função do paciente. Não por acaso, vários deles se aposentam.”, afirma José Alberto Orsi, diretor adjunto da ABRE.
Recaída é o problema mais temido
Todos os cuidadores entrevistados pelo Ibope admitiram ter presenciado episódios de recaídas até o momento da entrevista e que isso está relativamente sob controle, mas é um acontecimento não descartado para o futuro. No entanto, o cuidador fica em estado de alerta permanente e a demanda por cuidados aumenta significativamente.
Dois terços dos entrevistados afirmaram que o convívio com amigos ou familiares diminuiu, mas que isso independe das recaídas. Entretanto, praticamente todos disseram que a recaída interfere em suas vidas, principalmente nos relacionamentos.
As recaídas relatadas com sofrimento pelo cuidador tiveram como detonador a interrupção e/ou inadequação do medicamento como primeira causa. Metade dos entrevistados afirmou que a cada recaída o paciente fica sempre do mesmo jeito, ou seja, não são percebidas alterações de intensidade na crise. O que sempre muda é a temática de cada crise. Mas a outra metade indicou que a recaída é responsável pela piora progressiva do quadro da doença.
Entre os sintomas mais comuns durante as recaídas estão: olhar enviesado, alucinações, comportamento antissocial ou bizarro, desconfiança e perseguição, agitação e insônia, delírios, sensações viscerais, agressividade, ameaça, tentativa de suicídio e TOC – Transtorno Obsessivo Compulsivo.
No entanto, os cuidadores revelaram que, durante a recaída, os atos violentos são pouco comuns. Ocorre mais autoagressão do que tentativa de prejudicar alguém e, esses atos foram, em sua maioria, descritos como acontecimentos do passado, em período anterior ao tratamento atual, indicando maior estabilidade do paciente no momento da pesquisa.
Durante a recaída, os cuidadores revelaram adotar vários recursos antes de utilizar a medicação: ouvir o paciente durante horas, se conter, falar muito pouco, não contra-argumentar, não retrucar e não desqualificar as percepções do paciente. É necessário também propor atividades relaxantes e ocupacionais: muitos disseram que fazer uma oração com o paciente pode ser um bom recurso para acalmá-lo.
É possível, a partir das falas dos cuidadores, dividir as repercussões entre emocionais e objetivas. Entre as emocionais, figuram responsabilidade e compromisso em tempo integral, demanda do paciente por atenção, aprisionamento e solidão do cuidador vistos como fardo pessoal, resignação, estado de alerta constante, medo e estresse, sentimentos contraditórios como: culpa, raiva etc.
Como impactos objetivos, os cuidadores apontaram a dificuldade de conciliar a vida pessoal com a profissional, pois a doença os obriga a abrir mão de projetos e atividades, restrição da liberdade de ir e vir, perdas financeiras, risco de agressão física e verbal (principalmente durante as recaídas) sendo o cuidador o próprio alvo de ataques.
“A prescrição da medicação adequada, na dose certa, com constantes ajustes é um trabalho de modelagem a partir da interação paciente, cuidador e psiquiatra. É comum levar anos para achar o ponto ideal. O que, no início é um drama – fornecer o medicamento -, hoje está no geral assimilado pelo próprio paciente como uma necessidade. O tempo da doença somado a incidência de recaída vão trazendo aprendizados.”, explica o psiquiatra Rodrigo Bressan, coordenador do PROESQ/Unifesp.
Recompensas aparecem nas entrelinhas do discurso
Nem tudo é visto como negativo pelos cuidadores e as recompensas a tanto sofrimento aparecem nas entrelinhas dos depoimentos. São sentimentos positivos, por exemplo, a rede de solidariedade e a união que a adversidade às vezes gera envolvendo membros da família, amigos e vizinhos.
Além disso, a parte boa de ser um cuidador é perceber-se como imprescindível e insubstituível, além de obter mais informações e conscientização sobre a doença. Há ainda o sentimento de dever cumprido, principalmente quando este cuidador consegue apoio e atendimento, unir a família, manter a situação sob controle com a ajuda de medicamentos e atenção e empatia do outro.
Fonte: bonde.com.br
>Abandonei um familiar com esquizofrenia e não me sinto nem um pouco culpada por isso. Aconselho todos a lerem uma entrevista do Dr Valentim Gentil, na qual ele critica a reforma psiquiatrica brsileira e afirma: "Para desinstitucionalizar o doente, é preciso dar-lhe autonomia". Ficar com a familia de origem depois de adulto é ruim para qualquer um. Além disso, o cuidador geralmente é um familiar leigo, e o doente erquer um profissional.Responsabilizar a familia pelo cuidado com o doente na melhor das hipoteses leva à sério comprometimento de duas vidas, ao invés de uma. E tem um impacto econômico igualmente negativo para o pais: ao invés de uma, são duas pessoas sem trabalho e sem possibilidades de consumo. Naturalmente, se a familia assim o deseja, deve se responsabilizar pelo doente. Mas não deveria ter de faze-lo por falta de alternativas.