Setembro Amarelo: Uma breve história sobre o Litio.

Um dos medicamentos mais antigos da medicina tem comprovadamente uma ação no tratamento da ideação suicida e na prevenção do suicídio. Diversos estudos demonstraram que o lítio pode reduzir e tratar pensamentos suicidas e, assim, ser um dos poucos agentes farmacológicos que possuem uma atividade intrínseca, e independente de sua ação terapêutica principal, na prevenção do suicídio.

Isso não significa que outros medicamentos não possam ser utilizados no tratamento das ideias suicidas, mas, diferentemente do lítio, eles dependem de sua ação terapêutica principal para alcançar esse objetivo. Um antidepressivo, p.ex., depende de sua ação antidepressiva, como de redução da tristeza, da angústia e da desesperança, para reduzir a força dos pensamentos de morte. Um antipsicótico depende de seu efeito calmante e de combate a crenças deturpadas para combater o desejo de uma pessoa de por fim à vida.

Já no caso do lítio, um conhecido estabilizador de humor, o efeito anti-suicídio parece não ter relação com o fato dele agir no humor, mas ser um efeito independente da substância sobre esses pensamentos. Essa é a conclusão de um estudo publicado este mês na Revista Neuroscience & Biobehavioral Reviews por um grupo de pesquisadores de 5 diferentes países, Itália, Espanha, Canadá e França, que avaliou 44 estudos com mais de 200 mil participantes.

O lítio é uma das substâncias mais antigas da medicina. Ele foi utilizado pela primeira vez para tratamento de uma doença em 1859, quando Alfred Garrod descobriu sua ação na Gota, doença do acúmulo de ácido úrico no sangue. Seus efeitos benéficos para o ácido úrico e para cálculos renais fizeram com que produtos contendo lítio passassem a ser comercializados em mercados nos anos 1930.

Entretanto, foi na psiquiatria que o lítio encontrou sua maior indicação, fazendo com que mesmo nos dias de hoje ele ainda seja muito prescrito. Em 1870 foram descobertas suas propriedades hipnóticas e anticonvulsivantes, passando a ser indicado para “nervosismo geral”. Em 1871 ele foi prescrito pela primeira vez na Mania, que se tornaria uma de suas principais indicações a partir de 1952. Em 1894 o lítio foi descoberto pelo psiquiatra dinamarquês Frederik Lange como tratamento da Depressão Melancólica.

Embora o lítio tenha ficado esquecido pela comunidade médica até a segunda metade do século XX, existem na história alguns casos anedóticos, como de psiquiatras do sul da França, que utilizavam uma preparação de lítio (“Dr. Gustin’s Lithium”) em seus pacientes e que, por essa razão, não se registravam tantos casos de doença maníaco-depressiva em Marseilles.

Em 1958, depois que descobriram a forma de dosar o lítio no sangue, reduzindo assim o risco de intoxicação, foi possível sua utilização em larga escala na psiquiatria. Muito se estudou sobre o lítio de lá para cá, a ponto dele ter sido considerado o tratamento mais efetivo na psiquiatria junto ao ECT, com indicações aprovadas na Mania, Depressão e prevenção do Transtorno Bipolar do Humor, além do efeito anti-suicida que abordamos neste artigo.

A partir de 1995 outros estabilizadores de humor surgiram e com eles a pressão comercial da indústria farmacêutica fez com que o lítio perdesse terreno entre os médicos. Nesse mesmo ano, a Universidade de Columbia fechou sua clínica de lítio. Cada vez menos médicos trainees são ensinados a usar lítio. Estaria o lítio fadado ao desaparecimento? Essa é uma pergunta ainda sem resposta, mas que levanta fortes suspeitas e alertas para a comunidade médica e científica.

Fontes:

Shorter E. The history of lithium therapy. Bipolar Disord. 2009;11 Suppl 2(Suppl 2):4-9. doi:10.1111/j.1399-5618.2009.00706.x

L. Del Matto, M. Muscas, A. Murru, N. Verdolini, G. Anmella, G. Fico, F. Corponi, A.F. Carvalho, L. Samalin, B. Carpiniello, A. Fagiolini, E. Vieta, I. Pacchiarotti,
Lithium and suicide prevention in mood disorders and in the general population: A systematic review. Neuroscience & Biobehavioral Reviews. 2020; 16: 142-153. https://doi.org/10.1016/j.neubiorev.2020.06.017

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