Estranhos a nós mesmos: todos deveriam ler!

Acabo de ler o livro de Rachel Aviv, “Estranhos a nós mesmos – histórias de mentes instáveis”, e considero uma leitura imprescindível para profissionais de saúde mental, pacientes, familiares e pessoas com interesse no campo da saúde mental.

Rachel é uma jornalista e repórter do New Yorker, residente no Brooklyn, em Nova York, e escreveu seu primeiro livro, considerado entre os 10 melhores livros do ano pelo The New York Times e The Wall Street Journal e melhor livro do ano pelo Los Angeles Times e Washington Post, dentre outras listas de publicações renomadas.

E de fato o livro de Rachel impressiona! Primeiramente por partir de sua experiência pessoal com o transtorno mental; sofreu anorexia nervosa na infância/adolescência, tendo sido hospitalizada aos 6 anos de idade. No primeiro capítulo ela faz um relato em primeira pessoa de sua experiência com a internação, com os remédios psiquiátricos, com o diagnóstico e o que ele significou em sua vida.

Nos capítulos seguintes, ela dedica cada um deles a uma personagem, paciente na vida real que ela investigou a fundo, consultando seus diários, registros médicos, entrevistando profissionais que os atenderam, familiares e amparando suas impressões em vasta bibliografia, da medicina e da psiquiatria à sociologia e filosofia, correlacionando-as à sua própria experiência. Ray, um médico dividido entre a psicanálise e a bioquímica, buscando uma compreensão para o seu quadro depressivo; Bapu, uma brâmane diagnosticada com esquizofrenia que fugia da família na busca de sua elevação espiritual; Naomi, uma mulher negra e encarcerada, vítima do racismo, buscando se reconciliar com os filhos após o diagnóstico de psicose; Laura, que após décadas passando por diagnósticos de bipolaridade e borderline e sendo “supermedicada”, decide se livrar dos remédios e escrever um blog para ajudar outras pessoas a se livrarem da dependência de antidepressivos; e Hava, amiga de internação de Rachel, a quem busca três décadas depois ao se reencontrar com os médicos que a trataram no Hospital Infantil de Michigan.

O livro fornece insight preciosos e produzem reflexões profundas para uma sociedade em que a psiquiatria e a psicofarmacologia se tornaram a principal resposta para o sofrimento psíquico das pessoas. Os relatos oferecidos por Rachel, além de impressionarem pela completude de sua vasta pesquisa jornalística, causam desconforto por colocar a psiquiatria e a psicofarmacologia na berlinda, uma vez que para nenhuma dessas personagens elas foram suficientes para explicar o sofrimento ou trazer um significado de superação ou de uma existência mais apaziguadora. O que as histórias reais mostram são pessoas em busca de sua verdadeira identidade, da conciliação de seu sofrimento com suas histórias de vida e relacionamentos, da compreensão de suas emoções enquanto vivências pessoais libertadoras e transformadoras, para as quais a psiquiatria e a psicofarmacologia falharam em dar respostas sustentáveis e, em muitos casos, passaram ao largo de suas trajetórias de vida.

Num tempo em que as pessoas buscam soluções rápidas e milagrosas para problemas reais da vida, muitas vezes recorrendo a medicações psiquiátricas como tábuas de salvação, esse livro é um alerta e ao mesmo tempo um alento, por não depositar nessas medicações as soluções para o sofrimento humano.

E antes que alguém tente desqualificar o livro antes de lê-lo: não, este não é um livro de antipsiquiatria e não faz apologia à desmedicalização. Rachel mesmo se medicou décadas com antidepressivos e reconhece os benefícios deles. Ela não parte da negação do transtorno mental, trata de forma respeitosa os psiquiatras e a psiquiatria, apenas traz a reflexão de quanto a saúde mental é pobre quando se tenta negar as emoções individuais e particulares de cada pessoa, a sua história, o seu ambiente, a sociedade e as pessoas de seu entorno. O quanto somos reducionistas e insuficientes quando propomos soluções prontas na forma de pílulas ou tratamentos padronizados e, pior, quando nos iludimos que desta forma estamos oferecendo um bom serviço à sociedade.

Por isso é uma leitura indispensável para todos que estejam imersos nessa realidade!

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