Estudos reforçam relevância clínica do lítio contra Alzheimer.
Estudos vem demonstrando a relação entre o Transtorno Bipolar (TBH) e demência (tanto vascular como Alzheimer) na terceira idade, principalmente quando a doença bipolar não é tratada adequadamente. O lítio, na forma de carbonato de lítio, é o regulador de humor mais eficaz e que controla todas as fases da doença (mania e depressão), considerado ainda hoje o “padrão-ouro” do tratamento do TBH.
No Congresso da Associação Americana de Psiquiatria (APA) em 2010 assisti a uma mesa redonda sobre o papel do lítio, falando do seu efeito neuroprotetor ainda que utilizado em doses baixas (o tratamento com lítio geralmente requer doses mais altas para a estabilização do transtorno). Sabe-se da dificuldade de alguns pacientes tolerarem o lítio em função dos efeitos colaterais, porém quando associado a outros reguladores, é possível utilizá-lo em doses mais baixas e que costumam ser muito bem toleradas pelos pacientes.
Os debatedores analisaram também uma pesquisa em que os pacientes que faziam tratamento com um estabilizador associado a doses baixas de lítio tinham menos queixas do que aqueles que faziam uso somente do estabilizador de humor sem o lítio.
Em conjunto esses achados reforçam a importância do carbonato de lítio ainda nos dias de hoje, em que o arsenal terapêutico do TBH é bem mais diversificado do que há 50 anos, quando as propriedades estabilizadoras do lítio foram descobertas.
Confira a notícia.
“Estudos realizados na Universidade de São Paulo (USP) reforçaram as evidências de que o lítio, amplamente utilizado no tratamento de transtorno bipolar, pode ter um efeito protetor contra o aparecimento da doença de Alzheimer. A pesquisa, que teve seus resultados publicados em 2011 na revista British Journal of Psychiatry, foi conduzido por Orestes Forlenza, do Laboratório de Neurociências do Instituto de Psiquiatria (Ipq) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
Forlenza apresentou os resultados em São Paulo durante o Brazil-Canada Prion Science Workshop 2012, realizado em março pelo Hospital A.C. Camargo.
O trabalho é resultado do Projeto Temático Neurobiologia da doença de Alzheimer: marcadores de risco, prognóstico e resposta terapêutica”, iniciado em 2010 e financiado pela FAPESP e coordenado por Wagner Gattaz, também do IPq.
De acordo com Forlenza, o experimento foi realizado com idosos com comprometimento cognitivo leve. Os resultados demonstram a relevância clínica da aplicação de baixas doses de lítio em pacientes que ainda não atingiram a fase demencial da doença de Alzheimer, reforçando a hipótese de que o medicamento possa ser utilizado na prevenção do problema.
“Os pacientes que receberam lítio não apenas ficaram mais estáveis clinicamente, do ponto de vista funcional e cognitivo, como tiveram menos deterioração de memória e de funções cognitivas”, disse Forlenza à Agência FAPESP.
Além disso, o experimento revelou uma evidência de modificação de um dos processos patogênicos centrais da doença de Alzheimer, que é a hiperfosforilação da proteína TAU, um processo que destrói o esqueleto das células, levando à morte dos neurônios. O lítio inibe a atividade da enzima GSK 3-Beta, que fosforila a TAU.
“O conjunto desses resultados mostra que possivelmente o lítio produz um efeito modificador da doença. Além da hipótese inicial, que era a inibição da enzima GSK 3-Beta, olhamos outros possíveis participantes desse efeito”, disse Forlenza.
Os estudos mostraram que há um aumento de fator neurotrófico derivado cerebral (BDNF), da função mitocondrial e da atividade de outras enzimas. “Tudo isso alinha em torno de um mecanismo múltiplo de modificação de vários processos patogênicos”, disse o pesquisador.
Tempo de seguimento
Há muitos anos a ciência acumula evidencias biológicas, experimentais – em modelos animais, em culturas de células, ou extrapolações por métodos de neuroimagem – de que o lítio poderia exercer ações neurotróficas ou neuroprotetoras. Mas até recentemente não havia nenhuma comprovação de que isso tivesse algum significado clínico ou benefício humano.
“Essa comprovação começou a se realizar quando publicamos, em 2007, um trabalho demonstrando que, quando ficam mais velhos, indivíduos que têm doença bipolar – e que portanto recebem lítio clinicamente por vários anos – têm uma menor taxa de demência que os indivíduos bipolares que foram tratados com outras terapias”, disse Forlenza.
Com base nessas constatações clínicas experimentais, o grupo da USP lançou um estudo randomizado para, de maneira bem controlada, avaliar o efeito neuroprotetor do lítio em indivíduos em risco de ter doença de Alzheimer. O modelo escolhido para essa finalidade foram os indivíduos com comprometimento cognitivo leve.
“Tínhamos como base dois trabalhos que foram publicados – um na Inglaterra, outro na Alemanha – usando lítio para tratar indivíduos com a doença de Alzheimer já em fase demencial”, explicou Forlenza.
O estudo britânico fracassou, segundo ele, porque os pacientes não toleraram o tratamento. As doses de lítio eram mais altas, houve uma alta taxa de abandono, impossibilitando que se chegassem a conclusões. O outro estudo multicêntrico europeu, feito na Alemanha, fez um ensaio com lítio em doença de Alzheimer leve por dez semanas. Também fracassou, porque não encontrou mudança nenhuma dos parâmetros clínicos e biológicos.
“Com base nessas informações, alinhamos então o nosso projeto para tratar não indivíduos com doença de Alzheimer já em fase demencial, mas em uma fase anterior a isso. Outro diferencial da nossa abordagem é que utilizamos o lítio em doses menores que as utilizadas clinicamente. Mostramos que essas doses são suficientes para inibir a atividade de uma enzima que imaginamos que esteja ligada ao processo”, disse Forlenza.
Outra diferença crucial em relação aos estudos antigos, segundo Forlenza, foi o tempo de seguimento. “Realizamos um seguimento de quatro anos, com desdobramentos em 12, 24 e 36 meses. Na amostra total foram incluídos 61 pacientes. Uma taxa menor chegou ao fim dos quatro anos, mas no primeiro ano tivemos 91% de permanência no estudo”, disse.
O Projeto Temático será concluído em 2014. Até lá, os pesquisadores seguirão com a linha de estudos envolvendo a aplicação de lítio como antagonista da doença de Alzheimer. Os cientistas voltarão o foco a partir de agora a parâmetros como neuroimagem funcional com tomografia de emissão de pósitrons (PET) e com neuroimagem estrutural, para comparar os dois grupos de pacientes e observar outros desfechos.
“Várias análises ainda precisam ser feitas, ou completadas, com variações de biomarcadores e de tempos de seguimento, por exemplo. Queremos também iniciar um estudo semelhante, não mais em pacientes com comprometimento cognitivo leve, mas em pacientes com doença de Alzheimer familiar de início precoce, que talvez seja o modelo ideal para se testar essa modificação de patogenia”, disse Forlenza”.
Fonte: Planeta Universitário