O Suicídio, por Emile Durkheim

Emile Durkheim (1858-1917) é considerados um dos pais da Sociologia e um dos mais destacados fundadores da escola francesa de Sociologia. Seu estudo sociológico sobre o suicídio foi publicado no ano de 1897 e é considerado uma obra que almeja a viabilidade da Sociologia enquanto uma ciência social numa época em que ela ainda não havia alcançado um status acadêmico. Seu propósito é demonstrar cientificamente que o suicídio pode ter uma determinação social externa ao indivíduo.

Durkheim destaca em sua obra três tipos de suicídio segundo suas causas:

1) suicídio egoísta: motivado por um isolamento exagerado do indivíduo da sociedade, o que o transforma num solitário, um marginalizado, que não possui laços suficientemente sólidos de solidariedade com o grupo social;

2) suicídio altruísta: é o outro extremo, em que o indivíduo está demasiadamente ligado à sociedade e acredita que seu suicídio o tornará herói ou mártir;

3) suicídio anômico: o mais significativo para os fins de sua obra. Anomia traz a noção de ausência de normas, uma pessoa que não soube aceitar os limites morais que a sociedade impõe, que aspira mais do que pode, que possui demandas acima de suas possibilidades reais e cai, portanto, no desespero. A anomia é atualmente, para Durkheim, um estado crônico do mundo econômico, ligado tanto a crises recessivas, mas principalmente a crises de prosperidade.

“A anomia é aceita como algo normal, sendo vista de fato como uma ‘marca de distinção moral’ e é permanentemente repetido que faz parte da natureza humana encontrar-se eternamente insatisfeita, de estar sempre avançando, sem descanso ou parada, em direção a uma indefinida meta”.

A seguir destacamos alguns trechos de seu capítulo sobre o Suicídio Anômico que julgamos essenciais à reflexão sobre o tema do suicídio de uma forma que é pouco abordado nos tempos atuais.


“O poder governamental em vez de ser regulador da vida econômica, tornou-se instrumento e servidor – o guardião dos contratos individuais – cujo único e principal objetivo é prosperar, o dogma do materialismo econômico.

O mercado tornou-se o fim supremo dos indivíduos e da sociedade. Os apetites que ele põe em jogo viram-se livres de toda a autoridade que os limitasse. Essa apoteose do bem-estar colocou os apetites acima de toda a lei humana e retê-los transformou-se numa espécie de sacrilégio.

As cobiças se levantam sem saber onde pousar definitivamente. Nada é capaz de acalmá-las, uma vez que o objetivo para o qual se voltam está infinitamente além de tudo o que possam atingir. A realidade parece não ter valor em comparação com o que as imaginações febris vislumbram como possível; desligamo-nos dela, portanto, mas para nos desligar do possível quando, por sua vez, ele se torna realidade. Temos sede de coisas novas, de prazeres ignorados, de sensações inominadas, mas que perdem todo sabor assim que se tornam conhecidas. Então, ao sobrevir o menor revés, não temos força para suportá-lo.

A febre despenca e percebemos que o tumulto era estéril e que todas aquelas sensações novas, indefinidamente acumuladas, não conseguiram constituir um sólido capital de felicidade. O sábio, que sabe desfrutar os resultados obtidos sem sentir eternamente a necessidade de os substituir por outros, encontra razões para se apegar à vida quando soa a hora das contrariedades. Mas o homem que sempre esperou tudo do futuro, que viveu com os olhos fixos no futuro, nada tem no passado que o console dos amargores do presente, pois o passado foi para ele apenas uma série de etapas atravessadas com impaciência. O que lhe permitia não enxergar a si mesmo era o fato de sempre contar com encontrar mais adiante a felicidade que ainda não encontrara até então.

Mas eis que foi detido em sua caminhada; não tem mais nada, nem atrás nem à frente, em que repousar o olhar. O cansaço, aliás, é suficiente por si só para produzir o desencanto, pois é difícil não sentir, com o tempo, a inutilidade de uma perseguição interminável.

A impaciência febril em que se vive não inclina à resignação. Quando se tem como único objetivo ultrapassar constantemente o ponto a que se chegou, como é doloroso ser empurrado para trás!

Em suas características essenciais, a natureza humana é sensivelmente a mesma em todos os cidadãos. Não é ela, portanto, que pode atribuir às necessidades o limite variável que lhes seria obrigatório. Por conseguinte, na medida em que dependem apenas dos indivíduos, elas são ilimitadas. Em si mesma, abstraindo-se todo poder exterior que a regula, nossa sensibilidade é um abismo sem fundo que nada é capaz de preencher.

Desejos ilimitados são insaciáveis por definição e não é sem razão que se considera a insaciabilidade como sinal de morbidez. Perseguir um fim inacessível por hipótese é, portanto, condenar-se a um perpétuo estado de descontentamento. Sem dúvida, às vezes o homem tem esperança sem qualquer razão, e, mesmo sem razão, a esperança tem suas alegrias. Pode ser, portanto, que ela o sustente por algum tempo; mas não poderia sobreviver indefinidamente às decepções reiteradas da experiência. Ora, o que o futuro pode dar a mais do que o passado, uma vez que nunca é possível chegar a um estado em que possamos permanecer e que não podemos sequer nos aproximar do ideal vislumbrado? Assim, quanto mais tivermos, mas iremos querer ter, sendo que as satisfações recebidas só farão estimular as necessidades, em vez de as aplacar.

Para que o prazer seja sentido e venha atenuar e meio que encobrir a inquietude dolorosa que os acompanha, é preciso pelo menos que esse movimento sem fim se desenvolva sempre à vontade e sem que nada o tolha. Ora, seria um milagre nunca surgir algum obstáculo intransponível.

Quando esse prazer é entravado, a inquietação permanece só com o mal-estar que traz consigo. Nessas condições, estamos presos à vida apenas por um fio muito tênue e que a cada momento pode ser rompido.

É o despertar da consciência a força reguladora para que as necessidades morais do homem desempenhem o mesmo papel que o organismo para as necessidades físicas. Isso significa que essa força só pode ser moral. É o despertar da consciência que veio romper o estado de equilíbrio no qual o animal dormitava. A coerção material nesse caso não teria efeito; não é com forças físico-químicas que se pode modificar os corações. Na medida em que os apetites não são automaticamente contidos por mecanismos fisiológicos, eles só podem se deter diante de um limite que reconheçam como justo.

Só a sociedade, seja diretamente e em seu conjunto, seja por intermédio de um de seus órgãos, está em condições de desempenhar esse papel moderador, pois ela é o único poder moral superior ao indivíduo, e cuja superioridade este último aceita.”

E como agir em uma sociedade que se tornou instrumento e servidor do individualismo e de um poder regulador que se curvou à obsessão pela prosperidade e o materialismo?

Fonte: trechos retirados do capítulo V p.303-354 do livro O Suicídio – Estudo de sociologia, de Emile Durkheim. Editora Martins Fontes. 3a ed. 2019.

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