Novos tratamentos promissores para depressão

Estima-se que um a cada dez brasileiros enfrente os difíceis sintomas da depressão: da apatia à tristeza profunda, entre outros aspectos preocupantes. Para a vasta maioria, o tratamento com antidepressivos comuns, terapia e mais um estilo de vida saudável (não custa repetir: com alimentação balanceada e exercícios) costuma dar bons resultados. Para um terço dos diagnosticados, porém, seguidas tentativas medicamentosas não chegam à melhora satisfatória, o que os joga em crises resistentes e preocupantes. É para essas pessoas, felizmente, que abre-se um novo leque de tratamentos para a doença.

A mais recente terapia em uso no Brasil é um tipo de estimulação magnética do nervo vago — que faz as vezes de mensageiro entre o cérebro e o organismo. Para influenciá-lo, especialistas utilizam um “eletrodo” no pescoço ligado a uma pequena bateria, localizada na altura do peito, tal qual um marca-passo. O tratamento é aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e já foi instalado em dois pacientes homens no país — há a previsão que um terceiro também receba o apetrecho. Após o implante, o especialista responsável deve modular a dose dos impulsos elétricos no nervo, para que ele influencie os neurotransmissores importantes para o mecanismo da depressão.

— Foi a primeira vez que fizemos esse tipo de cirurgia no Brasil. É um mecanismo, que já era usado no país para epilepsia, o que muda é a carga do aparelho. Todo o trabalho é feito em conjunto com um psiquiatra e um engenheiro específico do aparelho. Uma vez ligado ele assim permanece — diz Wuilker Knoner Campos, presidente da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia, responsável por esses primeiros procedimentos (cujo pagamento foi realizado pela empresa desenvolvedora).

Antonio de Salles, um dos mais importantes nomes da neurocirurgia do país, diz que esse tipo de estratégia já contava com reconhecimento fora do país.

— O nervo vago consegue desempenhar influência elétrica em muitas áreas do cérebro. Ele manipula neurotransmissores importantes, como a norepinefrina, que influencia no humor da pessoa, um fator importante no cuidado com a depressão. A melhora chega, em média, em dois a três meses após a aplicação— explica o especialista.

É importante, porém, ressaltar que esses pacientes não devem abandonar seu tratamento inicial e que sigam com seus medicamentos, terapias e cuidados com o estilo de vida. A empresa responsável pelo negócio, chamada LivaNova quer garantir que a novidade seja custeada pelos planos de saúde — só depois tentará espaço no Sistema Único de Saúde (SUS). A indicação de uso é para maiores de idade que já tenham tentado tratamento com outros medicamentos, mas sem melhora. O custo para ter acesso no país ainda não está fechado.

Outros caminhos

Há poucos anos, a mesma Anvisa aprovou um medicamento inalável para o manejo de casos graves. Trata-se de um produto a base de escetamina — uma versão do anestésico cetamina (ou quetamina) cujo uso é de ambiente hospitalar. De custo alto, a opção não encontra tração entre especialistas, que acabam optando pelo uso da quetamina original — com aplicação injetável realizada por médicos anestesistas — em clínicas particulares. A aplicação, vale dizer, não é validada pela Anvisa, e ocorre no que é conhecido como off-label, um uso que ultrapassa o que a bula preconiza oficialmente.

Para Dartiu Xavier, nome incontornável na pesquisa de psicodélicos no país, o uso desse tipo de substância, embora bastante eficiente conforme os estudos existentes, ainda encontra estigma para adesão em ampla escala.

— O meu grupo de estudos trabalha com os psicodélicos desde a década de 1990. A quetamina é um psicodélico atípico [o LSD e a ayahuasca seria o típico], e carrega uma carga de preconceito muito grande. Veja, este é um anestésico utilizado há 50 anos, mas também existe um uso recreativo. Isso fez com que a sociedade olhasse para essa opção como uma “droga”, uma coisa ruim — afirma Dartiu Xavier. — Esse preconceito foi responsável por muita propaganda de efeitos negativos, mesmo tendo sido usada por muito tempo como anestésico.

Os resultados colhidos hoje são também fruto de uma quebra de paradigma. Até pouco tempo, os fármacos voltados à depressão (embora ultrapassassem as cinco dezenas de opções) focavam no mesmo mecanismo, o que não afetava positivamente um volume importante de pacientes.

— Até 2019, existiam 55 moléculas aprovadas para a depressão. Todas com o mesmo mecanismo, a ação nas chamadas monoaminas, caso da serotonina, dopamina ou noradrenalina. Ficamos quase 70 anos replicando o mesmo mecanismo — afirma Acioly Lacerda, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). — Começamos a mudar o cenário, com a escetamina, com uma ação inovadora no glutamato, um importantíssimo neurotransmissor. Na mesma época, foi aprovado um novo medicamento que modulava outro receptor, o GABA.

A chave para a revolução foi deixar de acreditar que a depressão era apenas fruto de um desequilíbrio químico no cérebro. Agora, contudo, se entende um pouco melhor o mecanismo central do problema: trata-se de uma doença fruto da complexidade da neuroplasticidade, o mecanismo de adaptação do cérebro.

— Hoje entendemos que a pessoa com depressão tem vulnerabilidade genética em combinação com fatores ambientais, que são as agressões na trajetória do neurodesenvolvimento. Os principais fatores que predizem a depressão na vida adulta são privações físicas e emocionais — complementa Lacerda.

Arroz com feijão

Nos consultórios, há um fator importante que vem antes da definição sobre qual medicamento esse paciente tomará: o diagnóstico correto. Como ressalta Carolina Hanna, do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.

— Individualizar o paciente é fundamental. Hoje podemos lançar mão de análises e suplementos que ajudam a potencializar o trabalho do antidepressivo. Também é importantíssimo o diagnóstico correto, se aquele caso individual é uma depressão unipolar ou (ligada ao transtorno) bipolar, o que também muda nossa estratégia de cuidado. E a psicoterapia segue como um grande alicerce, em paralelo com a medicação.

Alfredo Maluf, psiquiatra do Hospital Albert Einstein, lembra que o arsenal terapêutico conta com medicamentos com bom perfil de tolerabilidade (com baixos efeitos colaterais). Portanto, muitos conseguem se reabilitar e voltar à rotina.

— As pessoas procuram o consultório mais rapidamente hoje em dia. O bom desfecho está ligado aos medicamentos, terapia e inclusive o apoio familiar. O arroz com feijão ainda é esse.

Fonte: O Globo

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