Vini Jr é uma força e um exemplo agora consagrado com o The Best.

Um jovem preto e periférico, criado em São Gonçalo, subúrbio do Rio, cuja renda média dos habitantes não ultrapassa dois salários mínimos e a escolaridade do município é apenas o 72o de 92 municípios do Estado do Rio de Janeiro (IBGE, 2022). Não bastasse ter vindo de uma comunidade pobre e violenta (São Gonçalo está entre os 10 municípios mais violentos do Estado e foi a cidade com maior índice de tiroteios em 2024 segundo o Fogo Cruzado), Vini Jr é preto e enfrentou o racismo no seu país e de forma mais escancarada na Europa, onde foi atuar em 2017 pelo Real Madri, time que o consagrou para o mundo. Justamente por sua trajetória e luta contra o racismo, não somente em campo, mas principalmente fora dele, Vini Jr também merece destaque por sua enorme contribuição para a saúde mental dos jovens pretos e periféricos do Brasil e do Mundo.

Ele serve de exemplo e inspiração para queles que sofrem cotidianamente o racismo violento, principalmente no Brasil, onde o racismo é historicamente varrido para debaixo do tapete pelo ideal de democracia racial ao qual o país foi e continua sendo submetido por sua elite branca e, muitas vezes, lido por outros países como exemplo de país que soube lidar com sua desigualdade racial. Realmente algo para “inglês ver”, pois quem vive na periferia e nas comunidades pobres sabe a violência cotidiana à qual o povo negro é submetido, principalmente nas mãos do Estado e das instituições, com o racismo estrutural e institucionalizado.

Vini um dia pode contar na sua biografia todas as violências e injustiças que sofreu pela cor de sua pele, mas não é crível supor que tenha sido diferente dos milhões de jovens pretos que, como ele, buscam uma vida digna. Provavelmente foi essa luta de uma vida que o moveu na batalha contra o racismo nos gramados em que pisou na Europa e num dos países reconhecidamente mais racista do Mundo, a Espanha. E quando Vini Jr se expõe como se expôs, provocando a ira da branquitude, maioria entre jogadores, técnicos e jornalistas que, além da torcida preconceituosa, viraram a cara para ele, como viraram no prêmio Bola de Ouro neste mesmo ano, ele se transforma num gigante maior do que aquele que seus pés e seu impulso em campo o consagraram melhor do Mundo.

O racismo é uma das maiores violências que podem acometer a saúde mental de uma pessoa. Sua autoimagem e autoestima, inclusive sua negritude e senso de coletividade, são atingidas em cheio. Neusa Santos Souza, psiquiatra e ícone do movimento negro nos anos 80, mostrou como famílias ao longo da história foram embranquecendo como forma de lidar com a dor e fugir do racismo, seja através de casamentos interraciais com parceiros mais brancos, seja nas vestes e em procedimentos estéticos para se tornarem “mais brancas”, cabelo liso, tratamentos para tornar a pele mais clara ou modificar o corpo. Ela escreveu o livro “Tornar-se negro” (1983, editora Zahar), no qual ela chama atenção para o negro assumir a sua negritude, seu corpo, sua imagem, e se orgulhar de si próprio, de sua cultura e ancestralidade que são a marca mais indelével da cultura brasileira.

A primeira experiência cultural e de nação genuinamente brasileiras foi Palmares, até então uma terra ocupada por europeus que dizimaram os povos originários e trouxeram os escravos do continente africano. Foi em Palmares, por mais de um século, que se criou no território chamado Brasil a primeira experiência de nação com cultura e senso de coletividade que em grande medida reproduzia a cultura africana, mas criava através da miscigenação com os povos originários uma cultura própria, afro-indígena-brasileira, cultura essa que passaria a ser perseguida e violentada nos séculos seguintes e até hoje pela branquitude. Mas a resistência de seu povo, que fez com que essa cultura resistisse 5 séculos de opressão e se mantivesse cotidianamente presente nas comunidades, favelas, quilombos, é parte das razões que fazem Vini Jr ser quem ele hoje é.

Vini Jr não é resultado somente de seu esforço e talento, da luta pelo mérito e pelo reconhecimento, mas de tudo o que o antecedeu, de seus ancestrais, do território em que nasceu e foi criado, da cultura dos campos de várzea, da molecagem, da ginga, própria dessa cultura afro-indigena-brasileira. É também da luta cotidiana do seu povo pela sobrevivência, na luta contra o racismo, contra a violência de Estado, contra a desigualdade social e de oportunidades.

Frantz Fanon, psiquiatra e filósofo martinicano e ícone da luta anticolonialista da Argélia, escreveu em seu livro “Os Condenados da Terra” (1968, editora Zahar) que “o colonialismo não fez outra coisa a não ser despersonalizar o colonizado. Essa despersonalização é sentida igualmente no plano coletivo, no nível das estruturas sociais. O povo colonizado se acha reduzido a um conjunto de indivíduos que só tiram seu fundamento da presença do colonizador”. Segundo Fanon, existe uma zona do “não-ser” de onde pode brotar uma “aparição autêntica”, capaz de ampliar a consciência sobre o mundo, a liberdade e a responsabilidade para conosco e com os outros.

Por isso Vini Jr é tão gigante, e maior do que ele serão os efeitos que seu exemplo pode provocar em seu povo, da pequena São Gonçalo para o Mundo.

Parabéns Vini Jr!

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