O apagão da saúde mental durante a pandemia no Brasil.

Já abordamos aqui em alguns artigos os problemas psicológicos e os transtornos mentais que podem ocorrer com a quarentena prolongada nessa pandemia da COVID-19. Algumas pessoas já estão apresentando sintomas, como ansiedade, depressão, abuso de substâncias, compulsão alimentar, dentre outros, e outras irão adoecer mentalmente dentro de alguns meses, como ocorrem em transtornos pós-traumáticos e quadros depressivos maiores. Aqueles que já possuem um transtorno mental estão em risco maior de reagudização pelo confinamento, aumento das tensões familiares, interrupção dos serviços e dos atendimentos regulares, dificuldades sócio-econômicas e desemprego.

Alguns sinais contrários foram dados pelo governo, com a restrição dos serviços da rede de assistência psicossocial (RAPS), formada pelos CAPS e que atendem à população com transtornos mentais mais graves, ausência de políticas específicas para populações de risco, como população de rua, boa parte dela com transtorno mental, aumento do tempo de dispensação de medicamentos sem avaliação médica (autorizando a validade da receita controlada por até 6 meses), ausência de políticas públicas que pudessem suprir as demandas considerando as medidas de isolamento e distanciamento social, incluindo aumento das equipes volantes que pudessem realizar atendimentos domiciliares e consultas à população de rua, viabilidade técnica de realização de telconsultas. Há relatos de que muitas equipes de saúde mental tiveram sua carga horária reduzida e de restrições no atendimento nos CAPS e ambulatórios de saúde mental, alguns limitando-se à dispensação de medicamentos.

A Nota Técnica do Ministério da Saúde (Nota no 12/2020 CGMAD/DAPES/SAPS/MS) preocupa-se mais com as medidas de prevenção ao coronavírus nos estabelecimentos de saúde mental do que com as estratégias para suprir a redução da disponibilidade de atendimentos presenciais e de serviços de atenção diária, como os CAPS.

Em 18 de maio, uma recomendação do Conselho Nacional de Saúde fez severas críticas à postura do Ministério da Saúde, cobrando participação de representantes da saúde mental nos Comitês Gestores de Crise para COVID-19 nos estados e municípios, inclusão da RAPS nos planos de contingência como uma das dimensões estratégicas para atenção à saúde da população nesse momento, ampliação das visitas e atendimentos domiciliares, ampliação do contato à distância entre família e equipe de saúde (por telefone ou internet), políticas específicas para populações mais vulneráveis, como crianças, população de rua, população LGBT, dependentes químicos e trabalhadores de saúde na linha de frente ao COVID-19.

Uma preocupação grande são os hospitais psiquiátricos e os hospitais de custódia, que, por suas características, podem se transformar em lugares de contaminação em massa. A recomendação do Conselho Nacional de Saúde pede que o Ministério da Saúde promova a articulação com os órgãos de justiça para a reavaliação das pessoas internadas involuntária ou compulsoriamente, adote medidas que favoreçam a redução da concentração de pessoas internadas nesses hospitais, forneça Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) para profissionais de saúde e para as pessoas atendidas, seja nos hospitais ou na RAPS, e monitore as notificações de tentativas e os óbitos por suicídio, além de outros indicadores durante a epidemia para planejamento das ações futuras (p.ex. ações de acolhimento e de atenção à crise realizadas pelos CAPS; ações de matriciamento pelos CAPS; taxa de ocupação e tempo médio e permanência de internações psiquiátricas em hospitais gerais, taxa de ocupação por medida de segurança em hospitais de custódia; número de pessoas institucionalizadas que se enquadram nos grupos de risco; atendimentos de urgência em saúde mental, álcool e outras drogas pelo SAMU/Bombeiro; e dispensa de medicamentos psicotrópicos).

Vamos sair dessa pandemia com graves problemas, dentre eles o adoecimento mental da população, portanto, o governo precisará de mais investimento na RAPS, como aumento das equipes de saúde mental e dos CAPS, para apoio a uma população que, além do estresse pela pandemia, está sofrendo com a instabilidade sócio-econômica e com o aumento das tensões e conflitos domésticos em razão do isolamento.

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