Antibióticos na infância podem aumentar o risco de doenças mentais.
Apesar de todo o bem que fazem, os antibióticos, se usados demais, podem ter desvantagens bem drásticas. Em particular, o uso em excesso pode criar superbactérias resistentes a futuros antibióticos. Mas um novo estudo publicado na semana passada na JAMA Psychiatry sugere que existe uma outra consequência mais sutil do uso de antibióticos, pelo menos em pessoas jovens: um risco mais alto de desenvolver doenças mentais sérias, como transtorno obsessivo-compulsivo e esquizofrenia.
Nos últimos anos, tem havido um interesse científico renovado na ideia de que infecções comuns podem aumentar o risco de desenvolver a doença de Alzheimer na terceira idade. Mas pesquisadores também encontraram provas de que as infecções infantis podem aumentar o risco de doença mental ainda mais cedo na vida. Uma hipótese comum subjacente para ambas as teorias é que essas infecções podem causar inflamação crônica ou outros efeitos colaterais no corpo que danificam diretamente o cérebro.
Mas o autor do estudo, Robert Yolken, neurovirologista da Faculdade de Medicina da Universidade Johns Hopkins, e sua equipe decidiram explorar uma possível explicação diferente para a razão pela qual as infecções estão ligadas à doença mental.
Yolken especulou que mudanças no microbioma intestinal — o mar vivo de bactérias que vive em nosso sistema digestivo — também podem prejudicar o cérebro. Isso porque o microbioma intestinal ajuda a coordenar o eixo cérebro-intestino, uma complexa rede de comunicação de sinais hormonais e nervosos entre o intestino e o cérebro que regula o corpo. E uma das maneiras mais destrutivas de mudar o microbioma é tomando antibióticos, muitos dos quais matam indiscriminadamente tanto bactérias inofensivas quanto as problemáticas.
Portanto, para o estudo, Yolken e seus colegas na Dinamarca analisaram o histórico médico de todos os residentes dinamarqueses nascidos entre 1995 e 2012, totalizando pouco mais de um milhão de crianças. Estudaram especificamente crianças que tinham tomado medicamentos antimicrobianos, quase sempre antibióticos, para alguma infeção antes dos 18 anos de idade. Em seguida, acompanharam o seu histórico de saúde mental durante uma média de 10 anos. Também compararam o seu destino a um grupo de controle de crianças dinamarquesas a quem tinham sido prescritos medicamentos para combater os germes, mas que, por qualquer razão, nunca os receberam de fato (uma razão comum pode ser que essas crianças simplesmente melhoraram sozinhas antes de os pais terem ido para a farmácia local).
“O que basicamente descobrimos foi que a exposição a antibióticos, particularmente antibióticos de longo prazo ou múltiplas doses de antibióticos, estava associada a um risco aumentado de qualquer número de distúrbios psiquiátricos diferentes”, disse Yolken ao Gizmodo.
Apenas 3,9% das crianças no total, cerca de 42 mil, foram posteriormente hospitalizadas e diagnosticadas com qualquer distúrbio de saúde mental, enquanto 5,2%, 56 mil crianças, mais tarde receberam uma receita para um medicamento antipsicótico. Mas, em comparação com as crianças não tratadas, as crianças que receberam antibióticos tiveram uma chance visivelmente maior de uma dessas coisas acontecer com elas.
Crianças que foram hospitalizadas e tratadas por uma infecção foram 84% mais propensas a serem hospitalizadas por doença mental e 42% mais propensas a receberem antipsicóticos. Mas mesmo as crianças que só foram prescritas antibióticos para uma infecção ainda tinham 40% e 22% mais probabilidade de serem hospitalizadas por doença mental ou receberem antipsicóticos, respectivamente. Em ambos os cenários, o maior risco associado foi visto em crianças que receberam antibióticos, enquanto nenhum risco adicional foi visto em crianças que receberam medicamentos antivirais ou antifúngicos.
“Isto não é para assustar ninguém. Se estamos falando de pais cujos filhos recebem antibióticos para uma infecção no ouvido — uma dose não vai fazer muito.”
O uso de antibióticos, obviamente, não é o único fator que influencia o risco de doença mental de uma pessoa. A equipe também conseguiu olhar para o histórico de saúde mental dos irmãos das crianças tratadas. Em comparação com os irmãos, as crianças tratadas tinham um maior risco de doença mental, mas em menor grau do que quando comparadas com o público em geral. Em outras palavras, a genética ou o ambiente compartilhado de uma pessoa também parece desempenhar um papel importante para torná-la vulnerável a doenças mentais.
Yolken também não descarta a possibilidade de que as próprias infecções, particularmente as que ameaçam a vida, ainda possam danificar diretamente o cérebro. Mas, quando olhamos para as infecções menores, os autores dizem que são os antibióticos que são provavelmente um fator maior.
Em última análise, um estudo populacional como esse não pode provar que A causa B ou vice-versa; só pode mostrar uma associação indireta entre eles. Mas o estudo, diz Yolken, é o maior e mais extenso do gênero. E Yolken e outros esperam seguir com pesquisas com animais que possam mostrar diretamente como um microbioma intestinal danificado por antibióticos pode aumentar o risco de doença mental.
“Isto não é para assustar ninguém. Se estamos falando de pais cujos filhos recebem antibióticos para uma infecção no ouvido — uma dose não vai fazer nada demais”, disse Yolken. “Mas, a nível de população, ou de cuidados médicos, eu acho que é importante tentar limitar os antibióticos que recebemos durante nossa infância, especialmente no primeiro ou segundo anos de vida.”
Por causa da crescente resistência aos antibióticos, já existe um esforço dedicado por parte de alguns médicos e hospitais para reduzir ou informar melhor o uso deles. Muitos médicos, às vezes a pedido dos pacientes, tendem a prescrever antibióticos quando não são necessários ou úteis, seja porque uma infecção é curta e leve ou porque não é causada por bactérias em primeiro lugar. Essas reformas incluem escrever menos prescrições antibióticas, encurtar a duração de um tratamento ou usar drogas de espectro mais reduzido que só podem visar alguns tipos de bactérias.
“Isso só acrescenta uma razão adicional para diminuir o uso de antibióticos”, disse Yolken.
Fonte: Gizmodo/uol
Muito interessante a informação, realmente faz muito sentido, embora seja ainda baseada em amostragem muito pequena. Contudo, se podemos tentar diminuir o uso voluntário de antibióticos na infância e mesmo depois, é muito mais difícil controlar a ingestão dessas substâncias presentes nos alimentos de origem animal que fazemos uso, como demonstram alguns estudos, em níveis bastante preocupantes. Esse é um problema a ser divulgado é debatido seriamente na sociedade. Parabéns pelo artigo Dr. Leonardo.