ANVISA aprova Esketamina, tratamento para depressão resistente e ideação suicida.
Medicamento deve estar disponível somente no segundo semestre de 2021
A ANVISA aprovou neste mês um medicamento para tratamento da depressão resistente (depressão que não melhora com tratamentos convencionais) e para o tratamento da ideação suicida ou crise suicida, em que o indivíduo encontra-se na iminência de atentar contra sua própria vida.
A esketamina (Spravato®) foi desenvolvida pela empresa farmacêutica norte-americana Janssen, ligada ao grupo Johnson&Johnson, e já é aprovada e utilizada nos EUA com resultados promissores. Trata-se de um grande avanço da psicofarmacologia, uma vez que não existem tratamentos farmacológicos para esses casos até o presente momento e o único tratamento para depressão resistente e crise suicida disponível hoje em dia é a eletroconvulsoterapia, o ECT, popularmente conhecido como eletrochoque.
O suicídio é um desfecho trágico em muitas famílias e há registros que as taxas de suicídio vem aumentando em diversos países, principalmente entre os mais jovens. Transtornos psiquiátricos frequentemente são associados ao comportamento suicida e representam um risco maior de suicídio na população, como é possível observar na tabela abaixo.
Transtorno | Tentativas de suicídio | Morte por suicídio |
---|---|---|
Esquizofrenia | 50% | 8-10% |
TP Borderline | 60-78% | 3-10% |
T Bipolar | 29% | 8-18% |
Depressão | 16% | 2-12% |
T Alimentares | 26% | 6% |
T Ansiedade | RR 1,6-3,0 | 1-5% |
Alcoolismo | RR 2,6 | 8-10% |
RR = Risco Relativo – quantas vezes maior o risco de suicídio comparado à população sem o transtorno (dados obtidos pessoalmente no Congresso Americano de Psiquiatria em 2019, São Francisco).
Como é possível perceber, o risco de suicídio é alto na maior parte dos transtornos psiquiátricos graves, particularmente na Esquizofrenia, TP Borderline e no T Bipolar. Entretanto, o risco de suicídio nos quadros mais comuns, como depressão, ansiedade e alcoolismo, não pode ser desprezado pelo número de pessoas que são atingidas por esses transtornos. Só a depressão pode atingir até ¼ da população ao longo da vida. Esses dados dão a dimensão da importância do desenvolvimento deste medicamento para a medicina.
A esketamina é um enantiômero da ketamina, anestésico conhecido e utilizado em cirurgias desde 1960 e que se tornou popular durante a Guerra do Vietnã por ter sido muito utilizado em cirurgias de soldados feridos em combate, graças à sua segurança e facilidade de administração. A ketamina também se tornaria droga recreativa nos EUA a partir dos anos 1970, por seu poder alucinógeno.
É conhecido o poder antidepressivo da ketamina e ela já vinha sendo utilizada de maneira “off-label” em pacientes com depressão resistente há mais de 10 anos, inclusive no Brasil. Entretanto, seu uso requer acesso venoso (por ser uma injeção intravenosa), a presença de um anestesista, monitoramento cardíaco, estrutura de centro-cirúrgico ou de terapia semi-intensiva, com carrinho de parada e respirador mecânico, em função dos riscos de complicações.
A esketamina rompe com esta necessidade, uma vez que ela pode ser administrada de forma intranasal e num ambiente clínico, contudo, sendo necessária a monitorização do paciente por 2 horas em função da possibilidade de sintomas transitórios como sedação, confusão mental, agitação, distúrbios visuais e tonteiras.
Ela age em receptores NMDA, do sistema do glutamato, neurotransmissor envolvido em uma série de transtornos psiquiátricos, como a depressão e a psicose, e associado à gravidade maior de sintomas. Ao bloquear os receptores NMDA a esketamina aumenta a liberação de glutamato que, por sua vez, estimula receptores AMPA, que aumentam os fatores neurotróficos como BDNF, responsáveis pelo efeito antidepressivo e pela cessação das ideias de suicídio. BDNF é um do fatores que se encontra reduzido em cérebro de pacientes com depressão.
Estudos clínicos demonstraram que pacientes tratados com esketamina intranasal (Spravato®) melhoraram da depressão e das ideias de suicídio em curto espaço de tempo, duas a quatro horas após a administração da medicação. Os pacientes recebiam aplicações duas vezes por semana, nos primeiros 15 dias de tratamento, semanalmente por mais 3 semanas e depois quinzenalmente até o término do estudo. Quase 70% dos pacientes atingiram uma melhora superior a 50% nas escalas de depressão após pouco mais de 2 meses de tratamento com esketamina, segundo um dos estudos (Synapse). Outros estudos clínicos, variando o formato de administração do medicamento, encontraram resultados semelhantes.
O custo do tratamento com esketamina intranasal (Spravato®) deve ser alto. Segundo estimativas norte-americanas, o custo do primeiro mês de tratamento pode variar entre 5 e 8 mil dólares e o de manutenção pode ficar entre 1.500 e 4.000 dólares, dependendo da dosagem e dos intervalos de administração. Não existe ainda uma estimativa de preço no Brasil, uma vez que a ANVISA vai iniciar esta fase no início do próximo ano. Existe a expectativa que planos de saúde possam cobrir o tratamento.
A esketamina intranasal (Spravato®) traz a promessa de uma resposta rápida e eficaz para transtornos mentais graves e altamente prevalentes, como a depressão resistente e a crise suicida, com um perfil favorável de segurança e tolerabilidade, com efeitos colaterais transitórios e de curta duração, sendo uma opção de tratamento em uma área escassa de terapias efetivas para este perfil de transtornos mentais.
Fontes:
Wikipedia
Bahr, R., Lopez, A., & Rey, J. A. (2019). Intranasal Esketamine (SpravatoTM) for Use in Treatment-Resistant Depression In Conjunction With an Oral Antidepressant. P & T : a peer-reviewed journal for formulary management, 44(6), 340–375.
Enquanto o preço do tratamento for tão alto, para um um medicamento tão eficaz em um diagnóstico tão comum; a única saída será o acesso clandestino. É mais viável adquirir ketamine, para uso off-label.
Saúde mental é uma questão de saúde pública.