Geodon (ziprasidona)
Geodon (princípio ativo: ziprasidona) é um antipsicótico de segunda geração (também conhecido como atípico) desenvolvido pelo laboratório Pfizer e aprovado pelo órgão regulador norte-americano FDA em 2001 para o tratamento da esquizofrenia e, posteriormente, para o tratamento dos transtornos do espectro bipolar, como episódios maníacos/hipomaníacos, estados mistos e depressão.
Ele age no SNC bloqueando receptores de dopamina (D2) e de serotonina (5-HT2a e 2c) e ativando receptores 5-HT1a, o que lhe confere, além dos efeitos antipsicóticos, também efeitos antidepressivos e ansiolíticos.
Outras indicações do Geodon que não constam em bula (uso off-label) são: depressão unipolar, ansiedade, agressividade, TDAH, TOC, autismo e transtorno de estresse pós-traumático.
O Geodon deve ser ingerido nas refeições, preferencialmente almoço e/ou jantar, pois sua absorção é melhor com uma refeição de ao menos 500 calorias.
Os efeitos colaterais mais comuns são sonolência, que depende da dose (raramente ocorre com 40mg), e dor de cabeça. Esses efeitos costumam ser transitórios, mais nas primeiras duas semanas de tratamento, à medida que organismo for se acostumando à medicação. Podem ocorrer náuseas, boca seca, alteração do funcionamento intestinal, hipotensão, embora estes não sejam sintomas muito comuns.
Efeitos colaterais tradicionalmente associados aos antipsicóticos, como tremores, rigidez muscular, parkinsonismo, hipersalivação e inquietação são raros.
O Geodon destaca-se entre os medicamentos de sua classe por oferecer menor risco de ganho de peso e de síndrome metabólica (obesidade e diabetes) e possuir uma ação terapêutica já em baixa dose.
As doses usuais para cada transtorno são:
- Esquizofrenia: 160mg/d
- Espectro bipolar: 80-160mg/d
- Depressão: 40-120mg/d
- Irritabilidade e ansiedade associadas: 40-120mg/d
Depoimento ajuda a desmistificar a esquizofrenia e reafirma que a recuperação é possível.
Wilson Fraga tem mais de 10 anos de convívio com a esquizofrenia, já passou por várias crises e internações e hoje considera-se recuperado. Ele precisou conhecer a doença para alcançar um nível de maturidade que o permitisse mudar sua vida, fazendo escolhas mais saudáveis e que contribuíssem para seu bem estar. Mesmo medicado e considerando agora estar bem equilibrado, ele reconhece que a esquizofrenia possui gatilhos ambientais que podem resultar em recaídas e que, como se faz com um exército inimigo, é necessário conhecer bem os "fronts" em que ele ataca para saber as melhores estratégias para prevenir futuros problemas. Mas mesmo com a doença, Wilson diz não se envergonhar, que o preconceito que as pessoas têm não é justificável e que ele leva uma vida feliz ao lado de sua esposa e de sua família, procurando extrair da vida o que há de melhor. Esse depoimento vale a pena ser assistido e que possa servir como uma injeção de ânimo para aqueles que ainda não encontraram a esperança de se recuperar e de levar uma vida normal. Obrigado Wilson pela coragem de vir a público dividir conosco sua experiência.
Leia também o depoimento por escrito do Wilson, contando toda a sua trajetória.
Debate na TV Futura sobre a esquizofrenia.
O programa Sala de Debate, da TV Futura, debateu com os psiquiatras Leonardo Palmeira e Helio Rocha e com o aposentado Wilson Fraga, que se recupera da esquizofrenia, temas como preconceito, trabalho, tratamento e família.
A participação de Wilson foi fundamental para mostrar que a esquizofrenia é uma doença como outra qualquer, que, se tratado, o paciente pode levar uma vida normal. Wilson sente-se feliz, leva uma vida ativa, compreende sua doença e sabe identificar os gatilhos que o levaram a recaídas. Afirma que gostaria muito de trabalhar, mas que o sistema não favorece quem é portador de um transtorno mental e que, para trabalhar, teria que abrir mão de sua aposentadoria para possivelmente ganhar menos, mas ele tem outros projetos, como viajar com sua esposa. Aliás, Wilson dividiu conosco sua história num depoimento envolvente que deu ao Portal Entendendo a Esquizofrenia em novembro de 2011, leia mais.
Parte 1
https://www.youtube.com/watch?v=Vd92h1pACcE
Parte 2
https://www.youtube.com/watch?v=rumdUKFfqqo
Morte de Eduardo Coutinho provoca reflexões sobre a esquizofrenia.
Mais uma vez assistimos a esquizofrenia no centro das páginas policiais sendo responsabilizada por mais uma tragédia, desta vez envolvendo a família de Eduardo Coutinho, cineasta, que foi morto a facadas pelo seu filho, Daniel Coutinho, presumidamente portador de esquizofrenia, e que também esfaqueou sua mãe e tentou depois se matar.
Informações inicialmente divulgadas pela imprensa diziam que o filho do cineasta, visivelmente perturbado, teria dito a um vizinho que “queria salvar o pai e toda a família”. Depois de ser interrogado pela polícia, Daniel teria confessado o crime e houve declarações do delegado responsável de que não seria possível atestar se as motivações para o crime teriam realmente relação com a doença mental e que seria necessário aguardar o exame pericial do acusado.
Mesmo que a investigação policial demonstre que não foi a doença mental a principal responsável pelo assassinato de Eduardo Coutinho e que Daniel possuía, no momento do crime, consciência e capacidade de discernimento de seu ato, os efeitos devastadores que uma notícia como esta tem, vinculada a uma doença já muito estigmatizada, não poderão ser mais reparados.
Crimes como este, que sejam cometidos por pessoas com esquizofrenia ou que prematuramente são atribuídos a doença, grudam no imaginário das pessoas e reforça o preconceito de que a doença mental, principalmente a esquizofrenia, oferece riscos a sociedade e que pessoas que dela sofrem precisam ser afastadas, institucionalizadas ou encarceradas.
Um estudo norte-americano comparou a percepção das pessoas sobre a esquizofrenia nos anos 50 e atualmente e verificou que, apesar da sociedade estar melhor informada, o preconceito contra os doentes mentais aumentou nas últimas décadas e o grande responsável por isso é a associação com a violência e o receio que as pessoas em geral têm de serem vitimadas por algum paciente.
Existem inúmeros estudos que comparam as taxas de violência e de crimes cometidos por pessoas com esquizofrenia com a população geral e eles são unânimes em afirmar que pessoas com esquizofrenia cometem menos crimes do que a população geral e que eles são muito mais vítimas de alguma violência do que algozes dela.
Em todas as campanhas contra o estigma e o preconceito escuta-se que pessoas com esquizofrenia não são violentas, de que é uma doença como outra qualquer e que com o tratamento as pessoas podem se recuperar e levar uma vida normal. Porém, reportagens de jornais relacionando crimes a doentes mentais têm aumentado muito nas ultimas décadas e isto contribui para alimentar esta sensação na sociedade. Notícias como esta do assassinato de Eduardo Coutinho, jogam por terra qualquer esforço de combate ao estigma e são capazes de destruir anos de trabalho.
Após a deputada Gabrielle Gifford ser baleada em Tucson, Arizona, por um homem que saiu atirando a esmo, uma mulher esquizofrênica escreveu para o presidente Obama: “Eu estou muito preocupada com o problema das pessoas com doença mental grave que não são tratadas neste país. Quando violentas, elas mancham a nossa reputação. Eu sinto isto na pele… Por favor, cuide para que tragédias como esta não se repitam.”
Um estudo com 802 pacientes mostrou que os violentos tinham quase duas vezes mais chance de não terem aderido ao tratamento do que os não violentos. Vários estudos confirmaram que o tratamento com antipsicóticos reduz o comportamento agressivo nos pacientes. O reconhecimento e o tratamento precoce dos pacientes podem ser, portanto, medidas úteis tanto para reduzir os casos de violência associados à doença mental como para combater o estigma na sociedade.
O problema parece ser ainda mais complexo quando serviços de assistência e muitos profissionais de saúde e familiares de pacientes parecem não compreender ou não trabalhar o suficiente para que pacientes com esquizofrenia sejam logo conduzidos a um tratamento. Essa não é uma realidade somente no Brasil, mas países em desenvolvimento vêm se preocupando em acelerar o atendimento a essas pessoas com programas de governo para o atendimento às pessoas com o primeiro episódio psicótico.
Pesquisas demonstram que o atraso médio para um primeiro atendimento chega a 1 ano após o início dos primeiros sintomas psicóticos. Sabemos das dificuldades muitas vezes de reconhecer os sintomas, de convencer o paciente a aceitar ajuda, pois a negação de estar doente no começo é quase unânime entre os pacientes, de encontrar serviços capacitados para este primeiro atendimento, porém é preciso difundir a informação de que o atraso no tratamento pode acarretar sérios riscos à saúde dessas pessoas, inclusive com o risco de suicídio.
Existem quatro fatores que impactam negativamente o prognóstico da esquizofrenia e que podem dificultar a recuperação do paciente, ou seja, a forma como ele vai sair do estado psicótico, se conseguirá retomar suas atividade e relacionamentos, como será sua qualidade de vida: (1) tempo de demora para iniciar o tratamento médico; (2) falta de adesão ao tratamento médico – 3 em cada 4 pacientes interrompem o medicamento por conta própria nos primeiros dois anos de tratamento e tem recaídas; (3) abuso de drogas – mais de 50% dos pacientes tem histórico de abuso de maconha; (4) famílias com alto nível de sobrecarga emocional, como expectativas e cobranças excessivas, muita crítica ou hostilidade com o paciente.
Hoje um tratamento abrangente para a esquizofrenia deve contemplar necessariamente as estratégias de enfrentamento desses quatro fatores: (1) serviços e profissionais treinados para o reconhecimento precoce da esquizofrenia e demais transtornos psicóticos, com educação de pais e professores, que são os mais capazes de fazer acender a luz amarela e buscar logo uma avaliação nos primeiros sinais; (2) médicos capazes de reconhecer precocemente a não adesão do paciente ao tratamento (pesquisas mostram que muitas vezes a família não consegue identificar que o paciente não está tomando a medicação regularmente) e prescrição de antipsicóticos de longa ação (injeções mensais) para garantir o tratamento farmacológico que o paciente necessita para não ter recaídas; criação de serviços de medicação de longa ação nos hospitais, ambulatórios e CAPS, para permitir o fluxo de pacientes que necessitam deste recurso; (3) atendimento das comorbidades, principalmente dependência química, através de grupos de ajuda e oficinas para dependentes; (4) fazer com que a informação sobre a esquizofrenia chegue a todas as famílias que estejam envolvidas, estimular a criação de grupos de auto-ajuda na comunidade com famílias e pacientes com esquizofrenia para que possam buscar em conjunto as soluções para os principais conflitos; ampliação da rede social dessas famílias através de associações de familiares.
O Estado precisa cuidar dessas pessoas que estão em risco, oferecer apoio e tratamento, antecipando-se a possíveis tragédias. Seria uma maneira de prevenir que crimes cometidos por pessoas mentalmente doentes ocorram e ganhem a mídia. Dificilmente campanhas antiestigma terão sucesso diante do efeito que notícias como estas têm sobre as pessoas.
Risco de suicídio induzido por antidepressivos.
Há algum tempo alguns médicos e cientistas vêm alertando que os antidepressivos fazem mais mal do que bem aos pacientes.
Na verdade, em alguns casos esses males podem ser alarmantes, envolvendo o suicídio.
Nada menos do que 8,1% dos pacientes que começam um tratamento com antidepressivos ou recebem um aumento de dosagem vão apresentar tendências ao suicídio nas duas semanas imediatas.
Seguindo uma lógica razoável, isso seria mais do que suficiente para que se suspendesse o uso de medicamentos que geram um efeito contrário ao que propõem e, mais do que tudo, colocam em risco a vida do paciente.
A lógica do mercado, contudo, parece ser outra, e agora uma empresa norte-americana está tentando colocar no mercado um exame para testar quais pacientes terão maior risco ao suicídio em vista da ingestão dos antidepressivos.
A Sundance Diagnostics patenteou alguns genes que ela afirma que pode ajudar os psiquiatras a não receitarem os antidepressivos para alguns pacientes.
O exame se baseia em estudos realizados pelo Instituto de Psiquiatria de Munique (Alemanha), que identificaram 79 biomarcadores genéticos que classificam os pacientes com alto risco de "suicidalidade".
Segundo os estudos, esses biomarcadores classificam os pacientes com risco de suicídio induzido pelos antidepressivos com 91% de precisão.
Por outro lado, os pesquisadores alemães também descobriram que o aumento do risco de suicídio não se limita a indivíduos com idade inferior a 25 anos, conforme descrito nos rótulos dos medicamentos por exigência da agência reguladora norte-americana FDA.
Em vez disso, o risco de suicidalidade induzida pelos antidepressivos está presente em todas as idades, de 18 a 75 anos.
Fonte: Diário da saúde
Desvenlafaxina (Pristiq)
Desvenlafaxina (Pristiq) é um antidepressivo que atua ao mesmo tempo em dois sistemas de neurotransmissão: serotonina e noradrenalina. Por este motivo a desvenlafaxina pertence à nova geração de antidepressivos conhecidos como duais, ou seja, que atuam em dois neurotransmissores envolvidos na depressão. A desvenlafaxina inibe os receptores de recaptação de serotonina e noradrenalina na membrana dos neurônios, desta forma aumentando a concentração desses dois neurotransmissores na fenda sinóptica. Esse duplo mecanismo de atuação faz com que o medicamento tenha um efeito mais rápido e que sua eficácia a longo prazo também seja maior, pois a depressão está associada com a queda na concentração tanto de serotonina como de noradrenalina.
A desvenlafaxina possui outras indicações, como no tratamento de quadros de ansiedade, como ansiedade generalizada.
A desvenlafaxina costuma ter boa tolerabilidade, porém alguns sintomas podem ocorrer em 10 a 20% dos pacientes no inicio do tratamento, como náuseas, boca seca, dores de cabeça, tonteira, diarreia, perda do apetite, redução da libido, inquietação e irritabilidade. Esses efeitos podem reduzir ou até mesmo desaparecer com a continuação do tratamento, à medida que o organismo vai se acostumando à medicação.
A síndrome de descontinuação é uma característica dos antidepressivos que atuam na serotonina, que quando retirados abruptamente podem causar um mal estar geral, ansiedade, taquicardia, tonteiras, enjoos. Portanto, não se recomenda a parada abrupta da desvenlafaxina. Ela deve ser reduzida gradativamente de acordo com a orientação médica. A redução lenta também previne recaídas do quadro depressivo ou ansioso.
A dose de desvenlafaxina varia entre 50 e 200mg/d. Doses maiores que 150mg/d requerem monitoramento da pressão arterial (pode aumentar a pressão).
A dose usual para o tratamento da depressão varia entre 100 e 200mg/d.
No Brasil a desvenlafaxina é comercializada pelo laboratório Pfizer sob o nome de Pristiq nas apresentações de 50mg e 100 mg.
Invega Sustenna
Invega Sustenna é um medicamento injetável da classe dos antipsicóticos de segunda geração para uso mensal, inicialmente desenvolvido para o tratamento das psicoses, como esquizofrenia e transtorno esquizoafetivo. É um recurso útil no tratamento de pacientes que não aderem ao tratamento com medicação oral, que apresentam formas mais graves de psicose ou que abusam de substâncias psicoativas, como álcool e/ou drogas ilícitas.
Pesquisas demonstram que a falta de adesão ao tratamento ocorre em 75% dos casos de psicose nos primeiros dois anos após o diagnóstico inicial e isso está diretamente relacionado a maior gravidade do quadro, maiores taxas de internação e de resistência farmacológica (ausência de resposta à medicação).
Invega Sustenna é a paliperidona (Invega) associada ao ácido palmítico (palmitato) através de uma técnica de fusão de moléculas denominada nanocristais, que permite a liberação homogênea do princípio ativo (paliperidona) na corrente sanguínea ao longo de 30 dias. Isso explica porque a medicação costuma ser mais bem tolerada do que a medicação oral (pois não possui picos e vales no sangue associados à absorção oral) e porque ela é mais eficaz nas formas graves de psicose (pois a distribuição do princípio ativo é mais homogênea e não se perde a medicação na primeira passagem pelo fígado – o que necessariamente ocorre com todos os medicamentos orais).
Existem formas de psicose que estão associadas a uma hipersensibilidade à dopamina (principal neurotransmissor afetado nesses casos) e alguns pacientes são mais sensíveis às variações neuroquímicas que os medicamentos orais provocam por sua maior instabilidade em atingir níveis constantes do princípio ativo na corrente sanguínea.
Esquema de iniciação
O Invega Sustenna deve ser iniciado, de acordo com o laboratório que o desenvolveu, Janssen-Cilag, da seguinte forma:
Primeiro dia – 1 ampola IM de 150mg no braço (músculo deltoide)
Oitavo dia – 1 ampola IM de 100mg no braço (músculo deltoide)
Trinta dias depois da segunda dose – 1 ampola IM na dose de manutenção, que pode variar de 50 a 150mg de acordo com cada caso. Esta injeção pode ser aplicada no braço (deltóide) ou na nádega (glúteo).
O esquema de iniciação recomendado pelo laboratório deve ser respeitado, pois é através dele que a medicação se acumula no organismo para, ao final de 30 dias, atingir os níveis séricos adequados para o tratamento. Com a primeira injeção de 150mg, atinge-se ao final de 1 semana uma dose equivalente a 6mg/d de Invega oral, com a segunda injeção de 100mg alcança-se a dose equivalente a 12mg/d de Invega oral. Esses níveis, entretanto, vão reduzindo com o passar dos dias para receber a terceira ampola trinta dias depois da segunda e, então, estabilizar a dose sanguínea de acordo com a dosagem de manutenção pretendida:
Ampola de 150mg – equivalente a 12mg/d de Invega oral
Ampola de 100mg – equivalente a 9mg/d de Invega oral
Ampola de 75mg – equivalente a 6mg/d de Invega oral
Ampola de 50mg – equivalente a 3mg/d de Invega oral
Caso o esquema inicial proposto não seja respeitado, corre-se o risco de não atingir a estabilidade de dose na fase de manutenção, pois diferentemente dos antipsicóticos de depósito convencionais (tipo haldol decanoato), o Invega Sustenna não se acumula muito tempo no organismo. Para se ter uma ideia, mais de uma semana de atraso na injeção de manutenção já é suficiente para reduzir o medicamento a níveis preocupantes em que podem haver recaídas, portanto, atrasos máximos de 1 semana são permitidos, porém não aconselháveis. Caso este período se exceda, será necessário repetir o esquema de iniciação para novamente atingir a estabilidade na dosagem sanguínea.
O esquema de iniciação serve como uma “dose de ataque” para alcançar um nível mínimo de medicação no sangue que permita, a partir da terceira dose (primeira de manutenção), que os níveis séricos sejam constantes mesmo tomando uma injeção mensal.
Uma vantagem do Invega Sustenna, e que o diferencia das demais medicações de depósito, é que por sua tecnologia de liberação ele tem efeito a partir do segundo dia da injeção, sendo indicado para as situações de crise. Geralmente é possível já observar um início de melhora uma semana após a primeira injeção e ,normalmente após 20 a 30 dias, já é possível observar uma melhora significativa dos sintomas psicóticos.
Principais efeitos colaterais
O Invega Sustenna costuma ser bem tolerado, mas alguns efeitos colaterais transitórios podem ocorrer de acordo com cada etapa do tratamento:
Após a primeira injeção de 150mg – a maioria dos pacientes não sente nenhum efeito significativo, mas pode ocorrer maior sonolência, geralmente após o segundo dia da injeção.
Após a segunda injeção de 100mg – cerca de metade dos pacientes pode se queixar de uma ansiedade, geralmente uma necessidade de andar ou de se movimentar mais, pode ter dificuldade de ficar muito tempo sentado ou de se concentrar em algo em que precise ficar parado muito tempo, como assistir a um filme ou ler um livro. Este efeito costuma desaparecer no segundo mês de tratamento, a medida que o organismo vai se acostumando com o medicamento. O médico pode prescrever algum ansiolítico para tornar este sintoma mais brando; se ocorreu sonolência na primeira fase, nesta fase a sonolência pode aumentar, mas também tende a reduzir depois do segundo mês; pode ocorrer um aumento dos níveis de prolactina (hormônio produzido pela hipófise e que aumenta devido ao bloqueio dos receptores de dopamina – efeito da medicação), efeito esse que já é esperado, alguns pacientes apresentam um aumento mais significativo, mas normalmente isso só pode ser melhor avaliado após o segundo mês.
Após a terceira injeção (início da fase de manutenção) – este será o melhor momento para avaliar os níveis de prolactina. Se ele estiver muito elevado, pode ser necessária uma avaliação com endocrinologista para prescrever um medicamento que reduza os níveis de prolactina. Níveis elevados de prolactina podem provocar, nos homens, ganho de peso e disfunção sexual, e nas mulheres, além desses podem ocorrer alterações menstruais, intumescimento das mamas e, raramente, secreção leitosa. Esta não chega a ser uma contraindicação à medicação, já que existe uma forma de detecção precoce através do exame de sangue e a prevenção através do acompanhamento endocrinológico.
Uso em outros transtornos psiquiátricos
O Invega Sustenna ainda não tem indicação em bula para outros transtornos mentais, porém os antipsicóticos de segunda geração têm sido utilizados no tratamento do transtorno bipolar (TBH), alguns com liberação pelo FDA (órgão norte-americano) e pelo Ministério da Saúde do Brasil. Essa deve ser uma consequência natural do Invega Sustenna, já que é a única opção de antipsicótico de segunda geração injetável de uso mensal. Sabe-se que o problema de adesão não afeta exclusivamente a esquizofrenia, sendo também muito comum no TBH.
A paliperidona (Invega) já vem sendo utilizada de forma off-label no tratamento do transtorno bipolar, principalmente nos quadros de mania e nos estados mistos (depressão agitada, hipomania depressiva).
O esquema de iniciação e a dose de manutenção seguem os mesmos princípios da indicação para a esquizofrenia.
Dúvidas mais comuns
É possível conseguir a injeção pelo plano de saúde?
Sim, alguns pacientes conseguiram que seu plano de saúde cobrisse a medicação. Segundo a ANS, através do Rol 211 e 262, é obrigatória a cobertura de hospital-dia e medicação injetável que se fizer necessária neste ambiente para pacientes portadores de esquizofrenia, transtorno esquizoafetivo e transtorno bipolar. O médico-assistente deve fazer um laudo indicando o tratamento em hospital-dia e a medicação para que o paciente solicite a cobertura ao plano. Este procedimento tem sido, via de regra, negado pelas seguradoras, mas alguns pacientes tem conseguido a autorização após recorrer à ANS. Para isso é necessário apresentar à ANS o laudo médico junto à negativa do plano por escrito. Caso a ANS não consiga dar uma solução, o paciente pode recorrer à justiça. Para mais informações, acesse https://leonardopalmeira.com.br/?page_id=1171
As primeiras injeções precisam ser no braço?
Sim, pois a absorção é melhor no braço do que na nádega. Como no início do tratamento muitas vezes se quer um efeito rápido da medicação, a aplicação no músculo deltoide acelera o efeito.
Por que existem duas agulhas no kit da injeção, uma de cor azul e outra de cor preta?
A agulha de cor azul é para ser utilizada somente no braço de pacientes com 90 kg ou menos. Na nádega ou se o paciente tiver mais de 90kg deve-se sempre utilizar a agulha de cor preta.
Qualquer enfermeiro pode aplicar a injeção?
Muitos enfermeiros não conhecem a medicação. É preciso ter alguns cuidados: agitar a seringa com o conteúdo por 30 segundos antes de aplicar; utilizar a agulha de cor apropriada (azul se for no braço de alguém com menos de 90kg; preta se for na nádega – independente do peso do paciente - ou no braço de alguém com mais de 90kg) ; não pressionar o êmbolo para retirar o ar, pois irá desperdiçar parte da medicação (a agulha já vem pronta para aplicação, basta agitar); aplicar no músculo deltoide as duas primeiras injeções (início do tratamento), da terceira em diante (fase de manutenção) pode ser no braço ou na nádega; pressionar depois a região com algodão.
O que fazer se o paciente se recusar a tomar a injeção?
Existe um serviço de enfermagem que pode ir até a residência do paciente e aplicar a injeção.
Equipe de enfermeiros especializados:
Enf. Célio – 7869-6062/9667-5417
Enf. Maurício – 99708-3598/7869-6061
Enf. Anselmo - 99837-4836
Qual a margem de tolerância de atraso na tomada da injeção?
Até uma semana para as doses de manutenção (mensais) e até dois dias para as duas primeiras injeções.
O Invega Sustenna é comercializado pelo laboratório Janssen-Cilag, do grupo Johnson&Johnson, nas apresentações de 50, 75, 100 e 150mg, cada caixa com uma ampola.
Aripiprazol (Abilify e Aristab)
Aripiprazol foi desenvolvido pela Otsuka no Japão e nos Estados Unidos, Otsuka América comercializa-o conjuntamente com a Bristol-Myers Squibb. Ele é um medicamento da classe dos antipsicóticos de segunda geração agindo como agonista parcial da dopamina (regula os níveis do neurotransmissor dopamina no cérebro), indicado principalmente no tratamento da esquizofrenia, dos transtornos de humor (neste caso com ação estabilizadora de humor e antidepressiva), como do espectro bipolar e da depressão, sendo eficaz também em quadros de irritabilidade, como a associada aos transtornos invasivos do desenvolvimento em crianças e adolescentes, como o autismo, inclusive a Sindrome de Asperger.
O medicamento foi aprovado pelo órgão americano Food and Drug Administration (FDA) para a esquizofrenia em 15 de novembro de 2002, e pela Agência Europeia de Medicamentos em 4 de junho de 2004. Depois foi recebendo a aprovação para os outros transtornos na medida em que pesquisas demonstraram sua atuação em síndromes maníacas e depressivas, graças à sua atuação também em receptores de serotonina.
O Aripiprazol destaca-se entre os medicamentos de sua classe por ser muito pouco sedativo, oferecer menor risco de ganho de peso e de síndrome metabólica (obesidade e diabetes) e possuir uma ação terapêutica já em baixa dose.
As doses usuais para cada transtorno são:
- Esquizofrenia: 10-30mg/d
- Espectro bipolar: 2,5-10mg/d
- Depressão: 2,5-5mg/d
- Irritabilidade associada: 2,5-10mg/d
O Aripiprazol é normalmente bem tolerado, desde que o aumento de dosagens seja feito gradativamente, partindo de 2,5mg até atingir a dose pretendida.
Entre os efeitos colaterais mais comuns estão:
- ansiedade, na forma de uma inquietação (necessidade de andar ou dificuldade de permanecer muito tempo sentado ou deitado), podendo chegar a uma agitação;
- dor de cabeça;
- insônia ou leve sonolência;
O risco de efeitos extrapiramidais (tipo parkinsonismo) são pouco comuns e estão relacionados à dose.
O Aripirazol é comercializado no Brasil com o nome de Abilify (referência – laboratório Bristol) e Aristab (similar – laboratório Aché), mas apresentações de 10, 20 e 30mg por comprimido.
Documentário sobre depressão.
"Dor do coração" é um documentário de Leonardo Cerqueira e Rômulo Maciel que aborda com muita sensibilidade o tema da depressão. Com depoimentos de quatro pacientes que ilustram bem todos os desafios de quem sofre deste mal, o documentário traz informações atualizadas sobre a doença que hoje é a principal causa de perda de qualidade de vida e de afastamento do trabalho. O filme passa uma mensagem positiva e de esperança ao contar como as personagens se recuperaram a partir do tratamento e das mudanças que imprimiram em suas vidas. É um bom exemplo de como pessoas podem se recuperar de um transtorno mental.
A luz nunca se apaga! - Um depoimento emocionante de quem venceu a esquizofrenia.
Aparentemente, Eleanor Longden era exatamente como qualquer outra estudante, indo para a universidade cheia de promessas e sem preocupações com o mundo. Até que as vozes em sua cabeça começaram a falar. Inicialmente inócuos, esses narradores internos começaram a ser tornar cada vez mais antagônicos e ditatoriais, transformando sua vida num pesadelo vivo. Diagnosticada com esquizofrenia, hospitalizada e drogada, Longden foi descartada por um sistema que não sabia como ajudá-la. Longden conta a história comovente de sua jornada de anos para recuperar a saúde mental, e constrói o argumento de que foi aprendendo a escutar suas vozes que ela foi capaz de sobreviver.
Assista à palestra de Eleanor Longden em TED.com ou leia a transcrição da palestra em português.
"No dia em que saí de casa para ir à universidade pela primeira vez, era um dia lindo, cheio de esperança e otimismo. Eu fui bem na escola. Minhas expectativas eram altas e entrei alegremente na vida estudantil de palestras, festas e roubos de cones de trânsito.
As aparências, é claro, podem enganar, e, de certa maneira, esta vida enérgica e festiva de palestras e roubos de cones era um disfarce, embora fosse um disfarce muito bem feito e convincente. Por trás dele, eu era na verdade muito infeliz, insegura, e profundamente apavorada -- apavorada pelas pessoas, pelo futuro, pelo fracasso e pelo vazio que sentia que estava dentro de mim. Mas eu era boa em esconder isso, e por fora eu parecia uma pessoa cheia de esperanças e aspirações. eu parecia alguém cheia de esperanças e aspirações. Esta fantasia de invulnerabilidade era tão bem feita que até mesmo eu me enganava, e quando o primeiro semestre terminou e o segundo começou, ninguém poderia ter previsto o que estava prestes a acontecer.
Eu estava saindo de um seminário quando começou, assobiando sozinha, mexendo na minha bolsa, como já tinha feito centenas de vezes antes, quando, de repente, ouvi uma voz afirmar calmamente: "Ela está saindo da sala."
E olhei em volta, e não havia ninguém lá, mas a clareza e determinação do comentário era inconfundível. Tremendo, eu deixei meus livros nas escadas e corri para casa, e lá estava a voz de novo: "Ela está abrindo a porta."
Isso era o começo. A voz havia chegado. E a voz persistiu, dias e depois semanas com ela, sem parar, narrando tudo o que eu fazia na terceira pessoa.
"Ela está indo para a biblioteca."
"Ela está indo para uma palestra." Ela era neutra, impassível, e até, depois de algum tempo, estranhamente companheira e reconfortante, apesar de eu não perceber que sua calma exterior sumia às vezes e que ela refletia minha própria emoção reprimida. Por exemplo, se eu estivesse com raiva e precisasse esconder isso, o que eu fazia com frequência, por ser muito habilidosa em esconder como eu me sentia, então a voz soava frustrada. Caso contrário, ela não era nem sinistra nem perturbadora, apesar de que, mesmo àquela altura, estava claro que ela tinha algo a me comunicar sobre minhas emoções, especialmente as emoções que estavam distantes e inacessíveis.
Foi neste momento que cometi um erro fatal, quando contei a uma amiga sobre a voz, e ela ficou horrorizada. Um processo sutil de condicionamento teve início, a ideia de que pessoas normais não ouvem vozes e o fato de que eu as ouvia significavam que algo estava muito errado. Esse medo e desconfiança eram contagiosos. De repente, a voz não parecia tão benigna como antes, e quando minha amiga insistiu que eu procurasse ajuda médica, eu obedeci, o que provou ser o erro número dois.
Eu passei algum tempo contando ao médico da faculdade sobre o que eu percebia ser o problema real: ansiedade, baixa autoestima, medo sobre o futuro, e fui recebida com indiferença entendiada, até que mencionei a voz, e foi quando ele largou sua caneta, se virou e começou a me questionar, demonstrando real interesse. E para ser sincera, eu estava desesperada por atenção e ajuda, e comecei a contar a ele sobre minha estranha comentarista. E sempre desejei que, naquele momento, a voz tivesse dito: "Ela está cavando a própria cova."
Eu fui indicada para um psiquiatra, que também assumiu uma opinião severa sobre a presença da voz, interpretando subsequentemente tudo o que eu dizia por trás de lentes de insanidade latente. Por exemplo, eu participava de um canal de TV estudantil que transmitia boletins de notícias pelo campus, e durante uma consulta, que estava ocorrendo muito tarde, eu disse: "Desculpe-me, doutor, preciso ir. Vou ler as notícias das seis." Agora está anotado nos meus registros médicos que tenho alucinações de que sou uma apresentadora de notícias da TV.
Foi neste ponto que os eventos começaram a me sobrecarregar rapidamente. Uma internação hospitalar se seguiu, a primeira de muitas, um diagnóstico de esquizofrenia veio em seguida, e então, o pior de tudo, uma sensação tóxica e angustiante de descrença, humilhação e desespero sobre mim mesma e minhas perspectivas.
Mas ao ser encorajada a ver a voz não como uma experiência mas como um sintoma, meu medo e resistência contra ela se intensificaram. Essencialmente, isso representava assumir uma posição agressiva contra minha própria mente, um tipo de guerra civil psíquica, e, por sua vez, isso provocou um aumento do número de vozes que ficavam cada vez mais hostis e ameaçadoras. Desamparada e descrente, eu comecei a recuar para este mundo interno tenebroso, em que as vozes estavam destinadas a se tornar tanto minhas perseguidoras como companhias percebidas só por mim. Elas me diziam, por exemplo, que se eu provasse que merecia a ajuda delas, então elas podiam fazer minha vida voltar ao que era antes, e foi criada uma sequência de tarefas cada vez mais bizarras, como os trabalhos de Hércules. Ela começava com coisas pequenas, por exemplo, puxar três fios de cabelo, mas, gradualmente, ficava cada vez mais extrema, culminando em ordens para machucar a mim mesma, e uma instrução particularmente dramática:
"Você está vendo o tutor ali? Você está vendo aquele copo d'água? Pois bem, você terá de ir até lá e jogar água nele, na frente dos outros alunos."
O que eu acabei fazendo, e não é preciso dizer que isso não me fez popular na faculdade.
Com efeito, um ciclo de medo, esquiva, desconfiança e mal-entendido foi estabelecido, e isso foi uma batalha em que me sentia impotente e incapaz de estabelecer qualquer tipo de paz ou reconciliação.
Dois anos depois, a deterioração foi dramática. Àquela altura, eu tinha todo o repertório frenético: vozes assustadoras, visões grotescas, alucinações bizarras e incuráveis. Minha saúde mental era um catalisador para discriminação, abuso verbal, e assédio físico e sexual, e fui avisada pelo meu psiquiatra: "Eleanor, era melhor que você tivesse câncer, pois o câncer é mais fácil de curar do que a esquizofrenia." Eu fui diagnosticada, drogada e descartada, e, a essa altura, estava tão atormentada pelas vozes, que tentei fazer um buraco na minha cabeça para que elas saíssem.
Vendo agora minha ruína e desespero daqueles anos, parece para mim como se alguém tivesse morrido naquele lugar, e ainda assim, outro alguém foi salvo. Uma pessoa quebrada e assombrada começou esta jornada, mas a pessoa que emergiu foi uma sobrevivente e iria crescer finalmente dentro da pessoa que eu estava destinada a ser.
Muitas pessoas me machucaram em minha vida, e eu lembro de todas elas, mas as memórias empalidecem e desvanecem em comparação com as pessoas que me ajudaram. Os colegas sobreviventes, os colegas que ouvem vozes, os camaradas e colaboradores; a mãe que nunca desistiu de mim, que sabia que um dia eu voltaria para ela e estava disposta a esperar por mim tanto tempo quanto fosse preciso; o médico que me atendeu apenas por um breve período, mas que reforçou sua crença de que a recuperação não só era possível, mas inevitável, e durante um período devastador de recaída disse a minha família: "Não desistam. Eu acredito que a Eleanor pode sair dessa. Às vezes, sabem, pode nevar até o fim de maio, mas o verão sempre chega finalmente."
Quatorze minutos não é tempo suficiente para agradecer todas essas pessoas boas e generosas que lutaram comigo e por mim e que esperaram para me ver de volta daquele lugar solitário e agonizante. Mas juntas, elas forjaram um misto de coragem, criatividade, integridade e uma crença inabalável de que o meu eu despedaçado pudesse ser curado e integrado. Eu costumava dizer que essas pessoas me salvaram, mas o que sei agora é que elas fizeram algo ainda mais importante, e me deram o poder para salvar a mim mesma, e, de forma crucial, elas me ajudaram a entender algo que eu suspeitava desde sempre: que minhas vozes eram uma resposta significativa para eventos traumáticos, especialmente eventos da infância, e, dessa forma, elas não eram minhas inimigas, mas uma fonte de reflexão para resolver problemas emocionais.
A princípio, isso foi muito difícil de acreditar, principalmente porque as vozes pareciam tão hostis e ameaçadoras. Nesse aspecto, um passo vital foi aprender a separar um significado metafórico do que eu antes interpretava como uma verdade literal. Por exemplo, sobre as vozes que ameaçavam atacar minha casa eu aprendi a interpretá-las como meu próprio sentido de medo e insegurança no mundo, ao invés de um perigo real e objetivo.
No começo, eu teria acreditado nelas. Por exemplo, eu lembro de uma noite que fiquei de guarda na frente do quarto dos meus pais para protegê-los do que eu pensava que era uma ameaça genuína das vozes. Como eu tinha um problema sério com automutilação e a maior parte dos objetos cortantes da casa estavam escondidos, eu acabei me armando com um garfo de plástico, daqueles de piquenique, e fiquei sentada na frente do quarto com ele no bolso e esperando para usá-lo se alguma coisa acontecesse. Eu estava tipo: "Não mexa comigo. Eu tenho um garfo de plástico, sabia?" Bem estratégico.
Mas uma resposta tardia, e muito mais útil, seria tentar desconstruir a mensagem por trás das palavras. Então, quando as vozes me avisavam para não sair de casa, eu agradecia a elas por me alertarem sobre como me sentia insegura -- pois se eu estivesse alerta disso, então poderia fazer algo positivo quanto a isso -- mas eu iria em frente para assegurar a elas e a mim mesma de que estávamos seguras e não precisávamos sentir medo. Eu colocava limites para as vozes, e tentava interagir com elas de uma maneira que fosse firme mas também respeitosa, estabelecendo um lento processo de comunicação e colaboração, em que nós pudéssemos aprender a trabalhar juntas e apoiar umas às outras.
Ao longo disso tudo, o que eu percebi finalmente foi que cada voz estava intimamente relacionada a aspectos de mim mesma, e cada uma delas trazia emoções irresistíveis que nunca tive chance de processar ou resolver, memórias de trauma sexual ou abuso, de raiva, vergonha, culpa, baixa autoestima. As vozes tomaram o lugar dessa dor e deram palavras a ela, e possivelmente uma das maiores revelações foi quando descobri que a maioria das vozes hostis e agressivas representavam, na verdade, as partes de mim que foram machucadas profundamente, e assim, eram estas vozes que precisavam receber maior compaixão e cuidado.
Foi com este conhecimento que finalmente consegui juntar o meu eu despedaçado, cada fragmento representado por uma voz diferente. Gradualmente, parei com toda minha medicação, e voltei para a psiquiatria, só que, desta vez, do outro lado. Dez anos depois que a primeira voz apareceu, eu finalmente me formei, desta vez com o grau mais elevado em psicologia que a universidade já concedeu, e um ano depois, o grau mais elevado no mestrado, o que não é nada mau para uma maluca. De fato, uma das vozes ditou as respostas durante o exame, o que tecnicamente conta como trapaça.
(Risos)
E para ser honesta, às vezes eu gostava da atenção delas. Como Oscar Wilde dizia, a única coisa pior do que ser comentado é não ser comentado. Isso também é muito bom para escutar escondido, pois é possível escutar duas conversas ao mesmo tempo. Então não é de todo ruim.
Eu trabalhei em atendimentos de saúde mental, eu falei em conferências, eu publiquei capítulos de livros e artigos acadêmicos, e eu discuti, e continuo a fazer isso, a relevância do seguinte conceito: que uma questão importante na psiquiatria não deve ser sobre o que está errado com você, mas sobre o que aconteceu com você. E durante esse tempo, eu ouvi as minhas vozes, com quem eu finalmente aprendi a viver em paz e respeito e que, por sua vez, refletiram um sentido crescente de compaixão, aceitação e respeito para comigo mesma. E me lembro do momento mais comovente e extraordinário quando dei apoio a outra jovem que estava aterrorizada por suas vozes, e me dei conta, pela primeira vez, de que eu não me sentia mais daquela maneira e finalmente era capaz de ajudar alguém assim.
Eu estou muito orgulhosa de ser parte do Intervoice, o conselho organizacional do International Hearing Voices Movement, uma iniciativa inspirada pelo trabalho do Professor Marius Romme e da Doutora Sandra Escher, que estabelecem a escuta de vozes como uma estratégia de sobrevivência, uma reação sã para circunstâncias insanas, não como um sintoma aberrante de esquizofrenia a ser suportado, mas como uma experiência complexa, importante e significativa a ser explorada. Juntos, nós imaginamos e decretamos uma sociedade que compreende e respeita a escuta de vozes, dá suporte às necessidades dos indivíduos que escutam vozes, e que os valoriza como cidadãos completos. Este tipo de sociedade não é só possível, ela já está a caminho. Para parafrasear Chavez, uma vez que a mudança social começa, ela não pode ser revertida. Você não pode humilhar a pessoa que sente orgulho. Você não pode oprimir as pessoas que não têm mais medo.
Para mim, as conquistas do Hearing Voices Movement são um lembrete de que empatia, companheirismo, justiça e respeito são mais do que palavras; elas são convicções e crenças, e estas crenças podem mudar o mundo. Nos últimos 20 anos, o Hearing Voices Movement estabeleceu redes de escuta de vozes em 26 países, de cinco continentes, trabalhando juntos para promover dignidade, solidariedade e capacitação para indivíduos com angústia mental, para criar uma nova linguagem e prática de esperança, na qual, em seu núcleo, se encontra uma crença inabalável no poder do indivíduo.
Como Peter Levine disse, o animal humano é um ser singular, dotado de uma capacidade instintiva de se curar e o espírito intelectual para aproveitar esta capacidade inata. Neste aspecto, para os membros dessa sociedade, não há maior honra ou privilégio do que facilitar este processo de cura para alguém, dar testemunho, oferecer ajuda, compartilhar a maldição do sofrimento do outro, e manter a esperança de sua recuperação. E da mesma forma, para os sobreviventes dessa angústia e adversidade, lembramos que não precisamos viver nossas vidas definidas para sempre pelas coisas danosas que nos aconteceram. Nós somos singulares. Somos insubstituíveis. O que reside em nós jamais pode ser subjugado, distorcido ou levado embora. A luz nunca se apaga.
Como um médico maravilhoso me disse uma vez: "Não me fale o que as outras pessoas dizem sobre você. Fale-me sobre você."
Obrigada.
Fonte: TED
Sono: faxina noturna.
Sabemos por experiência própria que o sono não é apenas "o outro" estado de funcionamento do cérebro, mas uma necessidade básica para que o cérebro trabalhe direito enquanto acordado.
Não dormir o suficiente traz fadiga mental, más decisões, dificuldade de aprendizado e risco aumentado de crises de enxaqueca e epilepsia - e a insônia completa e crônica ainda é capaz de levar humanos, camundongos e até mesmo moscas à morte.
Por que o funcionamento normal do cérebro depende de sono e deteriora quanto mais tempo se passa acordado? A neurociência tem uma forte candidata a resposta, vinda do laboratório de Maiken Nedergaard, nos EUA: o sono seria necessário para que metabólitos (quer dizer, produtos do metabolismo normal do cérebro) potencialmente tóxicos sejam eliminados do cérebro.
O interesse inicial da equipe de Maiken Nedergaard era estudar o espaço intersticial do cérebro: o volume situado do lado de fora das células, por onde circula o líquido que banha as células e "lava" embora tudo aquilo que elas excretam, inclusive os tais metabólitos. Para estudar o espaço intersticial, a equipe injetava um corante que se espalhava por esse espaço no cérebro de camundongos acordados sob o microscópio.
O experimento devia ser um tanto monótono para os animais, pois estes acabavam adormecendo. Foi o que levou à descoberta: para a surpresa dos pesquisadores, o cérebro adormecido parecia ter uma torneira aberta de corante, que agora se espalhava rapidamente pelo espaço intersticial.
Investigando o fenômeno inesperado, a equipe demonstrou que a circulação de líquido pelo espaço intersticial é mínima no cérebro acordado, quando o espaço intersticial é reduzido. Mas a transição para o sono leva a uma expansão de 60% desse espaço, o que aumenta enormemente a circulação de líquido.
Na prática, o resultado é que a remoção de toxinas produzidas pelo funcionamento das células essencialmente só ocorre durante o sono; no cérebro acordado, com pouca circulação de líquido, elas vão se acumulando.
É fácil pensar em como o cérebro, acordado, deve ficar gradualmente prejudicado conforme se acumulam os produtos tóxicos do seu próprio funcionamento. Dormir parece ser a solução para o problema: um estado transitório, mas obrigatório, repetido todos os dias após um certo número de horas acordado. E que deixa o cérebro pronto para começar tudo de novo...
Fonte: Artigo de Suzana Herculano-Houzel, publicado na Folha em 12/11/2013
Suzana Herculano-Houzel, carioca, é neurocientista treinada nos Estados Unidos, França e Alemanha, e professora da UFRJ. Escreve às terças, a cada duas semanas, na versão impressa de "Equilíbrio".
Como se recuperar de um transtorno mental?
Recuperação pessoal
O conceito de recuperação de um transtorno mental evoluiu nos últimos vinte e cinco anos da tradicional visão médica de remissão (desaparecimento) dos sintomas e prevenção de recaídas para uma noção mais abrangente, que parte do indivíduo que sofre de transtorno mental grave e se concentra na sua subjetividade e na sua relação com seu meio social e familiar.
Os pacientes com transtorno mental grave, particularmente as pessoas com esquizofrenia, através do movimento de associações ocorrido em diferentes países a partir da década de 1980/1990, como EUA, Inglaterra, Austrália e Nova Zelândia, têm sustentado que o que eles desejam não é diferente do que qualquer cidadão comum almeja: ter um sentimento de pertencimento à sociedade, receber uma remuneração justa por trabalho ou atividade produtiva, morar num lugar decente, relacionar-se, ter amigos, amar, enfim, alcançar um equilíbrio emocional, mental, físico e espiritual a partir do sofrimento que a doença lhes trouxe, sendo capazes de adquirir, ou readquirir, habilidades ou capacidades que lhes tragam um sentido de contribuição e de valor em sua comunidade.
Histórias pessoais de sofrimento e superação começaram a surgir de diferentes partes do mundo e reverberaram em outros pacientes que vivenciavam o mesmo sentimento de recuperação, baseado muito mais em valores como esperança, identidade, significação e responsabilidade do que em aspectos clínicos, como a remissão dos sintomas.
A definição mais citada de recuperação pessoal é a de Bill Anthony (1993):
“Recuperação é profundamente pessoal, um processo único de mudar suas próprias atitudes, valores, sentimentos, objetivos, habilidades e/ou papéis. É uma forma de viver uma vida com satisfação, esperança e contribuição ainda que com limitações causadas pela doença. Recuperação envolve o desenvolvimento de um novo sentido e propósito na sua vida enquanto se cresce e amadurece para além dos efeitos catastróficos da doença mental.”
Os estudos definem a jornada de recuperação pessoal como um processo ativo, individual e único, um processo não-linear e multidimensional, que envolve diferentes estágios e esforços pessoais na busca de experiências capazes de mudar a vida. Não se trata de cura, mas de um processo gradativo de transformação pessoal, da forma como encarar a vida e as pessoas, rever conceitos e crenças, resignificar experiências, buscar um novo olhar sobre si próprio e sobre o papel que se pode ter na comunidade a partir do adoecimento. A recuperação não é um processo que naturalmente ocorra com a intervenção de um profissional ou dela prescinda, mas encontra auxílio e amparo em ambientes que ofereçam suporte, apoio e tratamento.
Em relação às etapas de recuperação, pesquisadores identificaram cinco categorias distintas entre os estudos:
- Ligação: através de grupos de ajuda ou de usuários, relacionamentos, apoio de outros e ser parte da comunidade.
- Esperança e otimismo em relação ao futuro: acreditar na possibilidade de se recuperar, ter motivação para mudar, relacionamentos que inspirem esperança, pensar positivo e valorizar os sucessos, ter sonhos e aspirações.
- Identidade: reconstruir e redefinir um senso positivo de identidade, superar o estigma.
- Sentido na vida: buscar um sentido nas experiências da doença mental, espiritualidade, qualidade de vida, papel social e objetivos sociais para uma vida plena; reconstruir sua vida.
- Empoderamento: responsabilidade pessoal, controle sobre sua própria vida, focar na sua força e no seu poder (quais são suas melhores habilidades, formas de relaxamento e diversão, maneiras de se tranquilizar, focar no bem-estar).
Um novo paradigma para a saúde pública
A recuperação pessoal representa uma mudança de paradigma na medida em que propõe um olhar para fora do paradigma científico. Ela não objetiva negar os avanços no campo da ciência e da medicina, não é um movimento antipsiquiátrico, muito pelo contrário, ela prescinde da psiquiatria para fornecer os melhores tratamentos baseados em evidências científicas e que possam ajudar o indivíduo a alcançar sua recuperação. Esses tratamentos, contudo, devem estar centrados nos objetivos pessoais (aspirações, desejos) e não nos objetivos do tratamento em si (evitar que coisas ruins aconteçam, como hospitalização e recaída).
Ela prega o inverso de algumas suposições tradicionais:
- A doença mental é apenas uma parte da pessoa, ao invés da pessoa resumir-se a uma doença psiquiátrica;
- Ter um papel na sociedade ajuda a melhorar os sintomas e a reduzir hospitalizações, ao invés de precisar aguardar que a pessoa atinja a remissão dos sintomas para assumir suas responsabilidades;
- Os objetivos de recuperação são formulados pelo indivíduo, enquanto o suporte para que esses objetivos aconteçam vem dos tratamentos, ao invés de impor objetivos para o paciente cumprir. O foco deve ser centrado nas preferências, nas habilidades e nos pontos fortes da pessoa e não naquilo que ela não consegue fazer.
Em 1999 o relatório sobre a Saúde Mental nos EUA, elaborado pelo “Surgeon Report” (DHHS, 1999) incorporou o conceito de recuperação pessoal como objetivo principal da assistência pública. Em 2003 uma comissão da Presidência dos EUA constatou que o sistema de assistência à saúde mental do país era fragmentado e desorganizado, levando a gastos desnecessários por prejuízos à saúde, à moradia e por encarceramento dos pacientes, enfatizando que o sistema simplesmente manejava os sintomas e aceitava os prejuízos a longo prazo trazidos pelas doenças mentais (DHHS, 2003). Em 2005, com as recomendações do governo sendo incorporadas à Agenda Federal de Ação (Federal Action Agenda), as transformações necessárias foram se tornando públicas e explícitas. A preocupação central é adequar os serviços de assistência à saúde mental nos EUA às demandas dos pacientes e de suas famílias.
A recuperação pessoal se tornou, então, a principal orientação das políticas de saúde mental nos países anglo-saxões. Na Inglaterra, o plano de saúde mental de 2009-2019 prevê que a assistência esteja centrada nas necessidades das pessoas com transtornos mentais graves, utilizando estratégias e intervenções baseadas em evidências científicas e focadas na recuperação das pessoas, como foi definido em discussão com os usuários dos serviços.
Pesquisadores analisaram 498 textos a partir de 30 documentos práticos e de políticas de saúde mental de seis países – EUA, Inglaterra, Escócia, Irlanda, Dinamarca e Nova Zelândia, levantados através de uma revisão da literatura. Quatro domínios práticos foram descritos como sendo fundamentais como norteadores dos serviços de saúde mental:
- Promover a cidadania: capacitar as pessoas com transtorno mental a exercitar seus direitos e a viver uma vida plena, ou seja, criar serviços que apoiem e estimulem a independência e a autodeterminação. Isso inclui enfrentar o estigma e a discriminação e promover o bem-estar social, produzindo a integração com a comunidade fora do ambiente dos serviços de saúde mental.
- Maior envolvimento dos usuários na organização dos serviços: os serviços não se restringem à infraestrutura e à qualidade, mas precisam balancear as tensões entre as prioridades dos pacientes e as expectativas mais amplas da comunidade. As pessoas com doença mental, seus familiares e cuidadores são estimulados a contribuir com o desenvolvimento, a prática e a avaliação dos serviços de assistência. Pessoas em recuperação podem contribuir compartilhando suas histórias com outros usuários, servindo de modelo de empoderamento, responsabilidade e autodeterminação.
- Serviços que suportem a recuperação como definida pelo usuário: integrar as experiências subjetivas do adoecer com as práticas baseadas em evidências.
- Relacionamento em parceria: terapeutas e pacientes devem buscar um relacionamento terapêutico, mas, sobretudo, verdadeiro e sincero. Os profissionais devem incorporar esta visão de recuperação na sua concepção de saúde-doença com uma visão ecológica, considerando mais o contexto de vida, o ambiente e os relacionamentos entre as pessoas e seu ambiente no cuidado à saúde. Deve-se priorizar a tomada de decisão do usuário e apoiar suas escolhas, resguardando o seu direito de correr riscos e fracassar.
O movimento dos pacientes e familiares nesses países transformou pouco a pouco a prática da saúde mental, trazendo, além do conceito de recuperação pessoal, outros pontos chaves alinhados a ele, como justiça social, empoderamento, ficar bem (“wellness”) e tomada de decisão compartilhada.
Justiça Social
A recuperação deve ser acompanhada pela luta contra o estigma e a descriminação e a favor da igualdade de oportunidade, liberdade e de acesso à diversão, assim como os demais cidadãos. Isso parte da constatação que usuários permanecem excluídos de muitos aspectos da vida e que é preciso que se organizem em grupos para lutar pelos seus direitos.
Empoderamento
A reivindicação por mais participação dos usuários na formulação dos serviços e da política de saúde mental e por divisão na tomada de decisão visa que indivíduos com menos poder ganhem progressivamente controle sobre suas vidas, inclusive pela capacidade de influenciar positivamente na organização e na estrutura da sociedade, para ganhar mais domínio sobre sua vida, inclusive sobre os cuidados com sua saúde. Uma das formas de empoderamento é que indivíduos indignados com os serviços que recebem se organizem para criar seus próprios serviços alternativos (serviços liderados pelos usuários – “user-led services”).
Ficar bem (wellness)
Paralelamente à visão de recuperação, usuários têm direcionado o foco da prática de seus serviços para buscar um maior nível de consciência e, consequentemente, para fazer escolhas por um estilo de vida mais saudável, que inclua hábitos como sono adequado, descanso, boa alimentação, exercícios, nada de drogas ou álcool e se manter produtivo, participativo em atividades e em relacionamentos positivos. Isso parte de uma visão holística do indivíduo com suas dimensões físicas, intelectuais, sociais, ambientais, ocupacionais, financeiras e espirituais que precisam estar em equilíbrio para seu bem estar e não somente o equilíbrio mental e emocional.
Tomada de decisão compartilhada
Os tratamentos devem aceitar e presumir a capacidade de cada um tomar sua decisão e saber ouvir suas necessidades, preferências e valores, no sentido de criar uma parceria para o tratamento, uma vez que os objetivos de recuperação são comuns a ambos. Isso implica em que os profissionais saibam se comunicar com o paciente e sua família de forma clara, informativa e personalizada, até mesmo persuasiva, de forma a conseguir o melhor desfecho possível para cada caso.
Entretanto, essa abordagem não deve ser paternalista, no sentido de que o médico é detentor do saber e deve impor ao paciente aquilo que ele acredita seja o melhor para seu tratamento. A comunicação entre médicos e pacientes deve seguir alguns princípios da entrevista motivacional, que objetiva criar um relacionamento de troca e colaboração, em que as opiniões dos pacientes são levadas em conta para buscar alternativas que possam atender às suas demandas, sem, contudo, negligenciar suas necessidades clínicas. Isso inclui o médico ser mais flexível às escolhas dos pacientes, acreditar que ele possa decidir em conjunto o que acredita ser melhor para seu tratamento, aumentando assim seu sentimento de auto-eficiência e de responsabilidade sobre sua própria vida (i.é. estimular o empoderamento). Essa abordagem pode, inclusive, aumentar a adesão do paciente a tratamentos, como a medicação, em que o índice de não adesão pode chegar a 75%.
Um aspecto central na criação de um ambiente favorável a uma decisão compartilhada é não lutar contra a resistência do paciente e sim explorá-la para mostrar a ele as discrepâncias entre eventuais resistências e seus objetivos clarificados anteriormente. Ao invés de impor sua forma de pensar, o médico deve conduzir o paciente a uma reflexão de como algumas ideias o afastam dos alvos de sua recuperação, semeando novos pontos de vista que podem fazê-lo repensar de forma diferente algumas atitudes, lembrando que a recuperação pessoal é um processo de dentro para fora e de responsabilidade do usuário, não ocorrendo de forma impositiva.
Esta forma mais igualitária de relacionamento médico-paciente possibilita também que o paciente acredite que seja capaz de melhorar sua vida e tenha uma visão mais otimista e esperançosa de si próprio. A informação corre bilateralmente e cabe ao médico fornecer todas as informações necessárias a uma boa decisão, como alternativas terapêuticas que se apresentam a cada caso. A decisão é de responsabilidade de ambos, porém a atitude do médico permanece ativa a todo momento, provocando no seu paciente reflexões que possam aproximá-lo do tratamento ideal.
Estudos mostram que 70% dos pacientes diz que não são incluídos nas decisões terapêuticas e mais de 60% teria solicitado outro medicamento se tivesse sido consultado.
Leia as histórias de pessoas que se recuperaram da esquizofrenia e hoje vivem uma vida normal, conheça as histórias de Elyn Saks e Patrícia Deegan, pioneiras do movimento de recuperação pessoal nos EUA, e aprenda um novo olhar sobre a doença, com mais otimismo e esperança – CLIQUE AQUI.
Revelados mais segredos do Alzheimer.
RIO - Uma proteína responsável por ativar as regiões do cérebro que irão processar as informações fornecidas pelos olhos durante a infãncia e a adolescência é o novo alvo dos cientistas na luta contra o mal de Alzheimer, doença neurodegenerativa que afeta milhões de pessoas no mundo. Em experimentos com camundongos e tecidos humanos, pesquisadores das universidades de Stanford e Harvard, nos EUA, relacionaram a ação da proteína ao aparecimento de placas de uma substância conhecida como beta-amiloide no cérebro, cujo acúmulo é característico da doença na velhice. A descoberta abre caminho para a criação de remédios ou tratamentos que inibam a atuação da proteína ou interrompam sua produção, desta forma atrasando ou mesmo impedindo o surgimento do Alzheimer e seus sintomas.
Segundo os cientistas, a proteína, chamada PirB nos animais e LilrB2 em seu equivalente humano, fica na superfície das células cerebrais mediando a competição entre os olhos para se conectarem com uma região limitada do órgão durante o crescimento. Esta disputa, chamada plasticidade da dominância ocular, ocorre apenas no início da vida e responde à experiência. Assim, se um dos olhos tem algum tipo de problema, como a catarata congênita, ele permanentemente perde terreno para o processamento de suas informações pelo cérebro para o outro olho.
Sem a proteína e sintomas da doença
Responsáveis por identificar a proteína e seu papel no cérebro, Carla Shatz, professora de neurobiologia da Universidade de Stanford, e sua equipe notaram que camundongos sem o gene para produção da PirB mantiveram a flexibilidade na designação das conexões oculares mesmo na idade adulta. Eles decidiram então investigar se a proteína também atuava como um “freio” na plasticidade de outras funções cerebrais, como a relacionada aos sintomas de Alzheimer, causados pelo progressivo enfraquecimento das conexões entre os neurônios, chamadas sinapses.
Para tanto, Shatz e seus colegas primeiro apagaram o gene que ordena a produção da PirB em camundongos geneticamente modificados para desenvolverem Alzheimer. Depois de nove meses de vida, estes animais normalmente apresentam os sintomas da doença, mas sem a proteína isso não aconteceu. Diante disso, eles resolveram investigar o motivo, especialmente se existia alguma relação entre a PirB e o acúmulo de placas de beta-amiloide no cérebro.
— Sempre achei estranho o fato destes camundongos, na verdade, de todos os modelos de Alzheimer em camundongos que nós e outros grupos estudamos, não terem problemas de memória antes de envelhecerem, apesar de seus cérebros apresentarem altos níveis de beta-amiloide desde a juventude — comentou Shatz, coautora de artigo sobre a pesquisa publicado na edição desta semana da revista “Science”. — Mas os camundongos sem a PirB ficaram protegidos das consequências de suas mutações que provocam a produção de beta-amiloide, restando-nos assim a pergunta do por que disso ter acontecido.
Uma união perigosa
E a explicação veio das mãos de Taeho Kim, pesquisador do laboratório de Shatz em Stanford e principal autor do artigo na “Science”. Ele imaginou que a PirB e a beta-amiloide estavam se unindo de alguma forma, fazendo com que a proteína pisasse tão fortemente no “freio” das sinapses que elas desapareciam completamente, levando consigo a memória. Experimentos com os camundongos acabaram por mostrar que de fato a proteína e a beta-amiloide criam uniões fortes, dando início a uma reação em cadeia que prejudica o funcionamento dos neurônios.
Além disso, as experiências revelaram que esta união tem início logo cedo na vida, quando a beta-amiloide ainda trafega livremente pelo cérebro e não se acumulou em placas. Por fim, Kim também demonstrou que esta união também acontece entre a a beta-amiloide e a LilrB2, a equivalente humana da proteína nos camundongos.
— Nossa descoberta sugere que o mal de Alzheimer começa a se manifestar muito antes da formação das placas ficar evidente — disse Shatz. — Estamos apenas começando a investigar o que todas essas proteínas fazem no cérebro e, embora sejam necessárias mais pesquisas, elas podem ser um novo alvo para remédios contra o Alzheimer. Espero que este achado seja animador o bastante para que alguém em empresas farmacêuticas ou de biotecnologia leve a ideia adiante.
Fonte: O Globo
Médicos ainda confundem transtorno bipolar com depressão.
Estudos americanos mostram que os portadores de transtorno bipolar levam até 14 anos, desde a primeira consulta ao psiquiatra, para ter o diagnóstico correto. É o que alerta a professora de psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília, Maria das Graças de Oliveira. A especialista conta que muitas vezes esse transtorno é confundido com depressão porque, na maioria dos casos, o psiquiatra é procurado na fase depressiva da doença, quando os sintomas não são muito diferentes dos de quadros depressivos a que qualquer pessoa está sujeita.
O transtorno bipolar é caracterizado por alterações de humor que se manifestam como episódios depressivos que se alternam com estado de euforia, também denominados de mania, podendo se manifestar em diversos graus de intensidade. Ângela Scippa, presidente da Associação Brasileira de Transtorno Bipolar (ABTB), alerta que entre 30% e 60% dos diagnósticos de depressão escondem um caso de transtorno bipolar.
Maria das Graças explica que na fase de euforia o paciente sente-se muito bem. “Quando estão em hipomania [quadro mais leve de euforia], a pessoa não procura ajuda porque sente-se bem, eufórica, com agilidade mental, sentimento de confiança, ego mais inflado, sente-se mais poderosa, um estado que geralmente não a leva a procurar ajuda de um psiquiatra”, explica a especialista. Se o médico não perguntar insistentemente pelo sintoma da hipomania, eles não vão contar, portanto, muitos pacientes acabam recebendo diagnóstico de depressão, quando na verdade é transtorno bipolar.
“Esses pacientes têm biografias que são verdadeiras montanhas-russas. São pessoas que passam por vários casamentos, que têm dificuldade em crescer profissionalmente, histórico de demissões ou de falências. Cada episódio de depressão ou de exaltação de humor pode ter consequências muito ruins para a vida do paciente”, destacou Graça.
Fernando, professor de educação física, 27 anos, hoje sabe que tem transtorno bipolar. Mas, aos 13 anos, foi diagnosticado com depressão. “Na minha infância, antes dos 10 anos de idade, comecei a apresentar sinais de irritabilidade, agressividade, comecei a ser levado a psicólogos, psiquiatras. Só aos 16 fui diagnosticado com transtorno bipolar”, conta.
Depois de 11 anos de tratamento, Fernando disse que passou a perceber quando está entrando em crise e toma as providências para se controlar e “não machucar” e ofender outras pessoas. “No meu tempo de colégio eu cheguei a agredir tão fortemente um colega que ele desmaiou e foi parar no hospital, eu virava o verdadeiro Hulk [personagem de filme] nas crises de depressão”, contou. No caso dele, a agressividade é um sintoma de sua crise depressiva.
Na fase de euforia, Fernando conta que fica brincalhão e cheio de si. “Eu me sinto literalmente o Super-Homem, você acha que pode tudo, que é inatingível, chegam cinco pessoas querendo bater em você e acha que pode enfrentá-las. Falta achar que sabe voar” relatou.
Ângela também conta que há casos mais leves em que as pessoas convivem com a doença por toda a vida, sem ter um diagnóstico. “Alguns descobrem a doença aos 80 anos, para ter ideia. Isso ocorre em pessoas que têm a doença de forma leve e que, por isso, nunca notaram a necessidade de um tratamento. Mas, hoje, com a ajuda da mídia, as pessoas estão mais atentas e com mais informações em relação ao transtorno bipolar, o que diminui casos de descoberta tardia” explica.
Fonte: Agência Brasil
Lançamento da segunda edição do Livro "Entendendo a Esquizofrenia".
Lançamos a segunda edição do livro “Entendendo a Esquizofrenia” no estande da Editora Interciência na Bienal do Livro, no Riocentro, no dia 04 de setembro de 2013.
O livro é uma segunda edição ampliada, com mais de 100 páginas de conteúdo novo focando no tema da recuperação da esquizofrenia, com relatos de pacientes que participaram do grupo de família do Instituto de Psiquiatria da UFRJ e debates entre os participantes do fórum da comunidade virtual do site.
Além de ser um material essencial para familiares que enfrentam o problema, a segunda edição tem foco também no paciente e em como ele pode se recuperar de uma doença ainda cercada por estigmas e muita incompreensão.
Dra. Maria Thereza e eu no estande da Interciência, na Bienal do Livro.
Minha esposa e meu filho, os autores e Rodrigo Nascimento, diretor da Interciência e sua esposa, em frente ao estande.
'Amor à Vida’ reabre discussão sobre hospitais psiquiátricos.
Novela 'Amor à Vida' retoma discussão sobre como deve ser o tratamento de pacientes com doença mental. No Brasil, opção pelo modelo ambulatorial deixa milhares de pacientes sem atenção médica
Nos episódios que foram ao ar na primeira semana de setembro, Paloma (Paolla Oliveira), protagonista da novela Amor à Vida, foi internada à força em uma clínica psiquiátrica. Sua internação é mais uma das infindáveis artimanhas do irmão Félix (Mateus Solano), que busca roubar seu posto de preferida do pai, o todo-poderoso César (Antonio Fagundes). No folhetim, o propósito do autor Walcyr Carrasco foi reabrir a discussão sobre o tratamento dos doentes mentais no Brasil. “Há uma corrente que acredita que o paciente deve conviver com a família, fora da clínica. Esse é um ponto de vista profissional e quero propor a discussão”, diz.
Carrasco faz menção à antipsiquiatria, uma abordagem contrária à internação de doentes mentais em hospitais psiquiátricos.
Como tantas teorias surgidas na década de 1960, a antipsiquiatria é um amálgama de pensamento especializado e ideologia esquerdista (com ênfase maior na segunda). Seu pai foi o italiano Franco Basaglia, psiquiatra e militante do Partido Comunista, que tratava a loucura como "construção social" e os hospícios, como instituições destinadas ao controle de "corpos e mentes", em total benefício do status quo. Depois de atingir seu auge nas décadas de 1970 e 1980, o discurso da antipsiquiatria saiu de voga. Não é mais usual encontrá-lo repetido nas escolas médicas. Sua herança, no entanto, ficou.
A antipsiquiatria teve um lado positivo: chamou atenção para a realidade dos manicômios — que quase em toda parte eram casas de horror. Bem mais duvidosa é a maneira como a ela informa, de maneira não declarada, políticas públicas de saúde que buscam pura e simplesmente o fim dos leitos hospitalares dedicados aos doentes psiquiátricos. Aqui, ideias abstratas sobre doença e controle social se sobrepõem à necessidade clínica de tratar cada doente como um caso em particular, que precisa de soluções próprias.
Essa é a realidade do sistema de saúde no Brasil atualmente. Em 2001, foi publicada uma lei que determina o fim progressivo dos hospitais psiquiátricos no Brasil. Há, no entanto, um grupo de psiquiatras que defende, com bons argumentos, que é preciso, ao contrário, um aumento no número de leitos hospitalares psiquiátricos.
Tratamento mental
O ELETROCHOQUE
Na novela Amor à Vida, Paloma é falsamente diagnosticada com esquizofrenia paranoide. A doença é um tipo de psicose na qual a pessoa se desconecta da realidade e perde a capacidade de discernimento. Os sintomas costumam ser manias persecutórias e delírios. No folhetim, a protagonista é internada, obrigada a tomar algumas medicações e, por não melhorar, submetida ao eletrochoque.
Segundo Antônio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (SBP), a eletroconvulsão terapêutica (nome médico do eletrochoque) é uma técnica permitida nos dias de hoje. "O paciente é anestesiado e não sente dor", diz. Quando submetida a esse tratamento, a pessoa recebe uma baixa corrente elétrica que a induz à convulsão, que dura cerca de 30 segundos — por isso ela chacoalha na maca.
A técnica é eficaz e, normalmente, são feitas de nove a 12 sessões — de uma a duas por semana. O eletrochoque, no entanto, é usado apenas em último caso. Segundo o especialista, são os pacientes graves, que não responderam bem à nenhuma medicação, que têm indicação para a técnica.
Manicômios — “A noção de doença mental é usada para identificar ou descrever alguns aspectos da chamada personalidade de um indivíduo”, escreveu o psiquiatra húngaro Thomas Szasz (1920-2012), uma das referências da antipsiquiatria, em artigo publicado no periódico American Psychologist, em 1960. Ao insistir que as fronteiras entre normalidade e loucura eram porosas, o movimento forçou uma revisão dos tratamentos psiquiátricos — e sobretudo dos locais onde ele acontecia, os hospitais conhecidos como manicômios.
Na década de 1970, a luta contra essas instituições estava a pleno vapor. Lutava-se para acabar com situações como a do Hospital Colônia, o maior hospício do Brasil. Aberto em 1903 em Barbacena, há indícios de que 60.000 pessoas morreram no local até seu fechamento, na década de 1980 — vítimas de seções fatais de choques elétricos, inanição, precárias condições de higiene e assassinatos.
No livro O Holocausto Brasileiro (Geração Editorial) a jornalista Daniela Arbex narra a história do hospital. Segundo registros do local, 70% dos pacientes que passaram por lá nunca foram devidamente diagnosticados. É certo que nem todas as pessoas entregues a essas instituições tinham distúrbios mentais. Homossexuais, criminosos, portadores de doenças venéreas muitas vezes eram ali internados. A história de Paloma em Amor à Vida remete claramente a episódios como esses: ela não é doente, mas vítima de um golpe.
Herança — Pôr um fim em situações como a do Hospital Colônia era, obviamente, um objetivo legítimo. Algo diferente é afirmar que a doença psiquiátrica é sempre uma "construção social" e que o tratamento hospitalar de pessoas com problemas desse tipo deve ser banido. Hoje, o sistema de saúde brasileiro tem como meta reduzir ao máximo o número de leitos psiquiátricos, e encaminhar os doentes ao tratamento em ambulatórios. A ideia é falha quando se trata de pacientes graves. Na maioria dos casos de surto, a pessoa precisa ser internada por um período indeterminado, que pode durar poucos dias, meses ou anos. “Se o paciente coloca em risco a vida dele e a de outra pessoa, ele precisa ser hospitalizado pelo tempo que for necessário”, diz Antonio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria.
No Brasil, entretanto, isso tem se tornado cada vez mais difícil. Só no município de São Paulo, de 15 a 20 internações de pacientes em surto não podem ser atendidas por dia. “O SAMU [serviço de atendimento móvel de urgência] não está preparado para atender essa população e chega a recusar esses pacientes”, diz Geraldo da Silva. Segundo um levantamento recente, cerca de 1.500 esquizofrênicos moram nas ruas de São Paulo, e metade da população carcerária do País tem algum tipo de problema mental. “Dentro dos prontos-socorros, os médicos não estão preparados para atender esses pacientes. O cenário no Brasil hoje é muito ruim”, diz.
Para o Ministério da Saúde, investir nesses centros especializados, com equipes multidisciplinares, significa humanizar o tratamento. A ação integra a política do governo de abolir os hospitais psiquiátricos. “Essas instituições servem apenas para deixar a doença crônica”, diz o sanitarista Helvécio Magalhães, secretário de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde. De 2002 a 2012, o número de leitos psiquiátricos em hospitais públicos passou de 51.393 para 29.958. “No início da década de 1990 existiam 120.000 leitos”, diz Valentim Gentil, psiquiatra do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP).
Essa queda drástica no número de leitos é acompanhada por um aumento no número dos Centros de Atenção Psicossocial, os chamados CAPs: passaram de 424 unidades, em 2002, para 1.803, em 2012. “O problema é que o CAP não é suficiente. A grande maioria fecha às 18 horas, a família tem que ter disponibilidade para levar e buscar todos os dias e alguns pacientes simplesmente não se adaptam”, diz Gentil. De acordo com o especialista, a maioria dessas unidades também não tem psiquiatra à disposição, nem está preparada para atender um paciente em surto. “O tratamento da saúde mental está em colapso”, diz.
Segundo o professor de psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP e diretor do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, Wagner Gattaz, o modelo de tratamento oferecido pelo governo decorre de um cálculo político injustificável. “Como louco não vota e nem protesta, viu-se como algo interessante acabar com os hospitais psiquiátricos para economizar”, diz Gattaz. Em 2011, foram gastos 525,71 milhões de reais para manter 32.284 leitos hospitalares. Se tivessem sido mantidos os 120.000 leitos em hospitais públicos originais, existentes na década de 1990, os gastos seriam quase quatro vezes maiores, segundo dados do próprio Ministério da Saúde. Enquanto isso, foram gastos, também em 2011, 1,2 bilhão de reais para manter 1.742 unidades do CAPs. Em uma conta grosseira, acabar com os leitos hospitalares rendeu, em um ano, uma economia de meio milhão de reais aos cofres públicos.
Terapia — Tratar doentes mentais, alertam especialistas, é uma tarefa complexa e multidisciplinar. De acordo com Gentil, os CAPs são necessários, desde que haja também investimento em outras áreas da saúde mental. “Além desses centros é preciso ter ambulatórios, leitos em hospitais gerais e em hospitais especializados, uma moradia supervisionada e casas de transição onde o paciente se prepara para voltar à sociedade”, diz.
As moradias supervisionadas são casas onde pacientes graves e crônicos passam a morar, sempre acompanhados de atendimento especializado. Em algumas cidades do país, isso já vem sendo colocado em prática, como em Belo Horizonte. “São locais pequenos, cabem no máximo 20 pessoas. Ali vivem os pacientes que têm no convívio com a família e a sociedade algo impossível”, diz o psiquiatra Francisco Paes Barreto. A iniciativa, no entanto, ainda é pontual e precária.
Fonte: Veja
Medicamentos para TDAH são usados como droga da produtividade: entenda os riscos.
RIO - Por trás da rotina exaustiva de estudos para concursos públicos há um segredo. Um zumzumzum que começou no mercado financeiro americano e não demorou a chegar ao Brasil. Uma droga estimulante chamada cloridrato de metilfenidato, mais conhecida como ritalina, usada para suprimir o cansaço, melhorar a performance, aumentar a produtividade.
O medicamento é recomendado para pessoas com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), e os especialistas são unânimes quanto ao resultado, melhora a vida de quem sofre com o problema. Na prática, apesar de ser um medicamento de tarja preta, vendido com receita amarela (a que fica retida na farmácia), a ritalina chega facilmente a quem não precisa. De julho de 2012 a julho de 2013 foram comercializadas no Brasil 2,75 trilhões de caixas com metilfenidato, o equivalente a R$ 54,2 trilhões, segundo a consultoria IMS Health do Brasil.
- As pessoas compram pela internet, no mercado negro das farmácias, em classificados. Mas esse não é um medicamento que pode ser usado por qualquer um - alerta o presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, Antônio Geraldo da Silva. - Há riscos de sobrecarga de rim, de coração, o corpo pode entrar em estresse, além da possibilidade de surgimento de transtornos psicóticos e de ansiedade.
Um dos alunos da professora de português Adriana Figueiredo, que dá aula em vários cursos preparatórios há mais de 15 anos, atribuiu o sucesso nas provas ao medicamento. Outra estudante conta que usava para conseguir estudar por até 13 horas para provas decisivas, assim como vários amigos.
- O efeito dura de quatro a cinco horas. São horas de estudo em que nada tira o foco, eu ficava às vezes sem beber água - revela. - Como sempre exemplifico, sem a ritalina eu demorava uns dois, três dias pra terminar uma apostila. Com (o medicamento), em metade de um dia eu conseguia finalizar e absorver a matéria.
Mesmo sem ter experimentado efeitos colaterais como taquicardia e boca seca, a estudante não tomava a droga para fazer a prova “pra nada dar errado” e nunca ultrapassou um comprimido por dia, durante seis meses, em dias alternados. E vai voltar a tomar.
- No fim do ano tenho novas provas, vou voltar a tomar assim que tiver uma rotina de estudos mais regrada.
Risco de dependência química
Para a professora Adriana, a prática é velada, mas comum:
- Todos tomam algum estimulante, a gente observa as lixeiras lotadas de energéticos. A concorrência hoje é maior, a pressão é maior. Mas acho que isso tem a ver com o fato de as pessoas não saberem estudar; diante de uma rotina de 10 horas se sentem despreparadas.
A professora observa algumas alterações no comportamento dos alunos entre a manhã e a noite, quando há jornada dupla.
- De manhã, uma aluna que eu sei que faz uso da substância tem uma empolgação até artificial, já à noite o humor muda, ela fica impaciente, faz perguntas agressivas.
Entre os efeitos colaterais do medicamento estão insônia, euforia, taquicardia, ressecamento de mucosa, hipertensão, angina de peito e dependência química. Mesmo assim, uma estudante que ainda não faz uso da ritalina, admite que a tentação é grande.
- Você começa a pensar que este é o único jeito de passar, porque, para quem trabalha, essas quatro horas do efeito do medicamento são as horas necessárias para estudar - desabafa.
O principal problema das chamadas “smart drugs”, segundo a psiquiatra Analice Gigliotti, diretora do Espaço Clif, é desenvolver dependência, o mesmo risco que existe com álcool e maconha, por exemplo. O uso continuado, dependendo da quantidade, pode levar à toxicidade cerebral.
- A cobrança hoje é tão grande que a gente se sente aquém. “Eu sou normal mas quero ser super” e isso é muito perverso numa sociedade que cobra produtividade - explica Analice.
Por aumentar a concentração de dopamina e noradrenalina nas sinapses nervosas, a ritalina aumenta o nível de alerta, uma sensação que dura entre uma e quatro horas, com pico de duas horas, diz o psiquiatra Alexandre Sarmento. Esse curto tempo de ação faz com que o “paciente” tome vários comprimidos ao dia, principal fator causador da dependência, segundo ele:
- Estudos científicos relataram que pessoas que usavam o metilfenidato tinham mais propensão ao vício de cocaína e álcool.
Nem só de estudantes vive o mercado de ritalina. Executivos na faixa de 30 a 40 anos também estão chegando aos consultórios com alterações no miocárdio decorrentes do uso da droga.
- É um megaestimulante. Os resultados aparecem nos exames clínicos: os 80 batimentos por minuto aparecem como 160, a pessoa tem taquicardia, que pode levar ao infarto. É uma moda irresponsável - condena Gilberto Ururahy, diretor médico da clínica de check-ups Med-Rio.
Pesquisa desmistifica efeitos do medicamento
Com toda a onda gerada pela ritalina, a pesquisadora do Departamento de Psicobiologia da Unifesp, Silmara Batistela, resolveu testar e fez um teste duplo cego (examinados e examinadores não sabem o que está sendo testado) com 36 jovens saudáveis, entre 18 e 30 anos. Eles foram divididos em quatro grupos: um tomou placebo, os outros três tomaram concentrações diferentes de metilfenidato (10mg, 20mg e 30mg) e, no pico do efeito, fizeram baterias de uma hora e meia de testes cognitivos. Para surpresa da pesquisadora, não houve diferença de performance entre os grupos.
- A única alteração foi observada no grupo que tomou 40mg, que relatou uma maior sensação de bem-estar no fim dos testes. Isso foi atribuído à falta de sensação de cansaço, o que faz sentido, porque a ritalina é um estimulante - explica a pesquisadora. - Algumas pessoas tomam e se sentem bem com a ritalina porque têm algum déficit e nem sabem, mas, fora isso, se você não toma um remédio para diabetes sem precisar, por que tomar um estimulante sem necessidade?
Essa pergunta não foi feita pelo carioca que costumava tomar o medicamento na noite, misturado com álcool. Horas acordado, coração a mil, uma resistência à bebida fora do comum. Como ele define, “só onda boa, nunca passa mal, parece que você é o super-homem”. A parte ruim vem depois.
- Cansei de deitar na cama e o coração bombando, batendo sem parar. Quando o efeito passa é a pior rebordosa do mundo, eu dormia sábado às 11h e acordava 23h, mal, deprimido, pior que cocaína. Parecia que eu tinha sido atropelado. Se não tivesse esse problema eu estaria tomando até hoje.
Ação no cérebro
O metilfenidato bloqueia a recaptação de catecolaminas (dopaminas, noradrenalinas e adrenalinas) e aumenta o nível de produção de neurotransmissores, fundamentais para a memória, a atenção e a regulação de humor. A longo prazo, de acordo com a pesquisadora Silmara Batistela, do Departamento de Psicobiologia da Unifesp, o cérebro pode entender que não precisa produzir a quantidade de neurotransmissores que produziria sem esse apoio externo. E aí, o sistema, que funcionava bem, fica desregulado. Pode acontecer de a pessoa precisar do medicamento sempre para funcionar.
Duração
O efeito dura de uma a quatro horas, com pico de duas horas.
Efeitos colaterais
Dependência química, taquicardia, hipertensão, angina de peito, ressecamento de mucosas, insônia, euforia, diminuição da sensação de cansaço.
Fonte: O Globo
Entrevista do Dr. Leonardo Palmeira sobre a segunda edição do livro Entendendo a Esquizofrenia.
Foi lançado na Bienal do Livro deste ano (2013), pela Editora Interciência, a segunda edição do livro "Entendendo a Esquizofrenia: como a família pode ajudar no tratamento?", autoria do psiquiatra Leonardo Palmeira junto com a psicóloga Maria Thereza Geraldes e a psicopedagoga Ana Beatriz Bezerra.
Para saber mais sobre esta segunda edição, o Portal Entendendo a Esquizofrenia conversou com o Dr. Leonardo Palmeira.
Portal: Quais as novidades desta segunda edição?
Dr. Leonardo: Esta edição traz várias novidades, não se trata simplesmente de uma reimpressão da primeira, são mais de 100 páginas de conteúdo novo. Escrevemos um capítulo novo que aborda com mais detalhe o tema da recuperação, trazendo a experiência de pessoas que conseguiram superar suas dificuldades e seus limites, levando hoje uma vida normal, trabalhando, estudando, sentindo-se produtivo, amando e sendo amado em seus relacionamentos, enfim, com qualidade de vida e mais fora do que dentro do território da doença. Por isso privilegiamos nesta edição o relato das experiências pessoais, através de novos depoimentos dos pacientes e dos familiares e de debates realizados por eles no fórum da comunidade virtual do site Entendendo a Esquizofrenia, além de novos artigos sobre temas como trabalho, psicoterapia, drogas, prevenção de recaídas e tratamento farmacológico para pacientes graves. Este conteúdo está todo distribuído nos capítulos do livro, de acordo com a relação de cada um dos temas. Esses assuntos são cruciais quando pensamos em recuperação pra valer, não apenas redução dos sintomas, mas a retomada da vida, do prazer, da autoconfiança, da autodeterminação e do bem-estar.
Portal: Muita gente pensa que a esquizofrenia é uma sentença, uma doença que sela a vida de quem dela sofre, para uma vida infeliz, sem autonomia, sem qualidade de vida. Isso não compromete a recuperação?
Dr. Leonardo: Este é um ponto importante que na nossa visão agrava o estigma que a pessoa tem da esquizofrenia e que, por consequência, passa a ser de si própria. Se você é diagnosticado com Diabetes e sua concepção da doença é daqueles pacientes que evoluem com insuficiência renal, cegueira e amputação da perna, qual será o seu sentimento? Qual será o seu investimento no tratamento e sua esperança de levar uma vida normal? Agora se te passam que esta doença pode ser controlada, tratada e que com o tratamento essas complicações são raras, sua atitude passa a ser diferente.
Com a esquizofrenia não é diferente, o problema é que, quando falamos de doença mental, o estigma já é naturalmente maior, as pessoas tendem a pensar que a doença mental representa um perigo ao próximo, que a pessoa pode se tornar violenta e coisas do tipo. Agora, coloque-se no lugar de alguém que sofre de esquizofrenia, que já tem essa imagem pré-concebida da doença. Ela vai se sentir à vontade para se socializar, ela vai aceitar o tratamento, ela vai ter esperança e força de vontade para buscar sua recuperação? Será muito difícil, não só para ela, como para sua família, que normalmente não pensa de forma diferente.
E digo mais, se não houver uma mudança de pensamento em relação à esquizofrenia, até mesmo os médicos e profissionais de saúde correm o risco de não investir tudo na recuperação, por acreditar que a esquizofrenia é assim mesmo, uma doença crônica, degenerativa, que evolui para a conificação. Se você pensar assim, tomar um remédio melhor, mais eficaz, fazer psicoterapia, terapia ocupacional, reabilitação cognitiva, etc, passa a não ser tão importante e você tende a aceitar mais a doença do que a possibilidade de recuperação. Trabalhamos muito isso no livro, acreditamos ser necessário na esquizofrenia quebrar paradigmas, rever conceitos antigos, de uma época em que sequer existiam tratamentos e a doença evoluía sem nenhum tipo de intervenção. Até parece que neste aspecto estamos há um século atrás...
Hoje existem medicamentos eficazes, bem tolerados, capazes de ajudar muito na recuperação do paciente a ponto dele voltar a estudar e trabalhar. E porque a imagem daquelas pessoas andando feito um robô, dopadas, nos corredores dos manicômios não saem de nossas mentes? Por isso precisamos mostrar exemplos de pessoas que se recuperaram, para acabar de vez com essa imagem, que não reflete a realidade de hoje e da maioria que sofre de esquizofrenia e não condiz com os recursos que temos para seu tratamento. No livro trazemos vários textos escritos por pacientes e seus familiares, apresentando uma outra forma de ver a doença, que acreditamos ser mais humana, que traz mais esperança e possibilita o empoderamento, ou seja, a recuperação da força que existe dentro de cada um e que é capaz de transformar a realidade.
Portal: O que mudou entre 2009, quando você lançou a primeira edição do Entendendo a Esquizofrenia, e 2013 com a segunda edição?
Dr. Leonardo: A nossa experiência sempre foi com familiares de pessoas com esquizofrenia. Em 2009 fui ao Congresso Mundial da Sociedade de Pesquisa em Esquizofrenia e conversei com psiquiatras da Inglaterra, Austrália, Alemanha, EUA e eles desenvolviam o mesmo trabalho, só que incluíam os pacientes nos grupos de família e dava super certo. McFarlane, um dos pesquisadores no qual mais nos inspiramos, me disse que era mais difícil separar do que juntar. Quando começamos a desenvolver nosso trabalho no Instituto de Psiquiatria da UFRJ, decidimos que os pacientes iriam participar dos grupos junto com seus familiares. Tem sido uma experiência incrível e isso tem estimulado o debate de ideias mais elaboradas, como sobre a recuperação pessoal de quem sofre com a doença. Os familiares elaboraram, depois de um ano em terapia, uma lista com as principais estratégias de recuperação para o familiar e os pacientes fizeram o mesmo para o paciente e nós decidimos publicá-las nesta segunda edição.
Em termos de tratamento tivemos neste período o lançamento de dois novos antipsicóticos de segunda geração: um injetável e de longa ação, que para mim foi um dos maiores avanços da ultima década, pois ele se alinha perfeitamente conceito de recuperação pessoal - é hoje a melhor alternativa para os pacientes que não aderem ao tratamento com medicação oral e sabemos que sem antipsicótico, não existe recuperação da esquizofrenia! O palmitato de paliperidona é uma medicação injetável para ser tomada uma vez por mês, com excelente tolerabilidade e que garante níveis regulares da medicação na corrente sanguínea. O outro antipsicótico novo é a asenapina, comprimido sublingual, que é mais uma boa opção dentre os antipsicóticos orais de segunda geração.
Em relação a tratamentos complementares, vêm se consolidando a reabilitação cognitiva, intervenções de suporte ao trabalho, o treinamento metacognitivo e a psicoterapia cognitivo comportamental, que também exploramos melhor nesta segunda edição.
Falando de estimulação cerebral, além do ECT (eletroconvulsoterapia), que ainda é útil em muitos casos graves, é crescente a experiência, inclusive no Brasil, com a Estimulação Magnética Transcraniana (EMTr) para pacientes com alucinações que não melhoram completamente com a medicação.
Portal: Como você imagina o tratamento da esquizofrenia no futuro?
Dr. Leonardo: Primeiramente é bom frisar que o cenário que temos hoje não é tão desolador quanto muitos imaginam, o problema é que os recursos não são aplicados como deveriam. Um exemplo: muitos pacientes demoram muito para iniciar o tratamento, geralmente por recusa própria, e as famílias não sabem como proceder e acabam adotando uma atitude mais passiva, esperam o paciente decidir. O problema é que essa conscientização demora muitos anos ou pode até não ocorrer. É bom lembrar que a falta de consciência é muitas vezes um sintoma da própria doença e para melhorá-la é necessário iniciar logo o tratamento médico. Muitos pacientes só realizam a doença quando melhoram dos sintomas com a medicação. Portanto, de nada adianta ter medicações mais avançadas, se existe a demora em iniciá-las. Este é um dos fatores mais impactantes na recuperação: pacientes que demoram mais a iniciar o tratamento, têm um curso mais grave e menores chances de se recuperarem. Por isso a preocupação com o início e a adesão ao tratamento: o paciente toma a medicação direito ou existem falhas? Isso compromete a recuperação na medida em que expõe o paciente a recaídas e quanto mais crises, mais distante da recuperação esperada.
Essa preocupação com o início e a manutenção do tratamento medicamentoso deve ser o ponto de partida, principalmente nos casos com menos de 5 anos de doença, justamente o período de maior benefício do tratamento. E pacientes que aderem mal à medicação, também aderem mal aos tratamentos complementares, como psicoterapia e terapia ocupacional, tendem a ser mais isolados socialmente e a ter mais sintomas negativos.
Aí você pode perguntar, o que é mais determinante nos casos graves, a biologia da própria doença ou os fatores ambientais, como estresse, ausência de tratamento, falta de estímulo, etc. Eu tendo a achar que seja mais pelo ambiente, pois os pacientes mais graves são aqueles que demoraram mais para iniciar o tratamento ou não tomam medicação corretamente, tem um ambiente com maior sobrecarga familiar, como famílias com maior nível de emoção-expressada, se envolvem menos nas atividades. E é óbvio que esses fatores são incorporados à biologia, com pacientes que precisam de doses maiores de medicação para ficar bem, ou seja, para suportar as pressões ambientais. Muita gente deposita muita esperança nos tratamentos biológicos, eu também os acho fundamentais, mas não podemos esquecer dos tratamentos psicossociais, por isso levanto a bandeira de que a esquizofrenia precisa ser tratada com pelo menos três tipos diferentes de intervenção: a farmacológica, a psicoterapia, seja individual ou em grupo, como ocorre nos hospitais-dias e terapias ocupacionais, e a psicoeducação de família, através da informação sobre a doença e grupos de auto-ajuda com outras famílias. Sem esse "pacote", a recuperação fica mais distante. E o maior problema é que a grande maioria dos pacientes só toma remédio, isso quando toma direitinho. Este cenário é perturbador e na minha opinião é o principal limitante, então não adianta ficarmos sonhando com tratamentos mais eficazes, se não fazemos o dever de casa.
A primeira coisa deve ser uma mudança de atitude de todos, profissionais, pacientes e familiares, neste sentido, garantir o "pacote" de tratamento o quanto antes. Por isso eu acho que o antipsicótico injetável de longa ação, principalmente o de segunda geração, que é melhor tolerado, é um recurso importante que apóia este percurso em direção à recuperação pessoal. Garantir níveis constantes de antipsicóticos na corrente sanguínea é importantíssimo, tanto para evitar os efeitos tóxicos da psicose no cérebro, como para apoiar e aumentar a adesão aos outros tratamentos complementares.
Agora, falando de futuro, eu acho que um dos caminhos será aumentar a disponibilidade de antipsicóticos de longa ação, sejam injetáveis (mensais, a cada 3 meses,…), implantes ou adesivos, ou seja, não depositar todas as fichas na medicação oral e achar que o paciente vai tomar direito ou a família, já sobrecarregada, vai assumir esta responsabilidade sozinha. Ao menos no início da esquizofrenia, até que o paciente se conscientize do problema, através da psicoterapia e da psicoeducação, a medicação injetável de longa ação deve ser considerada. Depois ele pode passar para a oral e seguir em sua recuperação.
Outro estímulo, que deverá ser realidade nos próximos anos, são medicações para tratamento dos sintomas negativos e cognitivos. Algumas moléculas já estão em fase avançada de estudo e possibilitarão a melhora de sintomas que os antipsicóticos atuais não conseguem tratar com afinco. Então o paciente poderá no futuro se beneficiar do tratamento combinado de um antipsicótico com uma medicação para melhorar sua iniciativa e sua memória, por exemplo.
E acho que tudo isso precisa ser acompanhado de tratamentos psicossociais cada vez mais adequados às expectativas e necessidades dos pacientes, mais tratamentos "par-a-par", ou seja, pacientes recuperados estimulando aqueles que estão se recuperando, mais "família-a-família", aumentando a rede de suporte social para essas pessoas, o que faz toda a diferença.
Nós ficamos muito felizes quando um dos grupos de família do IPUB saiu da instituição para se reunir de forma independente numa igreja no bairro da Tijuca. É o primeiro grupo comunitário de familiares e pacientes com transtorno mental grave na cidade do Rio de Janeiro, onde um familiar e um paciente são os coordenadores. Essa troca é fundamental, principalmente para as famílias que estão começando sua caminhada, e ter grupos na comunidade que possam apoiá-las, disseminar informação e esperança, é um grande avanço. Queremos ajudar a formar mais grupos como este!
Portal: Todo esse entendimento e os recursos que você cita não parecem uma realidade distante quando se fala do atendimento no SUS?
Dr. Leonardo: Depende. Os serviços são muito heterogêneos, tenho conhecimento de centros que oferecem um atendimento de qualidade, utilizam antipsicóticos de segunda geração, oferecem psicoeducação de família, reabilitação cognitiva, suporte ao trabalho, psicoterapia, enquanto outros que não passam do Haldol e do centro de convivência. Alguns centros ligados à Universidade parecem bem antenados com os conceitos de recuperação pessoal e tem participação crescente dos pacientes, enquanto nos CAPS de uma forma geral a coisa anda mais devagar. Em parte porque os CAPS estão sobrecarregados e não conseguem absorver a demanda e/ou porque a equipe é pequena, muitos não tem sequer psiquiatras. Existe também uma grande carência de CAPS nas grandes cidades e há cidades menores que sequer têm um. Portanto, é preciso aumentar o número de CAPS e investir mais na equipe de tratamento e no seu treinamento.
O acesso aos antipsicóticos de segunda geração melhorou muito com a Assistência Farmacêutica do Ministério da Saúde, mas acho que poderia ser menos burocrático e alguns antipsicóticos já poderiam ter sido transferidos para a grade padronizada de medicamentos do SUS, como a risperidona e a olanzapina, que já contam com vários genéricos e similares com um custo reduzido. Isso facilitaria e ampliaria ainda mais o acesso para outros pacientes que ainda utilizam antipsicóticos de primeira geração.
Uma lacuna, na minha opinião, é a usência de um antipsicótico de longa ação de segunda geração, que sequer existe na Assistência Farmacêutica. Hoje um paciente do SUS que não adere ao tratamento oral só tem a opção do Haldol Decanoato, que é de difícil tolerabilidade. Se ele não tolerar, fica sem opção. Acho imprescindível que haja ao menos uma opção de segunda geração.
Mas o que acho que falta mais é a participação ativa dos familiares e pacientes na elaboração dos serviços, para que cada vez mais eles se adequem às demandas de seus usuários. E isso só é possível com familiares e pacientes mais informados, que possam cobrar melhor dos serviços a qualidade e os recursos que porventura ainda não sejam contemplados. Ocupar espaço nos conselhos de saúde, onde temas são debatidos entre governo e sociedade, é fundamental.
E continuo insistindo: num país do tamanho do Brasil precisamos de iniciativas par-a-par, ou seja, grupos de pacientes e familiares coordenados por eles e para eles. Não dá para esperar que o governo supra tudo sozinho Esse é o nosso maior desafio.
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Fonte: Portal Entendendo a Esquizofrenia