Depoimento de jovem viciado em ‘vape’ revela a gravidade da dependência de cigarros eletrônicos

Eu comecei a fumar cigarro branco quando tinha por volta de 14 anos, hoje tenho 23. Era um cigarro avulso, o que cresceu para no máximo três por dia até que, com 16 anos, eu já fumava uns 10 cigarros diariamente. Com 17, fiz um intercâmbio para os Estados Unidos, durante o último ano do Ensino Médio. Foi em 2017, bem na época em que estava crescendo muito o consumo dos cigarros eletrônicos por lá, já era uma febre.

Nas escolas era muito comum, porque ele não deixa cheiro nem rastro. Algo que me impedia de fumar ainda mais era justamente o cheiro que ficava nas mãos, no cabelo, nas roupas. O vape apareceu como uma “solução” para esses problemas. Ele é muito mais fácil de utilizar em qualquer espaço. Se você prender o vapor por um tempo, por exemplo, ele até some. Então muitas pessoas usavam até nas salas de aula ou escondidas no banheiro.

Foi quando comecei a usar o cigarro eletrônico e a ter um contato ainda maior com a nicotina. Era um fácil acesso e fácil consumo que me deixou viciado na época. Comecei a fumar entre as aulas, passou a ser algo constante. E progrediu muito rápido, assim como foi com todas as pessoas que eu conheço que também usam ou usaram vape. Os fabricantes fazem justamente para ser atrativo: é colorido, com gosto de fruta, é mais tranquilo e saboroso do que o cigarro convencional.

Eu comecei a perceber que se tornou um problema quando não conseguia ficar 30 minutos sem fumar. Nessa época, há cerca de dois anos, eu estava viajando para um evento com um amigo, e ele me contou que eu acordava no meio da noite para fumar, e eu não me lembrava. Meu corpo estava acordando sozinho para sustentar esse vício, eu fiquei em choque naquele momento. Comecei a acompanhar meu sono e vi que ele de fato tinha piorado muito.

Essa questão do “parar de fumar” acho que é algo que todo fumante sabe que em algum momento vai precisar fazer, porque sabe que é prejudicial. Desde aquele momento eu sabia que precisava parar, mas o estalo mesmo veio no meio do ano passado, quando percebi que estava muito afetado psicologicamente. Estava me afundando em depressão, vivendo de forma muito infeliz. E, analisando o que me deixava daquele jeito, uma das coisas era o cigarro.

Eu não cheguei a ter problemas pulmonares, na laringe ou na boca, nada. Os efeitos maiores foram os psicológicos. Mas uma amiga minha, por exemplo, precisou ir para o hospital depois de sofrer um derrame pleural por causa do vape. Então, se eu não tivesse parado, sabia que também podia acabar no hospital, já que fumava há nove anos.

Eu consumia 50 mg de nicotina por dia com os aparelhos, então foi e está sendo uma luta muito grande. No primeiro dia, quando parei de vez, surtei completamente, fiquei muito mal. O que tem me ajudado são os chicletes de nicotina, para ir reduzindo gradualmente essa dependência, e o acompanhamento psiquiátrico.

É muito uma questão de hábito, você estar ali sempre com o vape do lado, fumando, isso é difícil de desconstruir. Mas beber bastante água e mascar chiclete, mesmo sem nicotina, tem me ajudado também a lidar com essa ansiedade. Exercícios físicos, estar com minha família, sair, atividades que me dão prazer também.

Os piores momentos são depois de comer e ao acordar. Eu já faço tratamento para outras questões psiquiátricas, então o álcool é algo que eu cortei da minha vida há um tempo. Nesse ano, voltei a beber, mas de vez em quando e menos de uma taça, mais para degustar porque gosto muito de gastronomia. Porém, na primeira vez que bebi depois de ter parado de fumar, vi que é algo que de fato aumenta a vontade, então tenho evitado também.

Quando decidi parar de fumar, por sempre gostar de usar minhas redes para ter uma influência positiva, também quis criar um projeto que incentivasse outras pessoas a tomarem a mesma decisão. Acho que para mim foi fundamental a decisão individual e também firmar esse compromisso público. Porque isso te dá uma rede de apoio, e o que eu quis foi criar uma rede que também ajudasse outras pessoas.

Com isso, surgiu a hashtag #semnicotina no TikTok, em que as pessoas também postam sobre suas experiências parando de fumar. E falar sobre isso nas redes também me ajuda. Querendo ou não, me coloca essa “obrigação” de dar o exemplo, o que para mim tem sido muito bom. E esse compromisso público eu acredito que não seja algo que apenas influenciadores possam fazer. Tem a ver com compartilhar com pessoas próximas sua decisão para que elas te ajudem.

Por volta de três semanas depois de termos começado, fui a uma faculdade aqui em São Paulo dar uma palestra, e muitas pessoas conheciam a hashtag e disseram ter começado a parar de fumar por causa dela. Tenho recebido mensagens de médicos, psiquiatras, pneumologistas que viram a campanha, então o resultado é muito positivo.

Mas acho que ainda falta muita informação. O vape é de fato algo construído para chamar a atenção de crianças e adolescentes. Tem dispositivos com tela touch screen, com fidget spinner, coloridos. Chegou a um nível em que é escancarado que o público dessas empresas é esse. E adolescente não pesquisa sobre as coisas, nós sabemos disso. Quando a gente é mais novo, queremos experimentar o mundo e não ligamos tanto para as consequências.

Então falta ainda que as informações corretas cheguem aos mais jovens e sejam compartilhadas em massa. A divulgação dessas informações, dos riscos, não tem sido feita de forma efetiva. Falta uma linguagem mais jovem e dentro das escolas.

Recebi muitas mensagens de colégios, por exemplo, relatando a situação caótica dentro deles, contando que de fato há um número absurdo de adolescentes fumando, inclusive dentro de sala de aula.

Por um período, a impressão era que estávamos entrando numa geração mais saudável, era comum ver vídeos de adolescentes fazendo mais esportes, mais preocupados. Mas acho que isso encontra uma barreira no vape. Porque tem muitos jovens que de fato pensam na saúde, muito pelo físico, mas muitos acabam fumando e não percebem que o vape afeta isso.

Fonte: Gustavo Foganoli, 23 anos, fala do processo de deixar os aparelhos e a iniciativa #semnicotina, em que compartilha a experiência com seus 5,5 milhões de seguidores. Depoimento divulgado pelo O Globo (22/05/24)

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