Lançamento do Livro Entendendo a Esquizofrenia.
O livro "Entendendo a Esquizofrenia - Como a família pode ajudar no tratamento?" foi lançado pela Editora Interciência, na Livraria Saraiva do Shopping Rio Sul, no Rio de Janeiro, na noite do dia 28/04/09. O lançamento contou com a presença de amigos, familiares, pacientes e famílias que participaram do Programa de Psicoeducação de Família do Centro Psiquiátrico Rio de Janeiro (CPRJ), entre 2001 e 2007, além de psiquiatras do Rio de Janeiro. Foi uma noite muito agradável e gratificante, com a certeza de termos cumprido nossa missão, a de levar o conhecimento às famílias brasileiras que têm algum parente com esquizofrenia, ajudando-as a superar as dificuldades e a vencer os obstáculos, um passo determinante para a recuperação de seus entes queridos. Abaixo algumas fotos do evento. A todos que compareceram, o nosso muito obrigado!
Os autores do livro "Entendendo a Esquizofrenia", o psiquiatra Leonardo Figueiredo Palmeira (ao centro), a psicóloga Maria Thereza de Moraes Geraldes (à esquerda) e a psicopedagoga Ana Beatriz da Costa Bezerra (à direita), na noite de lançamento.
Os autores do livro Entendendo a Esquizofrenia com Rodrigo Nascimento, da Editora Interciência.
Dr Alexandre Lins Keusen, psiquiatra e ex-diretor do Centro Psiquiátrico Rio de Janeiro (CPRJ), que nos ajudou a implementar o programa de psicoeducação e que nos honrou com o prefácio do livro, ao lado do psiquiatra Leonardo Figueiredo Palmeira.
Os autores autografam o livro para familiares que participaram do programa de psicoeducação de família do Centro Psiquiátrico Rio de Janeiro (CPRJ).
Familiares que participaram dos grupos de família e cujas histórias nos inspiraram a escrever o livro.
Entrevista sobre o livro "Entendendo a esquizofrenia - Como a família pode ajudar no tratamento?"
Do Portal Entendendo a esquizofrenia
“Entendendo a Esquizofrenia – Como a família pode ajudar no tratamento?” (foto), livro de autoria do Dr. Leonardo Palmeira com a psicóloga Maria Thereza Geraldes e a psicopedagoga Ana Beatriz Bezerra, será lançado em 28 de abril pela editora Interciência, na Livraria Saraiva do Shopping Rio Sul, às 19h.
Nesta entrevista, o Dr. Leonardo explica como surgiu a idéia de escrever um livro para familiares de portadores de esquizofrenia, qual o objetivo com o livro e como a família e a sociedade podem ajudar na recuperação do paciente e no combate ao estigma e ao preconceito.
Portal: Como surgiu a idéia de escrever um livro sobre esquizofrenia para familiares?
Dr. Leonardo: Nós desenvolvemos de 2000 a 2007 um programa de psicoeducação, que vem a ser um curso educativo sobre a esquizofrenia seguido de grupos terapêuticos com as famílias, no Centro Psiquiátrico Rio de Janeiro (CPRJ). Esse programa era permanente e tinha um curso semestral sobre esquizofrenia, que era oferecido aos familiares. Esse foi um dos trabalhos mais gratificantes que fiz nos meus dez anos de psiquiatria. Aprendi muito com os familiares, era uma troca intensa de informações e experiências e eles sempre insistiram muito para que houvesse um material didático, que pudessem levar para casa e deixar na cabeceira da cama. Tanto que a maioria repetia o curso no semestre seguinte, tamanha a demanda por informação. O que eu escutava deles, e que também podia observar nitidamente em alguns casos, é que o conhecimento sobre a esquizofrenia mudava muito a maneira de encararem a doença e de resolverem os conflitos em casa. Nós fazíamos entrevistas antes e depois e era notória a mudança que o programa produzia. Havia famílias que participaram do primeiro ao último curso.
Portal: Vocês pretendem retomar o programa?
Dr. Leonardo: Temos a expectativa de implantá-lo em outra instituição, dentro de um projeto maior e que envolva outros centros multiplicadores. Precisamos falar mais dessa doença nos CAPS, nos centros comunitários, nos espaços da sociedade. Na Suíça, no estado de Vaud, eles organizaram um dia anual para lembrar a esquizofrenia, o Schizophrenia Day, quando ocorrem atividades culturais e são divulgadas informações sobre a doença. Um familiar foi entrevistado e justificou que era preciso falar da esquizofrenia, caso contrário ela voltaria a ser uma doença esquecida pela sociedade e é esta a sensação que tenho.
Portal: Qual a importância do livro e como ele pode ajudar a família e o paciente?
Dr. Leonardo: A idéia do livro é ser um veículo de comunicação em massa. Alguém pode não falar da esquizofrenia em algum canto do país, mas se a pessoa quiser se informar pode ir a uma livraria ou biblioteca, pode acessar a internet e ler a respeito. Diversos estudos em vários centros pelo mundo já comprovaram cientificamente que a informação para a família é a principal aliada do tratamento médico na recuperação do paciente. O número de recaídas e internações é significativamente menor entre pacientes que possuem uma família mais esclarecida e acolhedora. Isso que está acontecendo na mídia, pela primeira vez uma novela em horário nobre ter a coragem de abordar a esquizofrenia, é fantástico. Conheço muitos familiares que são gratos a autora Glória Perez por sua brilhante iniciativa. Os familiares me pediam isso, que a sociedade precisava ouvir mais e saber que doenças como a esquizofrenia existem e podem ser tratadas.
Portal: Que papel você acredita que a sociedade tem diante da doença mental, em especial da esquizofrenia?
Dr. Leonardo: A sociedade precisa perder o preconceito. Uma pessoa que adoece da esquizofrenia não perde suas qualidades, sua identidade, seu caráter, seus princípios. Ela adoece como em qualquer outra doença. Seu sofrimento cresce quando ela encontra obstáculos que são puro preconceito, como a dificuldade de conseguir um trabalho, por exemplo. Se a pessoa está em tratamento, está em boas condições de saúde, tem aptidão para aquela função, demonstra competência, porque não conseguir o emprego? Tenho um paciente que prestou um concurso público, foi quinto colocado geral e hoje trabalha normalmente e é muito capaz naquilo que faz. O próprio filme Mente Brilhante mostra isso. John Nash recuperou-se e voltou a lecionar. O filme Shine conta a história real de um músico que, após adoecer e passar anos de sua vida internado em um hospital, casou-se e fez sucesso se apresentando em concertos de piano. É preciso acreditar no potencial da pessoa e não ofuscá-la pela própria doença. Mas é preciso enfatizar: nenhum desses casos avançou sem o apoio e compreensão da família. Portanto, abrir espaço na sociedade para temas deste tipo é também uma forma de fazer chegar às inúmeras famílias, que talvez nem saibam que têm um caso de esquizofrenia entre elas, a informação e a chance de construirem algo diferente para o futuro.
Portal: O que o leitor do portal vai ganhar a mais com o livro?
Dr. Leonardo: O livro tem maior aprofundamento nos temas relacionados à doença, traz casos clínicos, depoimentos de familiares e tem, ao final de cada capítulo, uma seção de perguntas com as respostas para as principais dúvidas dos familiares nestes anos do programa. Ele possui dois capítulos dedicados especialmente à família, que abordam as emoções e sentimentos despertados pela doença, com exemplos das principais dificuldades enfrentadas no dia-a-dia, e como a família deve agir para ajudar na recuperação do paciente a fim de evitar recaídas. O livro é uma ferramenta útil para compreender os sintomas e o comportamento da pessoa portadora de esquizofrenia, serve de guia prático na solução de variados conflitos, além do que, visa produzir reflexões nos familiares e cuidadores, objetivando mudanças de posturas e comportamentos. O nosso foco é a família, que convive a maior parte do tempo e, por isso, absorve a maior carga de tensões geradas pela esquizofrenia.
Como agem as medicações psiquiátricas?
A figura abaixo ilustra esquematicamente como antidepressivos, estabilizadores de humor e antipsicóticos atuam no cérebro.
Inicialmente é importante compreender como o estresse, um quadro depressivo ou ansioso, um quadro de mania ou hipomania (bipolaridade), ou mesmo um surto psicótico afetam o cérebro e os neurônios. Esses achados valem também para dores crônicas, uso de corticóides ou para doenças que cursam com níveis aumentados de glutamato (principal neurotransmissor excitotóxico do cérebro), como as doenças degenerativas cerebrais (p.ex. Mal de Alzheimer), esclerose múltipla, AVC, ateroesclerose, dentre outras.
Essas condições diminuem a capacidade dos neurônios produzirem uma substância essencial para a neuroplasticidade, ou seja, a capacidade do cérebro responder saudavelmente ao ambiente, moldando-se e aperfeiçoando as funções mais necessárias ao equilíbrio mental e à qualidade de vida. Esta substância é conhecida pela sigla em inglês BDNF (Brain Derivative Neurotrophic Factor) ou fator neurotrófico derivado do cérebro.
O BDNF aumenta a arborização dos dendritos, fibras que conectam um neurônio a outro, melhorando assim a conectividade cerebral. Quanto maior e mais eficiente a arborização, melhor os neurônios se comunicam. Portanto, a deficiência de BDNF afeta diretamente a conectividade e, consequentemente, as funções cerebrais.
Estudos têm demonstrado que em quadros psiquiátricos, como a depressão por exemplo, ocorrem alterações anatômicas no cérebro, como redução do volume (atrofia) dos hipocampos, do lobo frontal, de gânglios da base e em estruturas do sistema límbico. Essas alterações ocorrem já no início do quadro e persistem enquanto os sintomas perdurarem. Há estudos que mostram que a curva de atrofia é proporcional à gravidade e ao tempo de doença não tratada ou tratada inadequadamente. Com o tratamento e a melhoria do quadro, a atrofia desaparece e a atividade neuronal volta a normalidade.
As alterações da conectividade neuronal e da anatomia cerebral provocam déficits cognitivos, como problemas de memória, atenção, funcionamento executivo, capacidade de planejamento e tomada de decisão, aspectos frequentes nos quadros psiquiátricos maiores, como a depressão, o transtorno bipolar (TBH) e a esquizofrenia.
A redução dos níveis de BDNF deixa o cérebro mais vulnerável à ação dos radicais livres, provocando maior toxicidade e levando a um fenômeno conhecido como apoptose (morte de neurônios=>envelhecimento cerebral). Portanto, a afirmação de que a depressão e outras doenças psiquiátricas podem matar neurônios é verdadeira e deve ser levada em conta na hora de tratar as doenças. Deve-se buscar a remissão completa ou a cura para se prevenir problemas maiores no futuro, como as doenças degenerativas do cérebro. Estudos têm demonstrado uma associação maior entre quadros psiquiátricos crônicos e não-tratados (ou com tratamento inadequado) e demências na terceira idade, como por exemplo, o Mal de Alzheimer e as doenças cerebrovasculares (AVC, ateroesclerose).
A medicação psiquiátrica atua, então, aumentando a síntese de BDNF, melhorando a conectividade entre neurônios, protegendo o cérebro contra o excesso de radicais livres e, finalmente, protegendo os neurônios contra a apoptose precoce. Agem, portanto, como neuroprotetores e contra um envelhecimento cerebral acelerado. Devemos compreendê-los como uma ajuda necessária ao equilíbrio dos sistemas de neurotransmissão a fim de se atingir a melhora clínica tão necessária à proteção contra o estresse e as sobrecargas do dia-a-dia.
Notícias sobre Esquizofrenia - Março/09
30/03/09 – Medir ondas cerebrais em resposta a estímulos sonoros parece ser um caminho promissor para se começar a entender a genética da esquizofrenia. Pelo menos é o que afirmam pesquisadores do Hospital McLean, afiliado à Universidade de Harvard. A resposta cerebral a determinados tons foi anormal em pacientes com esquizofrenia internados pela primeira vez quando comparada a de pessoas saudáveis, cujas ondas cerebrais foram registradas normalmente após ouvirem os mesmos tons. “A idéia de medir as ondas cerebrais a partir de sons surgiu do conhecimento do envolvimento do lobo temporal esquerdo, responsável pelo processamento do som e da linguagem, na fisiopatologia da doença”, afirma Dean Salisbury, diretor do Laboratório de Neurociência Cognitiva do Hospital de McLean. Mais de 100 pacientes foram testados ao longo de 10 anos. O fato da resposta cerebral a esses tons estar anormal pode significar que o cérebro não esteja disparando os estímulos apropriadamente no córtex auditivo. “Isso indica que estamos num caminho em que é necessário maior investigação”, conclui. Como os pacientes estavam na primeira crise e não tinham história de uso prévio de medicamentos, não se pode relacionar essas alterações ao uso prolongado dos antipsicóticos (PsychCentral).
30/03/09 – Uma pesquisa encomendada pela Sociedade de Esquizofrenia do Canadá para avaliar o estigma e o preconceito da população em relação à doença revelou resultados surpreendentes: 92% dos canadenses já ouviram falar da esquizofrenia, mas a maioria não entende o que é e nem quais os sintomas. A maioria a confunde com transtorno de personalidade múltipla e 62% acreditam que ela esteja ligada a atos violentos contra terceiros. A pesquisa também avaliou como pacientes são tratados nos serviços de saúde e descobriu que eles aguardam seis semanas a mais para um atendimento psiquiátrico do que a média da população para os serviços de saúde clínicos. “É inaceitável que uma pessoa com esquizofrenia espere em média 18 semanas para receber um tratamento psiquiátrico”, indigna-se Chris Summerville, diretor da sociedade. “Saúde mental deveria ser a prioridade absoluta no sistema de saúde nacional e estatal” (CNW Group).
30/03/09 – Pesquisadores da Universidade da Geórgia e de Barcelona encontraram uma ligação entre esquizofrenia e diabetes tipo 2 em um estudo com 50 pacientes recentemente diagnosticados como esquizofrênicos e sem uso de medicações antipsicóticas. “A relação entre a esquizofrenia e a diabetes é uma suspeita antiga da comunidade científica”, diz Dr. Kirkpatrick, um dos pesquisadores. “Os resultados apontam para a possibilidade das duas doenças terem fatores genéticos e ambientais comuns. Sabemos que alguns antipsicóticos causam problemas, mas quisemos saber se a esquizofrenia também tem relação direta. Estabelecer relações entre essas doenças pode ajudar a esclarecer a genética da esquizofrenia”, conclui (Inscience.org).
29/03/09 – O laboratório Eli Lilly and Co´s anunciou que a nova substância LY2140023, em estudo para o tratamento da esquizofrenia, fracassou no estudo de fase II, por não ter mostrado efeito superior ao placebo. 393 pacientes foram acompanhados por 4 semanas em uso da nova substância. A mesma droga havia mostrado resultados promissores no estudo de fase I, com 200 pacientes, por ter agido de forma rápida e eficaz, sem produzir ganho de peso. Ela demonstrou eficácia nos sintomas positivos, como delírios e alucinações, bem como em sintomas negativos, como apatia e isolamento. A nova substância, também conhecida como mGlu2/3, diferencia-se dos demais antipsicóticos por apresentar ação sobre receptores de glutamato, o que é considerado um avanço em relação aos medicamentos hoje disponíveis, que atuam somente sobre dopamina e serotonina. O laboratório não descarta um novo estudo no próximo ano. O que chama atenção neste estudo atual é a alta taxa de resposta placebo, o que pode acontecer em estudos na área de neurociência (IndyStar.com).
26/03/09 - Um estudo realizado na Universidade de Granada (Espanha) verificou que entre jovens com bom desempenho sócio-acadêmico e que desenvolveram psicose, 66% admitiram que faziam uso de maconha diariamente, enquanto que entre os jovens com marcadores de neurodesenvolvimento anormal, somente 43% admitiram o consumo da droga antes do desenvolvimento da doença. Os pacientes com bom desempenho sócio-acadêmico também não possuíam histórico familiar de esquizofrenia, ao contrário do outro grupo. Os pesquisadores questionam se esse tipo de psicose sofre maior influência do ambiente e se ele teria um prognóstico semelhante ao da esquizofrenia (Science Daily).
25/03/09 – Cientistas descobriram um gene que pode controlar a maneira como pessoas com esquizofrenia e transtorno bipolar respondem à medicação. Os pesquisadores da Universidade de Edinburgh também identificaram sete proteínas importantes para o desenvolvimento das doenças mentais e esperam que essas descobertas ajudem no desenvolvimento de novas medicações. Eles analisaram variações do gene DISC1, um dos genes que causam a esquizofrenia, e viram que ele afeta outros genes, alvos de medicações hoje disponíveis para tratamento da esquizofrenia (Medical Breaktroughs).
24/03/09 - O Skunk, um preparado mais forte da maconha, domina atualmente o consumo da droga na Inglaterra, correspondendo a 80% da droga disponível nas ruas, comparado a 30% em 2002. O uso da maconha por adolescentes pode abrir uma porta biológica para problemas mais sérios de saúde, causando um dano permanente e irreversível no cérebro, ainda em desenvolvimento. A maconha pode levar a ataques de pânico e à paranóia no curto prazo e seu uso a longo prazo tem sido relacionado ao desenvolvimento de psicoses, como a esquizofrenia. Para pessoas com esquizofrenia, ela pode piorar os sintomas e levar a recaídas (Ghana Homepage).
23/03/09 - O Dia da Esquizofrenia é um evento anual organizado pela sociedade civil na província de Vaud, na Suíça. Neste ano, o slogan da campanha é “Ação precoce para um cuidado melhor”. Serviços psiquiátricos comunitários farão visitas aos pacientes em suas casas para tentar identificar e tratar precocemente o transtorno. Painéis informativos serão espalhados nas principais cidades para informar a população e combater o estigma e o preconceito. Um concerto de rock “schizo ô night”, em Lausanne, atrairá o público jovem para a causa. “Nós fomos encorajados pelas famílias. Elas disseram ser importante falar sobre a doença, porque, caso contrário, a esquizofrenia continuará sendo uma doença esquecida”, diz Bonsack, organizador do evento. “As pessoas associam a esquizofrenia à violência, mas é importante compreender que ela afeta pessoas como nós e que nem sabemos que estão doentes. Elas têm o direito de viver da mesma forma que eu e você”, complementa. Vaud é líder na Suíça em evento deste tipo (Turkish Weekly).
23/03/09 – Pesquisas apontam para evidências de ligação entre a idade paterna avançada e o desenvolvimento de doenças como autismo, dislexia e esquizofrenia nos filhos. Em relação à esquizofrenia, pesquisadores estimam que a paternidade tardia possa influenciar em até 10% dos novos casos da doença a cada ano. Porém, alertam, isso não deve ser motivo para pessimismo. A grande maioria dos pais e mães mais velhos tem filhos perfeitamente saudáveis. O fato de tê-los mais tarde aumenta o risco de complicações, mas 50% de um risco raro continua sendo um risco raro. Ademais, as implicações médicas podem ser compensadas por benefícios sociais e emocionais de se criar uma criança num ambiente mais estável (Times On Line).
21/03/09 - Gene tem papel importante na esquizofrenia, dizem pesquisas - Cientistas americanos e escoceses identificaram ligação entre gene mutante e doença mental (Portal G1).
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Campanhas sociais contra o preconceito e o estigma da esquizofrenia.
Pessoas com esquizofrenia são freqüentemente vistas como imprevisíveis, incapazes, perigosas, responsáveis por sua doença e com mau prognóstico. Essa percepção tem sido relacionada com o distanciamento social e a discriminação que elas sofrem na sociedade. Esses estigmas são piores do que a própria doença, pois invadem as esferas da vida da pessoa, como trabalho e vida social, comprometendo sua motivação para lidar com a doença e aderir ao tratamento.
Na esperança de reduzir o estigma, campanhas em vários países vêem reforçando os aspectos biológicos e genéticos da esquizofrenia, promovendo o conceito de que a esquizofrenia é uma “doença como qualquer outra”. Conceitos como “a esquizofrenia é causada por uma combinação de fatores genéticos e ambientais ao longo do desenvolvimento da pessoa”, “o cérebro das pessoas com esquizofrenia é diferente do cérebro de pessoas sem a doença”, “genes que aumentam o risco de esquizofrenia já foram identificados”, “alterações na estrutura cerebral e em neurotransmissores estão por trás da doença”, “a predisposição é herdada, mas existem fatores como complicação durante a gestação e o parto e exposição pré-natal a vírus que podem servir de gatilho” têm sido empregados por programas como o “Mudando Mentes” (Changing Minds), do Royal College of Psychiatrists (Inglaterra), “Abrindo as Portas” (Open the Doors), do World Psychiatric Association (EUA), e o programa do National Alliance on Mental Illness (EUA).
O conceito de doença biológica tem ajudado a reduzir a culpa da família e o sentimento de fracasso do paciente, uma vez que a doença é atribuída a fatores fora do seu controle. Esta abordagem parece reduzir o estigma e fazer as pessoas encararem a doença de forma mais positiva, sem culpar o indivíduo.
Entretanto, este conceito tem sido questionado pela comunidade científica como a única fórmula anti-estigma, pois pode passar a impressão de que a esquizofrenia é uma doença imutável, que caminha inexoravelmente para um estado mais grave e crônico. Isso pode reforçar alguns preconceitos, como o de que o tratamento em nada adiantará e que a pessoa se tornará totalmente dependente e incapaz, contribuindo para um maior distanciamento social e exacerbação da resistência à doença mental.
Tânia Lincoln, Elisabeth Arens, Cornelia Berger e Winfried Rief, pesquisadores da Universidade de Marburg, Alemanha, publicaram um artigo na revista Schizophrenia Bulletin (Set./2008), em que propõem um programa anti-estigma “multifatorial”, que inclua, além dos aspectos biológicos e genéticos, fatores psicológicos e sociais, como eventos da vida da pessoa, estressores do dia-a-dia, comunicação familiar e traumas, como fatores de risco para o adoecimento e recrudescimento da esquizofrenia. Argumentam que fatores psicossociais podem ajudar a reduzir estigmas que não são atingidos pelo modelo biológico, como as possibilidades de recuperação da pessoa e a importância dos tratamentos médico, psicológico e psicossocial para a melhora do transtorno. Isso estaria de acordo com o atual modelo da causa da esquizofrenia, que reúne fatores biológicos (p.ex. genéticos) e ambientais (p.ex. psicológicos e sociais) em igualdade de importância.
Em seu estudo, eles compararam grupos (estudantes de medicina x estudantes de psicologia), que receberam isoladamente um programa centrado nos fatores biológicos (“condição biológica”) e outro nos fatores psicológicos e sociais (“condição psicossocial”).
Em ambos os grupos, a condição biológica ajudou a reduzir o estigma de que indivíduos são culpados pela doença ou são perigosos e imprevisíveis, bem como afastou crenças de que a esquizofrenia é determinação de Deus, problema espiritual ou transtorno auto-induzido. Todavia, no grupo de estudantes de psicologia, a condição biológica provocou a crença de que a esquizofrenia teria um curso grave e deteriorante, com poucas possibilidades de recuperação. Ao contrário, a condição psicossocial foi capaz de desfazer este estigma.
Isto reflete o melhor entendimento dos fatores psicossociais por parte dos psicólogos, que encaram esses fatores como mais mutáveis do que os biológicos. Isto serve de alerta, pois estratégias mais biológicas de combate ao estigma podem ser menos eficazes na parcela da população que compreende melhor os fatores psicossociais e tende a ver os biológicos como mais graves ou imutáveis.
Os autores concluem que educar a sociedade sobre a esquizofrenia através de um viés científico é uma abordagem útil e eficaz no combate ao estigma. Ao invés de excluir fatores científicos relevantes, como o papel de estressores sociais e psicológicos, eles propõem uma abordagem multidimensional e equilibrada. Os aspectos biológicos continuariam exercendo efeito positivo sobre estigmas, como o da responsabilidade pela doença, enquanto aspectos psicossociais melhorariam estigmas sobre a evolução e resposta ao tratamento, compensando possíveis efeitos negativos do modelo biológico.
Eles finalizam afirmando que, para as pessoas que se recuperam da esquizofrenia, não existe nada mais devastador e incapacitante do que o estigma e a discriminação e que o conhecimento científico deve ser mais difundido para melhorar esta realidade.
Referência: Lincoln TM, Arens E, Berger C, Rief W: Can Antistigma Campaigns Be Improved? A Test of the Impact of Biogenetic Vs Psychosocial Causal Explanations on Implicit and Explicit Attitudes to Schizophrenia. Schiz Bulletin 2008; 34(5): 984-994
Short-cuts: estresse no trabalho e risco de AVC.
Qual a associação entre o estresse do trabalho e isquemias cerebrais ou AVC?
Um estudo publicado por pesquisadores japoneses na revista Archives of Internal Medicine, em janeiro de 2009, avaliou, durante 11 anos, 6553 trabalhadores japoneses de ambos os sexos quanto ao risco de isquemia cerebral na presença de fatores como estresse, alta demanda e baixo controle no trabalho.
No período de 11 anos, ocorreram 147 casos de isquemia cerebral ou AVC. Análises estatísticas identificaram um risco de AVC duas vezes maior entre homens com alta demanda e baixo controle de trabalho (gerador de maior estresse) do que entre homens com baixa demanda e alto controle do trabalho (menor estresse). Outras variáveis como idade, escolaridade, tabagismo, consumo de álcool e atividade física foram corrigidas para evitar confusão nos resultados. Entre as mulheres, não foi encontrada significância estatística entre o estresse do trabalho e o risco de isquemias.
Os autores concluem que o alto nível de estresse no trabalho está associado à maior ocorrência de isquemias cerebrais entre homens. O estresse aumenta a resposta inflamatória do organismo através da ativação das glândulas hipófise-adrenal e aumenta a produção de um hormônio conhecido como cortisol. O tipo de isquemia mais encontrado foi o de pequenos vasos sanguíneos(p.ex., glioses e infartos lacunares), localizados na substância branca subcortical do cérebro, decorrente de microangiopatia (doença de pequenos vasos).
Este trabalho é mais um em meio a outras evidências científicas de que o estresse é capaz de gerar problemas físicos que podem interferir na qualidade de vida e saúde a longo prazo.
Fonte: Prospective Study on Occupational Stress and Risk of Stroke - Author(s): Tsutsumi A, Kayaba K, Kario K, Ishikawa S. Arch Intern Med 2009;169:56-61.
Depoimentos
Este é um espaço do antigo Blog em que as pessoas deixavam seus depoimentos, críticas e sugestões. Obrigado mais uma vez pela participação de todos e peço, como no Blog, a compreensão de vocês por não poder responder a perguntas particulares sobre medicação, diagnósticos e tratamentos. Isto cabe ao médico-assistente, que examina e conhece bem a história do seu paciente.
Portanto, um conselho que lhes dou: aproveitem ao máximo a consulta médica e lembrem-se que a recuperação de um transtorno mental não depende só dos medicamentos, mas principalmente da relação médico-paciente que vocês serão capazes de construir e manter. Quanto mais azeitada esta relação, maiores as chances de sucesso, ainda mais numa especialidade como a psiquiatria.
Boa sorte a todos!
A memória depois dos 50.
O que é a memória e quais são suas principais funções?
A memória é uma das funções mentais mais complexas e está presente a todo o momento em nossas vidas. Hábitos, como dirigir, andar de bicicleta, escovar os dentes, sentar à mesa de um restaurante dependem da nossa memória sem que percebamos. Da mesma forma, a capacidade de apreciar um bom vinho e uma boa comida. A consciência de quem somos, qual nosso papel e desafios pessoais, nosso passado, as pessoas amigas e familiares, as saudades, as lembranças dos lugares que já visitamos, enfim, o sentido da nossa existência depende da memória. Os símbolos, os números e as letras não fariam o menor sentido, se não os tivéssemos aprendido e incorporado para sempre em nossa memória. Com essa diversidade, nossa memória precisa de todo o cérebro funcionando em harmonia, para que ela se dê plenamente e sem falhas. Mas é a memória cotidiana, àquela a quem recorremos para lembrar os eventos que se passaram e os compromissos que temos por vir, que é a mais sentida por nós. E é ela que muitas vezes nos deixa no vazio, ou melhor, no esquecimento.
Depois dos 50 anos, quais as principais doenças que acometem a memória?
São várias as doenças que podem acometer nossa memória. A depressão é a causa mais comum após os 50 anos e, me arriscaria a afirmar, que também antes dos cinqüenta. Ela tira a capacidade de concentração, tão necessária para que possamos aprender e guardar novas informações. Isso também pode ocorrer nos quadros de estresse e sobrecarga emocional. Carências vitamínicas, desnutrição e doenças metabólicas, como hipotireoidismo, também podem afetar a memória.
Doenças neurológicas, como a Doença de Alzheimer, doenças cérebro-vasculares (como o AVC e a ateroesclerose), Doença de Parkinson e outras formas de demência aceleram o envelhecimento do cérebro e produzem esquecimento, dentre outros sintomas neurológicos e psiquiátricos. A Doença de Alzheimer é a maior causa de demência após os 60 anos de idade, seguida de perto pelas doenças cérebro-vasculares. Identificá-las precocemente é crucial para prevenir seu avanço, bem como para retardar o esquecimento e a deterioração das demais funções psíquicas.
Existe alguma maneira de prevenir essas doenças e, assim, preservar a memória?
Sim. Hábitos saudáveis de vida são fundamentais. Estudos têm demonstrado que atividades físicas rotineiras podem retardar o envelhecimento cerebral. A alimentação também influi, evitando-se gorduras, carboidratos e açúcares, e comendo mais verduras e hortaliças. Alimentos que contenham beta-caroteno (abóbora, batata-doce, agrião, bertalha, espinafre, couve-flor), vitamina C (acerola, abacaxi, laranja, limão, goiaba, brócolis, repolho) e vitamina E (cereais integrais, hortaliças, óleos de sementes) são muito bons, pois possuem ação antioxidante e ajudam o cérebro a se livrar dos radicais livres, tão danosos. Isso pra não falar em parar de fumar e consumir bebidas alcoólicas moderadamente. Tanto o cigarro como o álcool são fatores de risco para doenças cérebro-vasculares. Aqueles que possuem doenças crônicas, como diabetes e hipertensão arterial, devem manter o tratamento e o controle rigoroso, evitando que essas doenças agridam o cérebro. Evitar o estresse e ter bom hábito de sono também ajudam.
Por que a perda de memória é mais comum na terceira idade?
Porque à medida que o cérebro envelhece e sofre as agressões do ambiente, a memória dá sinais de enfraquecimento. Mas é importante frisar que envelhecer não é sinônimo de ficar esquecido. O desempenho cognitivo, assim como a memória, diminui um pouco com a idade, é verdade. Os movimentos e os reflexos, antes rápidos, tornam-se mais lentos, a atenção, um pouco mais dispersa, o raciocínio pode ficar mais vagaroso, algumas falhas de memória podem acontecer. Porém, o esquecimento, se patológico, deve sempre ser investigado. Como após os 60 anos há um aumento na incidência das doenças degenerativas, devemos estar sempre atentos para um esquecimento que pode revelar uma doença e não ser natural da idade.
Como prevenir o envelhecimento do cérebro?
É importante manter o cérebro em funcionamento. Estamos falando de uma época em que muitos se aposentam, passam mais tempo em casa, muitas vezes se deixando absorver pela rotina do lar e da família. Muitas pessoas que antes tinham uma atividade cognitiva intensa vêem a demanda cognitiva reduzir drasticamente. É fundamental cultivar hábitos de leitura, fazer palavras cruzadas, manter vida social ativa e sentir-se produtivo.
Terapias alternativas como, artesanato, aulas de dança, jardinagem, são indicadas para preservar a memória?
Todas as atividades que aumentem a interação social, estimulem o interesse e mantenham a pessoa mais produtiva são bem vindas. Porém, para a memória, em especial, é importante que a atividade envolva algum grau de dificuldade cognitiva, ou seja, que estimule o raciocínio, a atenção e a memória. A leitura diária é um bom exemplo. Um exercício simples, como ler e depois tentar se lembrar do que leu e um jogo da memória estimulam muito essa função. Escrever também é bom, p.ex. fazer um diário, com o que fez ao longo do dia, mantém a pessoa antenada, a par do dia e dos eventos que aconteceram.
De que maneira o estilo de vida influencia na memória?
Influencia de duas maneiras. Têm atividades que podemos fazer para diminuir as agressões aos neurônios: são medidas de proteção. Cuidar da saúde física, de doenças crônicas, da dieta, reduzir o consumo de alimentos e substâncias nocivas diminuem os insultos ao cérebro, evitando a formação de radicais livres e substâncias tóxicas, que agridem e matam mais neurônios. A outra maneira é realizando atividades de estímulo, que irão reforçar circuitos cerebrais importantes, como o da memória. Por isso a leitura, exercícios cognitivos, atividades que estimulem a interação social e o bem estar. Nosso cérebro é dotado de plasticidade, ou seja, ele pode se reconfigurar a partir de estímulos do ambiente, fazendo novas conexões entre os neurônios e reforçando determinada função que está sofrendo. Esta plasticidade pode ocorrer para o bem ou para o mal, depende apenas do que oferecemos ao nosso cérebro. Mesmo na terceira idade, o cérebro não perde sua plasticidade e isso nos dá esperança de mudar sempre.
Existe alguma estatística da ocorrência de doenças degenerativas cerebrais?
Sim. No caso da doença de Alzheimer, causa mais comum de demência, as taxas de incidência e prevalência variam de acordo com a faixa-etária. Ela é rara antes dos 60 anos, porém aos 60 já é cerca de 10% da população daquela idade. Esta taxa dobra a cada 5 anos, chegando a 50% entre as pessoas que têm 95 anos. O aumento geométrico na incidência da doença deve-se ao fato do envelhecimento cerebral ser o maior fator de risco para a doença. Aos 85 anos, p.ex., a chance de a pessoa ter a doença de Alzheimer é nove vezes maior do que quando ela tinha 69 anos.
Análise do afetivograma a longo prazo ajuda a perceber a melhora do humor com o tratamento.
O afetivograma é uma ferramenta útil para você e seu médico constatarem a real mudança de seu humor com o tratamento. Para preenchê-lo no dia-a-dia é preciso de uma boa dose de disciplina, mas o esforço é recompensado por uma clara percepção do quanto o tratamento que você vem seguindo ajudou a transformar seu humor para melhor.
Para que você tenha esta percepção, é necessário fazer o afetivograma por alguns meses, pois, como no caso que exemplifico, é necessário mais de 6 meses para você de fato ter a noção da melhora que o medicamento pode lhe trazer.
Neste caso da figura acima, a paciente iniciou o Lítio, um estabilizador de humor, quando seu humor atingiu o ápice da depressão, com sintomas de gravidade que fizeram sua pontuação passar de 60. Note como a linha vermelha, da pontuação geral do afetivograma, e a linha verde, da depressão grave, estão elevadas. Neste momento, a paciente tinha mais dias de depressão do que de eutimia, considerada normalidade ou estabilidade do humor, representada pela linha na cor rosa. Da mesma forma estavam elevadas as linhas da hipomania (amarela) e da depressão leve (azul), indicando que a paciente também passava muitos dias com esses sintomas.
No mês seguinte à introdução do litio, houve uma redução significativa e rápida dos sintomas, havendo mais dias de bom humor do que dias de mal estar. Veja como a linha vermelha (pontuação geral) cai bruscamente e a linha rosa ultrapassa as demais, da depressão à hipomania.
Porém, o mais interessante pode ser percebido nos meses subsequêntes: não só há a sustentação desta melhora, como os sintomas de humor vão decrescendo progressivamente, de forma mais módica, mas revelando uma ação prolongada do litio sobre o humor e sua estabilidade. Nunca mais os dias de estabilidade e bem estar foram superados pelos dias de tristeza, irritabilidade ou euforia.
Isto traduz na prática o que a literatura demonstra ser verdade no caso dos estabilizadores de humor. Ocorre uma melhora a curto ou médio prazo, porém a melhora a longo prazo é perceptível e fundamental para a estabilidade do humor ao longo do tempo. Isso reforça a necessidade do tratamento e do acompanhamento a longo prazo, bem como a necessidade de monitoramento contínuo do humor.
Espero que com esse exemplo esteja motivando você a fazer o afetivograma e a não desanimar do tratamento!
Faça seu afetivograma e traga-o para sua consulta, assim poderemos conversar melhor sobre você e sobre o tratamento.
Teste seu temperamento
Instruções para preenchimento:
Cada linha da tabela apresenta características de temperamento antagônicas. Na primeira linha à esquerda, p.ex., "Impulsivo, age sem pensar" e à direita "Reflexivo, pensa muito antes de agir". Você tem cinco alternativas para cada linha.
A alternativa "0" significa que você não apresenta nem uma nem outra característica marcante e está, portanto, eqüidistante delas. Os sinais "+" e "++" representam o quão próximo você está daquela característica.
O "+" deve ser assinalado quando você for "muito assim" e o "++" quando você for "totalmente assim". Você deve assinalar apenas um quadrado por linha, já que são características que não podem coexistir na mesma pessoa, ainda que você possa ter momentos diferentes, onde uma e outra possam ocorrer. Você deve optar por aquela que mais prevalece. Pergunte-se como você é na maioria das vezes ou com qual se identifica mais. Procure não racionalizar.
Estamos falando de características de temperamento, portanto, emocionais. Você pode seguir o seu "feeling", ainda que permaneça com alguma dúvida. Comente depois com seu médico em quais características ficou indeciso na hora de marcar.
Uma dica: se tiver dificuldade em distinguir seu temperamento dos sintomas que você está sentindo no momento, procure pensar como você era em sua juventude ou antes de desenvolver o quadro atual. Características de temperamento aparecem já na infância e adolescência, portanto, é útil se lembrar desta época da vida para responder adequadamente ao teste.
Traga as tabelas para sua consulta, pois vamos analisar juntos cada característica e, por fim, definir que tipo de temperamento possui. O temperamento nos auxiliará a compreender melhor cada sintoma que esteja sentindo, auxiliando no seu diagnóstico e tratamento.
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Short-cuts: Uso de anfetaminas em fórmulas para emagrecimento colocam em risco a saúde de milhares de pacientes no Brasil.
Uma matéria recentemente publicada nos principais jornais e revistas do país dava conta de que o Brasil é o maior mercado consumidor de anfetaminas no mundo, superando os EUA, segundo colocado. Os derivados anfetamínicos, principalmente anfepramona e femproporex, são usados em fórmulas para emagrecimento, muitas vezes associados a outras substâncias, como antidepressivos (principalmente a fluoxetina), tranqüilizantes (principalmente o diazepam), hormônios tireoidianos e diuréticos. Essa mistura perigosa já teria levado à morte centenas de usuários pelo mundo, desencadeando um alerta global da Organização Mundial de Saúde. No Brasil, o Ministério da Saúde e a Vigilância Sanitária tentam fechar o cerco a esse mercado, que movimento milhões de reais anualmente. O Ministério da Saúde já editou uma portaria restringindo o uso desses medicamentos e orientando um maior rigor na fiscalização, já que essas substâncias necessitam de prescrição controlada. O Conselho Federal de Medicina considerou o uso dessas fórmulas para emagrecimento danoso à saúde, sujeitando os médicos que as prescrevem a sanções éticas.
O que eu, como psiquiatra, tenho a dizer sobre isso? São freqüentes as complicações psiquiátricas decorrentes do uso das anfetaminas para emagrecimento. Em primeiro lugar, a depressão. Muitos pacientes usuários de anfetamina acabam desenvolvendo depressões graves e crônicas e demoram a procurar ajuda especializada, pois não reconhecem os sintomas como parte de uma síndrome depressiva. Continuam fazendo uso de anfetaminas para controlar o peso, pois o tipo de depressão que desenvolvem cursa comumente com aumento de apetite, gerando um ciclo vicioso do qual depois fica difícil sair.
Em segundo lugar, muitos dos usuários de anfetaminas têm transtornos alimentares que não foram diagnosticados e que, portanto, permanecem não sendo tratados. Com isso, tornam-se dependentes da substância, uma vez que, ao pará-las, afloram os sintomas alimentares, principalmente a compulsão. Cabe ressaltar que anfetaminas podem agravar muito o transtorno, gerando um efeito sanfona, cujo resultado a longo prazo será a obesidade, a dependência química (pois anfetaminas geram dependência física e psicológica) e agravamento do quadro psiquiátrico.
Em terceiro lugar, as anfetaminas podem precipitar surtos em pessoas com predisposição para transtornos afetivos, como o transtorno bipolar, p.ex. O paciente pode apresentar delírios, euforia ou irritabilidade, agressividade, insônia e agitação psicomotora. Já atendi alguns pacientes nessa situação e que chegaram a precisar de internação para controle desses sintomas. Eles terminam por desenvolver um transtorno de humor persistente, que necessita de tratamento contínuo por longo período.
Em quarto lugar, não são menos importantes os quadros de ansiedade que podem aparecer com o uso da anfetamina, como síndrome do pânico e fobias, o uso concomitante com outras drogas, principalmente o álcool e tranqüilizantes, na tentativa de compensar os efeitos euforizantes, e os problemas cognitivos, como os de atenção e memória.
A anfetamina é uma substância que atravessa livremente a barreira hematoencefálica e que, no cérebro, estimula a produção de dopamina, provocando um desequilíbrio no sistema de neurotransmissão. Os sintomas mais corriqueiros desse desequilíbrio e que ocorrem na grande maioria das pessoas são a insônia, a inquietação/aceleração do pensamento, da fala e do comportamento, euforia, irritabilidade, impaciência e intolerância. Quanto mais intensos forem esses sintomas, maior o risco daquela pessoa vir a ter as complicações que relatei acima.
Lembro àqueles que querem emagrecer a qualquer custo: existem medicações mais seguras e eficazes para emagrecer, sem colocar em risco o Sistema Nervoso Central (SNC) desta forma. Converse com seu médico! O ideal é aliar o tratamento medicamentoso, quando indicado, à dietas equilibradas e atividades físicas. Não acredite em soluções miraculosas ou promessas fantasiosas. A sua saúde está correndo um sério risco e você pode nem estar se apercebendo disso.
Afetivograma: O Mapa do Humor
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O afetivograma ou mapa do humor é um instrumento de avaliação útil no tratamento de manutenção dos transtornos afetivos. Ele permite que o médico analise as oscilações de humor de seu paciente ao longo do mês e veja o comportamento do transtorno a longo prazo.
O afetivograma pode ajudar seu médico na decisão dos ajustes medicamentosos, seja no aumento ou redução de dosagens, novas associações ou troca de medicamentos.
Para o paciente, o afetivograma permite que ele perceba mais seu humor e o compreenda melhor. Muitos têm dificuldade em lembrar de como se sentiam há algumas semanas ou tendem a ter avaliações parciais ou errôneas na vigência do humor do momento. Quando estão deprimidos, p.ex., a tendência é achar que o mês todo foi ruim e, quando estão eufóricos, se esquecem da depressão que tiveram há uma semana atrás. O paciente pode também perceber gradativamente o peso que as influências do ambiente, causados por problemas no trabalho ou em casa, têm sobre o humor e como ele se altera reativamente, sendo capaz de refletir sobre mudanças de atitudes frente ao estresse e como prevení-lo.
Portanto, o afetivograma é útil para ambos, médico e paciente, melhora a adesão ao tratamento, tem um papel psicoeducacional, informando o paciente sobre seu transtorno e permitindo que ele se entenda melhor, e serve ao médico como ferramenta para avaliar o humor ao longo de todo o mês e não somente durante a consulta.
Existem diferentes versões de afetivogramas, uns mais sucintos, outros mais detalhados, uns que permitem a avaliação do humor dia a dia, outros que sintetizam o humor preponderante naquele mês. O afetivograma que apresento é uma adaptação a partir da minha experiência clínica
Instruções para preenchimento
1) Identifique-se, preencha o mês atual e anote o dia da semana correspondente no quadrado acima de cada dia do mês.
2) Assinale com um ponto o quadrado correspondente ao seu estado de humor no dia respectivo. Você pode se guiar pelas características citadas na coluna da esquerda. Basta uma das características estar presente para você decidir qual estado do humor deve assinalar. No caso de ter mais de uma característica em quadrados diferentes, opte por aquela que mais se destaca frente às outras.
3) Você pode assinalar mais de um estado de humor por dia, desde que especifique ser pela manhã, à tarde ou à noite. As letras M, T e N abaixo da linha dos dias do mês indicam essa possibilidade. Se optar por assinalar apenas uma vez ao dia, será considerado que aquele estado de humor esteve vigente pela maior parte do dia. Nunca assinale dois estados de humor ao mesmo tempo, sempre opte por um.
4) Você pode destacar no verso da folha se houve algum evento que você considera desencadeador de um estado alterado de humor. Por exemplo, no dia 5 fiquei triste por ter me desentendido com meu marido ou minha esposa. Seja sucinto e evite transformar o afetivograma num diário pessoal. Se preferir, anote antes na agenda e faça um resumo ao final do mês, passando as informações importantes para o mapa.
5) Muitas pacientes atribuem mudanças do humor ao período pré-menstrual. Nesse caso você deve anotar quando começa e termina o período (TPM).
6) Na consulta, seu médico vai discutir melhor com você os sintomas e ligar os pontos que você assinalou para, então, ver o comportamento do seu humor ao longo do tempo.
7) O afetivograma deve ser o mais natural e espontâneo possível. Lembre-se que ele é uma ferramenta que vai ajudar no seu tratamento. Não se deixe influenciar pelo desejo de se mostrar melhor do que realmente está e marque os quadrados certos, ainda que isso mostre que você ainda não está bem. Você vai melhorar ao longo dos meses subsequentes.
Veja abaixo um exemplo de um afetivograma preenchido e com os pontos interligados.
Caso tenha dúvidas sobre os sintomas listados no lado esquerdo do mapa, leia atentamente as explicações a seguir:
Euforia/Agitação/Aceleração/Agressividade: qualquer um desses sintomas denota um humor elevado. Você não precisa ter todos esses sintomas para qualificar o humor dessa forma. Basta um deles, como abaixo:
1) Euforia - humor muito alegre (além do seu habitual), atitude desinibida, extroversão excessiva, podendo chegar a ser inadequado em algumas situações sociais.
2) Agitação - você se sente agitado (mais do que inquieto), com muita energia, sente necessidade de extravasar esse excesso de alguma forma, mas não consegue. Tem pouco sono por não conseguir relaxar.
3) Aceleração - seus pensamentos estão muito rápidos, voam, você pensa em várias coisas ao mesmo tempo, não consegue se concentrar direito em nenhuma idéia, pois elas passam rapidamente. Você fala rápido e alto, às vezes não deixa os outros falarem ou interrompe muito as pessoas, centralizando a conversa.
4) Agressividade - você fica facilmente agressivo, explosivo, irrita-se com grande facilidade a ponto de brigar com as pessoas (verbal ou fisicamente).
Irritabilidade/Inquietação/Impaciência: é um estado elevado de humor, porém que não chega a ser tão elevado quanto o anterior. Basta também uma dessas características para você marcar o quadrado correspondente.
1) Irritabilidade - você está na maior parte do tempo irritado, qualquer coisa te tira do sério, você grita ou se desentende facilmente com as pessoas com as quais convive, fala coisas sem pensar e que podem magoar o outro, mas você não consegue se controlar totalmente.
2) Inquietação - você fica inquieto, mexe as mãos ou pernas o tempo todo, não consegue ficar muito tempo parado. Em geral, as pessoas percebem isso como um estado de grande ansiedade, incapacidade de relaxar, está sempre tenso, mas não chega a ficar propriamente agressivo com os outros.
3) Impaciência - tolerância zero ou quase-zero, tem a ver com a irritabilidade, mas alguns pacientes não ficam o tempo todo irritado, mas qualquer coisa que o contrarie ou desagrade provoca reações de intolerância.
Bom humor/Estabilidade: esse é o estado normal do humor. Você se sente bem, seus pensamentos estão centrados, com uma velocidade normal, seu comportamento é na maior parte das vezes tranqüilo, existem poucas queixas. Pequenas variações são permitidas, mas sem alcançar os patamares para baixo ou para cima.
Tristeza/Fadiga/Cansaço/Desânimo: esse é o primeiro estágio de redução do humor para o pólo depressivo. Basta uma dessas características pela maior parte do dia para você assinalar esse quadrado.
1) Tristeza: você se sente triste, sensível, emociona-se com facilidade, chora, sua auto-estima está baixa, você não acha graça nas coisas.
2) Fadiga/Cansaço: seu corpo e sua mente estão cansados, você não consegue pensar em nada útil, os pensamentos estão vazios, seu corpo parece que pesa uma tonelada, você se cansa facilmente, quer logo descansar ou permanecer na cama, lhe falta disposição física e psíquica para passar o dia.
3) Desânimo: você não tem vontade de fazer nada, nada lhe interessa, passa a maior parte do tempo desanimado.
Tristeza profunda/Lentidão/Apatia: esse é o estado mais rebaixado do humor, com sintomas claros de depressão. Basta uma dessas características para assinalar o quadrado correspondente.
1) Tristeza profunda: é um estado melancólico, não é uma tristeza transitória ou fugaz. Você se sente profundamente triste, chora muito ou permanece quieto e sozinho, tem pensamentos negativos, mórbidos, que nem mesmo suporta.
2) Lentidão: você está lento. Os pensamentos são vagarosos, seu raciocínio está devagar, seus movimentos também estão fracos, lentos, você passa a maior parte do tempo parado, fala pouco e quase não interage com outros.
3) Apatia: tem a ver com a lentidão. Você está apático, sem energia vital, não consegue se alimentar, a menos que alguém lhe ofereça algo para comer, não consegue tomar banho, passa a maior parte do tempo inerte. A apatia tem uma mistura de desânimo, falta completa de vontade, com uma inibição do comportamento.
A dificuldade maior em sinalizar no mapa o estado do seu humor é quando ocorrem sintomas de grupos distintos ao mesmo tempo. Um exemplo frequente é quando o paciente se sente profundamente triste, mas está agitado ou inquieto. Nesse caso, você deve se decidir pelo sintoma mais proeminente ou que ocorre com mais frequência ao longo do dia. Outra maneira é optar pelo quadrado onde ocorre a maior parte dos sintomas listados. P.ex., você se sente profundamente triste, mas está também inquieto e impaciente. Não tem lentidão e nem apatia. Então, você deve marcar o quadrado correspondente a Irritabilidade/Inquietação/Impaciência. Algumas vezes o paciente tem dificuldade para avaliar a importância de um sintoma frente a outro. Você pode pedir ajuda para um familiar, perguntando-lhe como ele o vê ao longo do dia, antes de se decidir por qual quadrado optar.
Mande suas dúvidas por e-mail e comece a fazer seu afetivograma. Com o tempo você vai ver como é fácil e útil.
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Publicado pelo Dr. Leonardo Figueiredo Palmeira. Todos os direitos reservados.
Short-cuts: Maconha aumenta o risco de psicose.
Um estudo de meta-análise, que avaliou diferentes pesquisas sobre o tema, sugere que o uso de maconha (cannabis) na adolescência está associado a um aumento de 40% do risco de desenvolver psicose na fase adulta. A maconha provoca experiências psicóticas e afetivas transitórias e leves, mas o efeito a longo prazo permanece em questionamento.
Os autores reviram 7 estudos que demonstraram que a ocorrência de psicose (com a esquizofrenia sendo a forma mais grave) foi maior em pessoas que usaram maconha do que naquelas que nunca fizeram uso da droga. Foi encontrado uma relação dose-efeito, ou seja, naqueles que usaram cannabis com maior frequência o risco foi maior.
Entretanto, apesar dessa associação, ainda é precipitado estabelecer uma relação de causa e efeito e não é possível afirmar categoricamente que a maconha cause psicose. Os estudiosos alertam para o risco de pessoas suscetíveis a transtornos mentais graves, como a esquizofrenia, adoecerem após iniciarem o uso da droga, o que poderia não ocorrer se elas a evitassem.
O risco é maior nos adolescentes que usam a maconha e que apresentam alterações de comportamento, do humor ou sintomas psicóticos leves, servindo de alerta para futuro adoecimento. Da mesma forma, a história de psicose e transtornos afetivos na família deve servir de aviso para que medidas terapêuticas sejam adotadas precocemente.
Esses estudos deveriam servir de alerta para as autoridades governamentais que lidam com o assunto para elaboração de políticas públicas de prevenção do uso da droga, bem como a pessoas e organizações da sociedade que fazem apologia à maconha ou que defendem sua descriminalização.
Short-cuts: Depressão na Pré-menopausa está associada à Osteoporose.
Depressão Maior em mulheres jovens é um fator de risco para a osteoporose após a menopausa da mesma forma que o sedentarismo, o tabagismo e a diminuição da ingesta de cálcio. Mulheres deprimidas têm uma densidade óssea 2% inferior do que mulheres não-deprimidas, principalmente no quadril, segundo uma pesquisa do National Institute of Mental Health.
As mulheres deprimidas estudadas na pesquisa tinham um aumento de citocinas pró-inflamatórias e uma redução das citocinas anti-inflamatórias, o que corresponde a um estado pró-inflamatório sistêmico.
Fonte: MedPage Today
Tristeza, depressão e bipolaridade: diferenças e semelhanças.
O dia-a-dia do psiquiatra gira em torno dessas três vertentes: tristeza, depressão e bipolaridade. Todos os dias, em meu consultório, atendo pacientes que passam por uma dessas três situações ou por todas elas ao mesmo tempo. É difícil para mim, como profissional, desatar os nós e chegar ao diagnóstico do que está tanto afligindo aquela pessoa que me procura. Imagino como não deve ser para ela, que além de viver seus conflitos na própria pele, não estudou nem leu a respeito, se sente impotente e incapaz de resolver sozinha. Ninguém procura o psiquiatra à toa. A maioria pensa dez vezes e repensa mais dez antes de fazê-lo. Isso porque são muitos os preconceitos e fantasias que rondam a minha especialidade: “É coisa para maluco”, “ele vai me dopar”, “vou ficar dependente de remédios”, “depois que entrar nessa não saio mais”, etc. Vejo cotidianamente como é difícil esse percurso, da procura do especialista à cura, e sei o quanto é importante que o paciente dê sentido a tudo isso. O tratamento também depende dele, ele precisa dar significados para o que está sentindo, precisa compreender seu problema e ajudar seu psiquiatra a desatar os nós que o afugentam. Nenhum tratamento se constrói sozinho!
Foi pensando nisso, ouvindo as dúvidas de meus pacientes e das pessoas que enviam perguntas pelo blog, percebendo as suas dificuldades a partir da primeira consulta, do diagnóstico e as suas inseguranças diante do tratamento, que resolvi voltar a esse tema. Elaborei 10 perguntas, que considero serem as mais frequêntes, para ajudá-los nesse percurso. Se tiverem mais perguntas, me enviem, terei o maior prazer em respondê-las.
1. Hoje em dia é comum ouvir alguém dizer que está deprimido por alguma razão, dando a impressão de que depressão e tristeza se confundem muitas vezes. O que de fato é depressão (doença) e como diferenciá-la da tristeza transitória?
Essa é uma ótima pergunta. As pessoas realmente confundem depressão com tristeza passageira, que pode ocorrer a partir de um evento na vida da pessoa, como a morte de um familiar, a perda do emprego ou um rompimento afetivo, situações comuns no dia-a-dia e a que todos estamos sujeitos. É normal que alguém diante de uma dessas situações se sinta muito triste e apresente sintomas depressivos, como desânimo, desgosto pela vida, falta de prazer, ansiedade e insônia. Pode até necessitar de ajuda médica, fazendo uso de medicamentos para aliviar seu sofrimento. Entretanto, esses quadros precisam ser diferenciados da depressão enquanto doença, que é algo muito mais intenso e duradouro.
Quando alguém desenvolve sintomas emocionais decorrentes de algum fato externo e isso passa a interferir na vida da pessoa, no seu trabalho, nas relações sociais e familiares, costumamos dizer que ela está acometida por uma reação emocional a um estresse. Esse quadro é, em geral, auto-limitado e têm grandes chances de se resolver dentro de alguns meses, com ou sem tratamento. Ás vezes, pessoas procuram o psiquiatra para tentar um alívio mais rápido desses sintomas, que podem ceder com o uso de medicamentos. Uma parcela pequena poderá desenvolver um quadro depressivo mesmo, com tristeza profunda, angústia, pensamentos negativos, pessimismo, falta de prazer e desânimo generalizado, que podem se estender para atividades do dia-a-dia, como vestir-se, tomar banho e se alimentar.
As pessoas que desenvolvem esse quadro mais exuberante, e que chamamos em psiquiatria de Depressão Maior, têm uma predisposição biológica individual para a doença, não sendo ela apenas desencadeada por um estresse ou trauma. Esses podem ter funcionado como gatilho para que a depressão se instalasse, deflagrando os processos químicos e biológicos que a provocam. Portanto, a depressão verdadeira, a doença depressiva propriamente dita, é bem menos frequênte do que a reação de tristeza desencadeada por algum evento. Ela deve sempre ser tratada com medicamentos, que corrigem as alterações químicas cerebrais que fazem com que os sintomas sejam duradouros e não melhorem espontaneamente. A medicação previne também a recorrência da depressão, que costuma ser uma doença crônica, com mais de um episódio ao longo da vida.
2. Então, uma pessoa com tristeza transitória pode se considerar "deprimida", procurar um médico e iniciar o uso de antidepressivos sem que ela tenha de fato depressão? Que consequências isso pode ter para a vida da pessoa?
Vejam como esse assunto é complexo. Em primeiro lugar, a grande maioria dos pacientes "deprimidos" estão sendo tratados por seus clínicos, cardiologistas e outros especialistas. Hoje em dia, é comum um paciente chorar ou se queixar de tristeza com seu médico e ter receitado um antidepressivo. A maioria não chega a consultar um psiquiatra, mesmo porque a resistência pessoal a esse profissional é bem maior do que ser tratado por seu médico. E qual seria o risco de iniciar um antidepressivo sem necessidade? Eu perguntaria: qual o risco de um paciente que não é hipertenso ser medicado com um anti-hipertensivo? Da mesma forma que a hipertensão precisa ser avaliada em pelo menos 3 consultas para que o diagnóstico seja firmado, a depressão deveria ser avaliada em mais de uma consulta, para somente então iniciar-se um tratamento. Antidepressivos são medicações que atuam a longo prazo e que precisam ser usadas por pelo menos seis meses a um ano para que o tratamento seja completo. Um antidepressivo em alguém que não tenha Depressão Maior pode ser de fato um grande problema.
Em segundo lugar, antidepressivos podem interferir com o humor e o comportamento habitual da pessoa, mudando características do temperamento. Um exemplo comum são pessoas que antes tinham um temperamento alegre, extrovertido e desinibido e que se tornam gradualmente mais irritadiças, explosivas ou mesmo agressivas.
Esse aspecto do temperamento é controverso entre os próprios psiquiatras. Alguns pesquisadores estudaram o risco de adoecimento psíquico em pessoas com temperamentos distintos. Verificaram que pessoas com um temperamento hipertímico (extrovertidas, enérgicas, expansivas, passionais, impulsivas) e pessoas com temperamento ciclotímico (irritadiças, ansiosas, inseguras, indecisas. com alterações frequentes de humor) têm maior chance de desenvolver transtornos de humor, abusar de substâncias químicas (inclusive drogas e álcool), apresentar transtornos alimentares (bulimia e anorexia), ter dificuldade para controlar os impulsos, dentre outros quadros. Outros temperamentos também predisporiam a outros transtornos psiquiátricos, como os transtornos de ansiedade e o TOC (temperamento ansioso), a depressão, a distimia e a fobia social (temperamento depressivo), o TDAH e os transtornos de aprendizagem (temperamento hiperativo), dentre outros. O temperamento, portanto, parece ser o pano de fundo que torna aquela pessoa vulnerável a algum adoecimento psíquico na ocorrência de fatores de risco, como o estresse, o uso de substâncias químicas (inclusive as medicações sem uma indicação precisa), os traumas na vida da pessoa, sua relação com sua família e o trabalho, etc.
3) As pessoas confundem o que pode ser característica de um temperamento forte com um transtorno que necessite de tratamento? Como fazer essa distinção e saber quando é preciso procurar tratamento especializado?
O temperamento corresponde às características estáveis do humor e da personalidade da pessoa. É como ela se identifica. Ainda que o temperamento possa trazer problemas para a vida da pessoa, conflitos para o relacionamento afetivo e familiar, instabilidade na escola, no trabalho e na vida financeira e social, dificilmente ele será reconhecido como um problema. Isso ocorre porque a própria pessoa se acostuma com o seu jeito e não aceita abrir mão de suas características. Um transtorno psiquiátrico quando se sobrepõe ao temperamento pode ressaltar muito determinadas características, tornando a convivência mais difícil, trazendo problemas para o desempenho social e laborativo, alterando o comportamento e o juízo da pessoa. Ela pode não perceber, mas aquelas mais próximas, como amigos e familiares, podem notar claramente essa diferença. Quando o transtorno psiquiátrico ressalta características do temperamento é mais difícil para a pessoa notá-lo do que quando ele as altera completamente ou faz surgir uma totalmente desconhecida. Nesse caso a pessoa sente o sintoma como uma experiência nova e pode aceitar mais facilmente a existência de um problema. Os sintomas de um transtorno psiquiátrico trazem também mais sofrimento do que as caracteristicas habituais do temperamento.
A psiquiatria não se encarrega do tratamento de temperamentos. Temperamentos não são doença, mas podem predispor a determinados transtornos psiquiátricos. O psiquiatra pode avaliar melhor o temperamento para auxiliá-lo no diagnóstico de algum distúrbio e num melhor tratamento.
4) Por que tem se falado tanto em bipolaridade? Os pacientes que são tratados como deprimidos podem ser bipolares mal diagnosticados?
Vários estudos nos últimos cinco anos têm se encarregado deste tema. O que se verifica é que a maneira de se fazer o diagnóstico de depressão e do transtorno bipolar está aos poucos mudando. Precisamos antes fazer uma breve retrospectiva histórica desses dois diagnósticos.
Quando Kraepelin descreveu pela primeira vez a Doença Maníaco Depressiva, no início do século passado, ele considerou que ela englobaria tanto a depressão como a mania e a hipomania (estados de euforia). Entre esses dois extremos (polos depressivos e maníacos) caberiam estados intermediários (estados mistos), cujos sintomas seriam uma mistura de características depressivas e maníacas (como ocorre nos estados disfóricos, quando a pessoa tem humor deprimido, mas comportamento e/ou pensamento agitado). Para Kraepelin, a depressão recorrente seria uma manifestação da doença maníaco-depressiva, mesmo que aquela pessoa não tivesse apresentado claramente um quadro de mania ou hipomania. Os estados mistos seriam as manifestações mais comuns nesse grupo de pessoas, havendo, portanto, uma sobreposição de sintomas de polos distintos (depressão+mania), do que propriamente quadros puros de cada polaridade (depressão x mania). Kraepelin ainda considerava que temperamentos hipertímicos, ciclotímicos e irritáveis poderiam ser manifestações sub-clínicas da doença, tornando esses indivíduos mais suscetíveis.
Com o passar dos anos, o pensamento científico foi se afastando de Kraepelin e, já na nova descrição da doença como transtorno bipolar, ela aparecia em oposição ao transtorno depressivo recorrente (depressão maior). Portanto, a partir do final do século passado, principalmente após os anos 80, o transtorno bipolar passou a ser exclusivo dos quadros mais graves, que cursavam com depressão, mas também com mania ou hipomania. O quadro misto permaneceu como parte do transtorno bipolar, mas era mal conceituado e isso fez com que fosse pouco diagnosticado. Conclusão: a depressão passou a ser diagnosticada à parte do transtorno bipolar, levando a uma série de equívocos, que começaram a ser desfeitos quase 20 anos mais tarde.
Cabe chamar a atenção para o boom dos antidepressivos a partir dos anos 80, principalmente com o lançamento do Prozac. Como o transtorno bipolar não era tratado com antidepressivos, mas com lítio, não interessava comercialmente aos laboratórios (que financiavam e ainda financiam boa parte das pesquisas no mundo, sempre com um olho no mercado) que as depressões fizessem parte desse diagnóstico. O que ocorreu ao longo dos últimos 20 anos foi um crescimento no número de pacientes diagnosticados como deprimidos (mas que se mostraram no curso do tratamento serem bipolares) e um crescimento astronômico do mercado farmacêutico neste segmento.
Um estudo realizado no final do século passado, considerado a retomada do pensamento de Kraepelin, mostrou isso claramente. Num grupo de pacientes deprimidos tratados com antidepressivos, mais de 60% foram reclassificados como bipolares, pois tinham na verdade depressões mistas mal-diagnosticadas. Esses pacientes estavam em uso prolongado de antidepressivos, sem melhora completa de seu quadro.
O que estamos aos poucos percebendo é que muitos pacientes diagnosticados como deprimidos são na verdade bipolares, dentro do conceito mais amplo de Kraepelin, que inclui as depressões recorrentes como manifestações da bipolaridade e que melhora a conceituação de estados mistos para incluir depressões agitadas e ansiosas como bipolares. Esses pacientes não se beneficiam do uso isolado de antidepressivos. Embora possam até melhorar inicialmente de alguns sintomas, acabam agravando outros, principalmente aqueles que têm maior identificação com a bipolaridade, como irritabilidade, intolerância, impulsividade e agressividade. O melhor tratamento para eles são os estabilizadores de humor e os antipsicóticos.
5) Quer dizer então que a depressão pode ser a única manifestação da bipolaridade?
Sim, pode. A depressão está presente, na maioria dos pacientes, em cerca de 60 a 80% do tempo, enquanto que a mania e a hipomania em 40 a 20% do tempo de doença. Isso equivale a dizer que a chance do paciente se mostrar deprimido numa consulta médica é de 2 a 4 vezes maior do que a probabilidade dele chegar eufórico no consultório. Isso cresce se considerarmos que muitos pacientes desenvolvem hipomanias leves, que raramente são reconhecidas como tais. Nesses casos, a depressão aparece como a única queixa presente. Sendo assim, o psiquiatra pode ver seu paciente somente nas fases depressivas!
Os pacientes com estados mistos (depressão+mania) são os mais difíceis de serem diagnosticados. Primeiramente porque eles reconhecem os sintomas depressivos mais facilmente e relutam em aceitar os sintomas maníacos/hipomaníacos. Por exemplo, um paciente agitado, que facilmente explode e se torna verbalmente agressivo com seus familiares ao mesmo tempo em que se sente angustiado, desanimado e sem prazer na maioria das atividades, vai reconhecer primeiro os sintomas depressivos. Pode achar que o seu comportamento agitado seja mera consequência do ambiente familiar, enquanto que a família jura que o paciente está mais irritadiço e inquieto do que o seu habitual. Para Kraepelin, esse caso seria exemplar de uma depressao mista, com o humor numa direção (depressão) e comportamento e/ou pensamento em outra direção (mania). Enquanto que a depressão rebaixaria o humor (triste, deprimido), o pensamento (lento) e o comportamento (apático, vagaroso), a mania elevaria os três (humor elevado/eufórico, pensamento rápido/acelerado, comportamento inquieto/exacerbado). Os estados mistos seriam, então, combinações entre essas três funções psíquicas em sentidos opostos (humor deprimido / pensamento acelerado / comportamento inquieto = depressão agitada, p.ex.).
6) Por que a resitência de alguns pacientes em fazer uso de estabilizadores de humor ao invés de antidepressivos?
Primeiro em função do que abordei na pergunta anterior, o fato de se reconhecerem mais como deprimidos e, portanto, entenderem melhor a indicação de um antidepressivo do que de um estabilizador.
Em segundo lugar, alguns pacientes possuem a crença comum de que antidepressivos são mais "leves". Eles já ouviram falar desses medicamentos, já leram muito a respeito, conhecem alguém que já tenha usado ou mesmo já usaram um no passado.
Em terceiro lugar, parece-lhes que o uso de estabilizadores de humor seria para pessoas com doenças mais graves, enquanto que antidepressivos são corriqueiros, inofensivos, deixam as pessoas mais felizes.
Em quarto lugar, como a classe de estabilizadores de humor é mais híbrida, formada por medicamentos com ações e indicações muito diferentes, os faz parecerem sem uma propriedade muito definida. Os pacientes lêem a bula, mas não encontram o motivo pelo qual estão tomando o remédio. Como muitos são anticonvulsivantes (Tegretol, Trileptal, Depakote, Lamictal, p.ex.), ficam receosos pela indicação em epilepsia, de se sentirem mal ou de terem convulsões ou algum problema neurológico.
É necessário esclarecer esses pontos. Em primeiro lugar, antidepressivos não são tão inócuos assim. Eles podem ser mais maléficos do que os próprios estabilizadores, pois podem provocar uma virada maníaca em pacientes bipolares deprimidos. Ou seja, o paciente deprimido começa a fazer uso do antidepressivo e em poucos dias ou semanas desenvolve um quadro maníaco, misto ou mesmo psicótico. Quando não, pioram a depressão, tornando os pacientes mais irritadiços, impulsivos e agressivos. Esse risco os estabilizadores de humor não possuem.
Em segundo lugar, quando não desencadeiam viradas maníacas, antidepressivos podem alterar progressivamente o humor e o temperamento de pacientes bipolares, tornando-os mais instáveis, com mais altos e baixos, ou deixando-os mais ansiosos e mal-humorados. Podem também encurtar o período de estabilidade, aumentando a frequência de episódios depressivos ou maníacos, o que chamamos de ciclagem rápida. Um paciente que antes teve um único episódio depressivo pode notar que após o tratamento com antidepressivo passou a ter várias recaídas, ou mesmo, se tornou um deprimido crônico.
Pacientes com depressão bipolar, cuja a manifestação de seu transtorno se dá mais através de crises depressivas, podem pensar que o antidepressivo não lhes faz mal ou que se adaptam perfeitamente bem a eles. Essa impressão é apenas temporária, mas pode durar por anos. O que eles não percebem facilmente é que os antidepressivos quando usados por longo período podem alterar características de seu temperamento e do humor. Familiares mais próximos são capazes de testemunhar isso. Muitas vezes eles entendem isso como uma dependência do antidepressivo e aí mesmo não aceitam mais largar a medicação. É muitas vezes difícil para um psiquiatra convencer o paciente da necessidade de mudança do tratamento, retirando o antidepressivo de foco e propondo um tratamento com estabilizadores.
Os estabilizadores de humor têm uma indicação muito precisa em psiquiatria, ao contrário do que muitos leigos acreditam. Apesar das bulas serem incompletas ou não constarem essa indicação, centenas de estudos no mundo todo, feito por pesquisadores sérios e renomados, atestam sua eficácia nos transtornos de humor. Ocorre que bulas são confeccionadas a partir de legislações, que variam de um país para outro. Uns são muito rígidos e só permitem que constem em bulas as indicações principais ou para as quais haja um número grande de evidências científicas. Peguemos como exemplo a lamotrigina (Lamictal): ele é um anticonvulsivante, consta na bula a indicação para epilepsia. Porém é um potente estabilizador de humor com propriedades antidepressivas. Nos EUA é a primeira escolha de tratamento em pacientes deprimidos bipolares. O valproato de sódio (Depakote), p.ex., tem como indicação na bula a epilepsia e a mania aguda, porém todos os guidelines (consensos realizados por profissionais da área), americanos e europeus, são unânimes em indicá-lo não somente para mania, mas também no tratamento dos estados mistos e da ciclagem rápida, bem como na prevenção de recaídas. Na prática clínica, sabemos que ele possui ação antidepressiva e que muitos pacientes bipolares melhoram da depressão com ele, sem a necessidade de antidepressivos.
Um outro aspecto importante, é que a ação dos estabilizadores demora meses para acontecer. O paciente pode não observar a melhora a curto prazo, mas colherá os frutos desse tratamento após 6 meses a um ano. Estudos tem demonstrado, p.ex., que o lítio, outro estabilizador, possui efeitos que só serão perceptivos após anos de tratamento. Isso pode ajudar o paciente a atingir a estabilidade de sua doença a longo prazo, ainda que seu humor seja muito instável nos dias de hoje.
Estabilizadores de humor não são medicações necessariamente fortes, se é que podemos classificar medicações dessa forma. A aspirina, p.ex., substância comprada sem receita e amplamente usada sem indicação médica, pode trazer sérios problemas para a coagulação, causar úlcera gástrica e hemorragias. A dipirona (Novalgina) pode paralisar a medula óssea e a produção de células do sangue. O paracetamol (Tylenol) está associado a hepatite fulminante, mas ninguém pensa nisso na hora de aliviar a dor ou a febre. Não estou dizendo que não devam ser usados, mas que uma medicação aparentemente inócua pode trazer sérias consequências para o organismo. No caso dos estabilizadores, mesmo os anticonvulsivantes, não ocorrem efeitos colaterais que inviabilizem seu uso. Não causam convulsões, não levam a distúrbios neurológicos, não causam dependência física ou psíquica, desde que sejam usados a critério médico, como qualquer outra substância.
7) Por quanto tempo deve-se usar um estabilizador de humor?
O tempo de tratamento varia caso a caso. Em geral, um tratamento que se inicia ao longo de um primeiro episódio do transtorno deve durar no mínimo 1 ano após a estabilização do quadro. Isso se deve ao fato de que interrupções precoces no tratamento podem predispor o paciente a recaídas. Além das propriedades estabilizadoras de humor, essas medicações tambem atuam profilaticamente, evitando novos episódios de depressão, de estados mistos ou de mania. Portanto, a continuidade do tratamento é importante para evitar piora a curto e a longo prazo.
Muitos pacientes que melhoram com os estabilizadores notam tamanha diferença do humor que ficam receosos de parar a medicação. Eles percebem o efeito que o medicamento traz para o seu dia-a-dia, tornando-os mais estáveis em casa, no trabalho e na sua vida social. Os benefícios são tão evidentes que muitos preferem o tratamento do que aquela sensação de instabilidade constante.
Pacientes com vários episódios depressivos, mistos ou maníacos podem precisar usar o estabilizador por longos anos ou indefinidamente. Nesses casos torna-se evidente que a redução das dosagens e a eventual interrupção do medicamento traz consequências para o humor, voltando o paciente a exibir oscilações. Se esse é o seu caso, não se alarme. Isso não significa que futuramente não possa ter seus medicamentos reduzidos, apenas mostra que nesse momento não é possível parar. A psicoterapia, mudanças no estilo de vida, hábitos de vida mais saudáveis, redução do estresse podem ajudá-lo a criar condições mais favoráveis para a redução e eventual suspensão dos medicamentos no futuro. Algumas vezes são necessários anos de estabilidade para que isso seja alcançado. Muitos passam 15 a 20 anos sem procurar ajuda médica e se esquecem que durante esse período o humor foi progressivamente se tornando mais instável, sendo razoável que necessite de alguns anos de tratamento para que se estabilize por mais tempo.
8) O tratamento combinado (mais de um medicamento) é muitas vezes necessário? Por quê?
Depende do caso. Existem pacientes que apresentam vários sintomas diferentes, p.ex., estão deprimidos, ao mesmo tempo em que estão ansiosos e agitados. Apenas um estabilizador de humor pode ser insuficiente para aliviar a maioria dos sintomas. Por esse motivo, muitas vezes é necessário associar medicamentos, como antidepressivos, ansiolíticos ou, até mesmo, um segundo estabilizador.
Uma classe muito útil no tratamento dos transtornos de humor é a dos antipsicóticos. Essa classe recebeu esse nome, pois antes eram utilizados quase que exclusivamente nos quadros de psicose. Hoje em dia, com o surgimento dos antipsicóticos de segunda geração, mais modernos e com eficácia comprovada em vários outros distúrbios psiquiátricos não-psicóticos, o ideal seria nomeá-los de outra forma. Há quem proponha chamá-los de neuromoduladores de dopamina (por agirem principalmente sobre esse neurotransmissor). Grande parte dos antipsicóticos de segunda geracão são aprovados por organismos internacionais, como o FDA (nos EUA) e a agência européia de medicamentos, para o tratamento do transtorno bipolar. Existem medicamentos dessa classe eficazes no tratamento de todos os estágios da doença, da mania à depressão. Por isso é relativamente comum a sua associação com os estabilizadores de humor ou mesmo o seu uso de maneira isolada, já que estudos têm demonstrado que eles também apresentam propriedades estabilizadoras do humor e são capazes de prevenir recaídas.
O fato do seu tratamento ser hoje combinado, com medicações diferentes, não significa que será sempre assim. Ao longo do tratamento seu médico pode optar pela redução ou a suspensão de um deles, priorizando um medicamento em detrimento dos outros.
9) Que consequências existem a longo prazo para quem não faz um tratamento regular?
Muitas. Em primeiro lugar, a curto prazo há o risco do quadro piorar, do paciente ter prejuízos em todas as esferas de sua vida. Interrompe o trabalho ou perde o emprego, se desgasta em casa com sua família, algumas vezes rompe um relacionamento afetivo ou um casamento, pode sofrer consequências por arriscar-se mais (acidentes de automóvel, brigas, violência) ou pode chegar ao ponto de se ferir propositalmente ou até de tentar se matar.
A médio prazo piora progressivamente seu estado de humor. Geralmente as características depressivas ressaltam mais, o indivíduo passa mais tempo em depressão do que antes. Ele pode experimentar mais episódios depressivos, mistos ou maníacos num mesmo ano, quando antes passava muito mais tempo com bom humor. Como a depressão se prolonga, existem os riscos que a acompanham, como o suicídio ou o aparecimento de outras doenças, principalmente as que acometem o aparelho cardiovascular (infarto do miocárdio, hipertensão, acidente vascular encefálico).
Outro aspecto igualmente importante é o declínio cognitivo, como o da capacidade de atenção/concentração e de memória. A pessoa vai progressivamente perdendo sua agilidade mental, se torna esquecida, desatenta, tem dificuldade para ler ou estudar, cai seu rendimento no trabalho e nos estudos.
A longo prazo, o transtorno bipolar está associado a doenças degenerativas cerebrais, como o Mal de Alzheimer e a demência vascular (por isquemias cerebrais). Embora a literatura ainda seja incipiente nesse sentido, estudos têm demonstrado que quanto mais tempo a pessoa passa com depressão, mais ela perde neurônios, o hipocampo, estrutura cerebral responsável pela memória, diminui de tamanho e o cérebro como um todo involui, acelerando o processo de envelhecimento.
Estudos também têm demonstrado que estabilizadores de humor e antipsicóticos possuem propriedades neuroprotetoras, ou seja, protegem o cérebro dos radicais livres que destroem neurônios. Em um desses estudos, um grupo de pacientes bipolares idosos em uso de lítio teve 4 vezes menos o diagnóstico de demência do que um grupo também de bipolares que não usava estabilizadores, mostrando que essas substâncias possivelmente tenham efeito neuroprotetor quando utilizadas a longo prazo. À conferir ainda se esse é um efeito da estabilidade do quadro a longo prazo ou do medicamento.
10) Por quê muitos resistem a fazer o tratamento?
O espectro bipolar, incluindo suas diversas manifestações, inclusive as mais leves, que raramente cursam com mania e hipomania, mas que têm como característica principal a depressão e os estados mistos, acometem, segundo algumas pesquisas em vários países, inclusive no Brasil (São Paulo), 10 a 16% da população. O universo de pessoas com o transtorno é enorme, mas se considerarmos aquelas que são encaminhadas ao psiquiatra, o percentual cai para 4%. Destes, metade ou menos deve seguir um tratamento regular. Pode-se, então, afirmar que esse é um transtorno com altíssimas taxas de não-diagnóstico e de não-tratamento. Principalmente os casos mais leves, que constituem a imensa maioria desse universo. Ainda há aqueles que são mal-diagnosticados, estão em tratamento para depressão há muito tempo (com antidepressivos) e que não fazem parte desta estatística.
Então, a primeira razão para a falta de tratamento adequado é de responsabilidade da saúde pública. A falta de treinamento para o diagnóstico nos níveis mais básicos de assistência faz com que se perca a oportunidade de diagnosticar e tratar a maioria dos pacientes. Eles não se recusam a fazer o tratamento, apenas não sabem que têm um problema e que para isso há remédio.
Na medicina privada, o principal problema está na demora do encaminhamento ao psiquiatra. Os clínicos acabam tratando dos quadros mais leves, muitas vezes sem que tenham recebido um treinamento adequado, sem que se dediquem ao estudo do transtorno, que requer pesquisas e leituras constantes. Esses pacientes são a maioria do grupo de deprimidos mal-diagnosticados que faz uso de antidepressivos por longo tempo sem um benefício evidente a longo prazo.
Quando o paciente chega, enfim, ao psiquiatra, ele deu um grande passo. Um passo que a enorme maioria dos pacientes que sofrem do mesmo problema não consegue dar. Mas as dificuldades do tratamento não param por aí. Primeiro, ele deve vencer a resistência interna, a negação de sua própria doença. A maioria acredita que a razão para esses anos de sofrimento seja pessoal, familiar ou social, i.é., o problema está fora, ou quando não, é um problema meramente psicológico, que cabe a ele resolver e que medicamentos terão um papel secundário. Para esses, é difícil ouvir do psiquiatra que têm um distúrbio do humor, que precisam usar estabilizadores por ao menos um ano, fazer um tratamento com consultas regulares, procurar uma psicoterapia, mudar hábitos de vida, etc. Eles gostariam de uma resposta mais simples, como “você não tem nada grave, tome esse antidepressivo que em 1 mês você estará bom” ou “você tem uma reação ao estresse, basta mudar de vida que melhora”. Metade dos pacientes não vão adiante no tratamento devido às suas prórpias resistências e preconceitos: “não vou tomar remédios de maluco”, “eu não preciso deste tipo de tratamento”, “meu caso é leve e não vou tomar remédios fortes que vão me deixar dependente”, etc. A aliança com o psiquiatra, a busca por informações sobre seu quadro, a discussão com seu médico sobre o problema, esclarecendo suas dúvidas, o amadurecimento pessoal ao longo do tratamento vão ajudando o paciente a relativizar seu diagnóstico, a entender que o tratamento não é esse monstro que pintam e que a estabilidade é a melhor coisa que pode acontecer na sua vida. A maioria só consegue compreender de fato o problema ao longo do tratamento, à medida que os sintomas vão reduzindo, que se vai ganhando confiança, que se vê uma luz no fim do túnel.
Leia mais sobre Depressão e Bipolaridade: aqui.
XXV Congresso Brasileiro de Psiquiatria
Foi realizado em Porto Alegre, de 10 a 13 de Outubro de 2007, o XXV Congresso Brasileiro de Psiquiatria. Com mais de 5 mil psiquiatras participantes, o evento se consagrou como o terceiro maior do mundo na especialidade, recebendo não somente médicos brasileiros, como psiquiatras de 17 países, principalmente dos países da América Latina, Portugal, Holanda, Dinamarca, Itália e Reino Unido. Foram mais de 160 atividades paralelas, entre mesas-redondas, conferências internacionais e simpósios da indústria farmacêutica. Abaixo, relaciono em tópicos alguns dos temas debatidos ao longo do congresso.
1- Depressão: discutiu-se muito a respeito da importância em se atingir a remissão completa dos episódios depressivos, ou seja, a cura. Estudos têm apontado que a depressão e o estresse crônicos são lesivos ao cérebro, provocando a morte de neurônios. A longo prazo, se não tratados, esses pacientes podem chegar à terceira idade com um grau maior de envelhecimento cerebral, sob um risco maior do que a população saudável de desenvolver doenças degenerativas, como o Mal de Alzheimer.
2- Dependência química: várias mesas-redondas abordaram o tema, com ênfase nas comorbidades, ou seja, doenças mentais associadas ao uso de drogas, que dificultam o tratamento e a interrupção do uso de substâncias a longo prazo. O alcoolismo tem uma ligação forte com os Transtornos de Ansiedade, como Fobia Social e Ansiedade Generalizada, e com o Transtorno Bipolar; a maconha está associada, na adolescência, ao risco de psicose, como a Esquizofrenia e o Transtorno Esquizoafetivo; todas as drogas estão relacionadas ao risco de depressão ao longo da vida, sendo mais grave no caso da cocaína, crack, ecstasy e LSD. O ecstasy, diga-se de passagem, tem sido a droga ilícita que mais cresce entre os adolescentes, sendo a segunda em consumo (à frente da cocaína, perdendo apenas para a maconha). O diagnóstico correto e o tratamento das doenças psiquiátricas associadas ao abuso de drogas é condição fundamental para alcançar a abstinência das drogas.
3- Transtorno Bipolar: é, no momento, a doença mais discutida entre os psiquiatras e foi tema de dezenas de mesas-redondas e conferências. É necessário reformular os critérios diagnósticos e os tipos de bipolaridade. Os autores que mais estudam o assunto estimam que ela pode chegar a atingir 10% da população geral e que a maioria dos casos seria mais leve do que os tipos clássicos da doença, dificultando o diagnóstico. Os pacientes com transtorno bipolar chegam a passar 60% do tempo em fase depressiva e muitos são diagnosticados como depressivos puros, quando, na realidade, são bipolares. Um estudo apresentado no congresso avaliou mais de 200 pacientes com diagnóstico de depressão e encontrou mais de 40% de bipolares, confirmando essa suspeita. Outro subtema muito debatido foi o do tratamento do transtorno bipolar. Os especialistas têm chegado a um consenso de que é igualmente necessário tratar das fases depressivas e maníacas (eufóricas), buscando sempre a estabilização completa do humor. Para isso, muitas vezes são necessárias combinações de medicamentos. As classes que mais demonstraram eficácia são a dos estabilizadores de humor e a dos antipsicóticos, principalmente os de segunda geração. Os antidepressivos devem ser utilizados com cuidado, pelo período estritamente necessário, pois podem aumentar o risco de ciclagem rápida, i.é., o paciente pode mudar de uma polaridade para outra mais rapidamente, tornando o quadro mais instável.
4. Esquizofrenia: um novo fármaco (paliperidona) deve estar disponível no Brasil no próximo ano, aumentando a farmacopéia para o tratamento dessa doença. Os antipsicóticos de segunda-geração têm permitido avanços no tratamento da esquizofrenia, com menos efeitos colaterais, maior tolerabilidade e melhores resultados, tanto nos sintomas positivos (associados às crises, como delírios e alucinações) como nos sintomas negativos e cognitivos (mais crônicos, como o desânimo e as dificuldades de atenção e memória). Discutiu-se também a importância dos tratamentos de reabilitação psicossocial para melhorar a socialização e a qualidade de vida dos pacientes.
5. Transtornos Alimentares: o Brasil é o segundo país em consumo de anfetaminas no mundo, perde apenas para os EUA. A frequência de pacientes que querem emagrecer rapidamente e que, para isso, usam fórmulas contendo anfetaminas (femproporex, anfepramona, entre outras) é crescente nos consultórios dos psiquiatras. Muitos pacientes chegam deprimidos ou em estados de hipomania (euforia) induzidos pela droga. A maioria está em uso de fórmulas prescritas por médicos endocrinologistas, mas acabam abusando da dosagem no intuito de um resultado rápido. Alguns desenvolvem dependência química pela anfetamina e usam os comprimidos para melhorar a performance e o humor. O alerta é geral: anfetaminas podem predispor pessoas a crises de mania, de depressão ou mesmo à psicose. O uso prolongado dessas substâncias está associado ao desenvolvimento de quadros depressivos crônicos e de transtorno bipolar.
Esses são apenas alguns temas debatidos, há muitos outros que espero poder publicar em maior destaque futuramente.
Problemas de Memória
O que é memória e quais os tipos?
A memória é uma função central em nossa vida e a queixa de esquecimento é cada vez mais frequênte nos consultórios de neurologia e psiquiatria. Não somente pessoas da terceira idade, mas também jovens e adultos apresentam problemas de memória, reflexo de diferentes prejuízos que podem acometê-la.
Em primeiro lugar, é preciso saber que a memória é uma função complexa, dependente de outras funções mais básicas, como a atenção e concentração. Uma disfunção, portanto, pode ser decorrente de uma outra função essencial à boa execução da memória ou dos diferentes mecanismos que envolvem a aquisição e utilização de novas informações.
A memória pode ser dividida principalmente em duas: a de curto e a de longo prazo. A de curto prazo é mais dependente de outras funções, como a atenção e a memória de trabalho, um tipo de memória cuja função principal é dar suporte para a execução de outras tarefas. Se a memória de curto prazo for bem sucedida e a informação nela contida for importante para ser arquivada, de modo a ser lembrada posteriormente, ela é transferida para a memória de longo prazo, um grande reservatório de fatos, imagens e acontecimentos de nossa vida que ficam gravados por um longo tempo. Portanto, a memória de curto prazo é um reservatório pequeno e transitório, enquanto a memória de longo prazo seria a memória propriamente dita, o grande arcabouço de lembranças passadas.
Não basta gravar bem os fatos e armazená-los na memória. É necessário que o cérebro saiba onde essas informações foram guardadas, para que elas estejam acessíveis no momento em que for necessário lembrá-las. Seria como um enorme arquivo, com milhares de gavetas, com as informações classificadas por temas, pelo tempo em que ocorreram e com outras características relevantes, para que elas sejam facil e rapidamente resgatadas. Isso ocorre graças a um mecanismo de busca, chamado de evocação ou recuperação da memória.
Portanto, a memória teria uma fase de codificação ou gravação, outra de armazenamento e uma última de evocação. Essas três diferentes fases podem estar acometidas de maneira diferente. Em todas elas, o paciente terá a sensação de falha de memória, mas caberá ao médico identificar quais dessas fases e porquê elas estão falhando.
Quase todas as regiões cerebrais estão envolvidas na memória. A região frontal do cérebro é essencial para a memória de curto prazo, para a atenção/concentração e para a memória de trabalho. Ela também é a responsável pela codificação (transferência das informações para a memória de longo prazo) e pela evocação. A região temporal é a responsável pelo processo de armazenamento, que se inicia com a consolidação da informação na memória de longo prazo, que acontece numa estrutura do lobo temporal denominada hipocampo. Depois da consolidação, essa informação é finalmente armazenada em áreas distintas do córtex cerebral. Acredita-se que todas as áreas cerebrais estejam envolvidas no armazenamento. Esse processo complexo de transferência de informações depende de um bom funcionamento entre as diferentes áreas cerebrais. Os milhares de circuitos de neurônios precisam estar intactos para que essa transferência aconteça sem ruídos ou distorções e para que a memória seja eficiente.
Caberia aqui mais uma distinção, entre os diferentes tipos de memória. Afinal, existem memórias que temos e utilizamos de maneira inconsciente e que raramente esquecemos, como os hábitos (p.ex., como escovar os dentes, comer, vestir-se), as habilidades motoras (p.ex., andar de bicicleta, dirigir, nadar) e cognitivas (p.ex., falar, ler). Essas memórias são chamadas de implícitas, pois aprendemos desde a infância e são incorporadas e utilizadas automaticamente, sem darmos conta.
Um outro tipo de memória é chamado de explícita, pois é consciente. É esse tipo que identificamos primeiro como memória. São as lembranças de fatos e acontecimentos passados em nossas vidas, nossa biografia, as pessoas que conhecemos, etc. É uma memória que utilizamos a todo momento de forma consciente e voluntária, quando queremos, p.ex., lembrar de algo. É a memória explícita a que comumente está afetada quando nos queixamos de esquecimentos.
O que fazer diante de um problema de memória?
Primeiro deve-se procurar um médico para uma avaliação. Em todas as idades, problemas de memória podem ser sintomas de alguma doença neurológica ou de algum distúrbio psíquico. O médico vai, a partir da história do paciente, procurar diferenciar que fase da memória está acometida, avaliar se existem outros sintomas apontando a existência de uma doença e solicitar os exames complementares necessários para o diagnóstico.
Quais exames podem ser feitos para investigar um problema de memória?
Exames de sangue: para ver se existem sinais de alguma doença sistêmica que possa estar interferindo com a memória.
Tomografia de crânio ou ressonância magnégtica: para verificar a integridade das estruturas cerebrais, particularmente aquelas envolvidas diretamente com a memória (lobo frontal, temporal, hipocampos).
Espectroscopia de prótons: realizada em conjunto com a ressonância magnética para medir as curvas de metabolismo cerebral, geralmente no lobo frontal e no giro posterior do cíngulo (região próxima ao hipocampo).
Testes neuropsicológicos, principalmente testes que medem a atenção/concentração e a memória: por esses testes é possível saber exatamente qual fase da memória está comprometida ou se o prejuízo da memória é causado por outra função, como falta de atenção. p.ex.
Que doenças podem afetar a memória?
Depende da faixa-etária. Após os 50 anos é necessário estar atento para as doenças degenerativas cerebrais, como a Doença de Alzheimer, a demência vascular e outros tipos menos comum de demências, que raramente acontecem antes desta idade. Porém, em todas as idades podem ocorrer doenças ou distúrbios que prejudiquem a memória.
1) Neurológicos:
- Doenças da substância branca cerebral - lesões provocadas por micro-isquemias ou por doença vascular ateroesclerótica na região subcortical do cérebro, que podem ser causadas por hipertensão arterial, diabetes, dislipidemia (colesterol alto), tabagismo, alcoolismo, entre outras.
- Acidentes vasculares cerebrais (AVC)
- Doenças desmielinizantes, como a Esclerose Múltipla.
- Tumores do Sistema Nervoso Central
- Infecções, como meningite e encefalites.
- Doenças degenerativas (demências): Alzheimer, Parkinson, Pick, Corpos de Lewy, Vascular (decorrente de AVC).
- Epilepsia
2) Psiquiátricos:
- Depressão
- Transtorno Bipolar
- Psicoses, como esquizofrenia e transtorno esquizoafetivo.
- Reações ao estresse e a traumas
- Insônia crônica<
- Outras doenças do sono, como apnéa do sono.
- Transtornos de ansiedade
- Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC)
- TDAH (transtorno de déficit de atenção e hiperatividade)
- Dependência ou abuso de substâncias psicoativas: tranquilizantes, anfetaminas, maconha, cocaína, ecstasy, LSD, álcool.
- Complicações do Alcoolismo, como a Síndrome de Wernicke e a Psicose de Korsakoff.
- Distúrbios da infância e do desenvolvimento, como oligofrenia ou retardo mental e autismo.
3) Doenças Sistêmicas
- Doenças da Tireóide
- Lúpus
- Vasculites
- Dislipidemia (colesterol)
- Hipertensão
- Diabetes
- Trombose
- Câncer
- HIV/AIDS
- Carências vitamínicas e nutricionais
Como tratar a memória?
O tratamento das disfunções da memória depende do diagnóstico e do tratamento de suas causas, como das doenças supra-citadas. Medicamentos específicos para a memória foram desenvolvidos recentemente, mas somente são indicados para as doenças que acometem primariamente a memória, como é o caso das demências (doenças degenerativas), como a Doença de Alzheimer.
Vários medicamentos possuem ação anti-oxidante e neuroprotetora, que são benéficos para prevenir o envelhecimento cerebral e, particularmente, para preservar a memória, embora não atuem diretamente sobre ela. É o caso dos antidepressivos e dos estabilizadores de humor. Estudos têm demonstrado que algumas doenças psiquiátricas crônicas, se não tratadas, podem acelerar o processo de envelhecimento do cérebro e atingir a memória mais precocemente. A depressão é um bom exemplo. Pacientes deprimidos parecem ter uma redução maior do tamanho dos hipocampos (estrutura central na memória) do que pessoas que não tiveram depressão. O mesmo parece ocorrer em distúrbios psiquiátricos maiores, como o Transtorno Bipolar. A redução do tamanho dos hipocampos guarda uma proporção direta com o tempo que os pacientes passam sob estresse, ansiedade ou depressão. Tratar, portanto, dos distúrbios psiquiátricos é uma forma de prevenir que esse envelhecimento cerebral ocorra de maneira mais rápida.
A mesma lógica serve para as doenças sistêmicas, como a hipertensão e o diabetes. Manter o tratamento e o controle rigoroso dessas doenças evita que o cérebro seja agredido por elas, prevenindo e/ou retardando possíveis consequências à memória e outras funções cognitivas.
Qual o impacto do estilo de vida e dos hábitos sobre a memória?
O estilo de vida e os hábitos alimentares também podem influenciar a memória. Vida sedentária, tabagismo, alcoolismo, obesidade, má alimentação, estresse crônico são inimigos da saúde e levam, a longo prazo, a um envelhecimento cerebral mais rápido e, portanto, a um declínio mais rápido da memória.
Quais as dicas que podem ajudar a preservar a memória?
- Atividades físicas regulares (no mínimo 3 vezes na semana, durante 1 hora)
- Parar de fumar, reduzir bebidas alcóolicas, não abusar do café ou de substâncias com alto teor de cafeína e não usar substâncias psicoativas (tranquilizantes, medicamentos que agem sobre o cérebro) sem um acompanhamento médico regular.
- Não usar drogas ilícitas (maconha, cocaína, ecstasy, LSD, entre outras), que são, sem exceções, agressivas ao cérebro.
- Emagrecer, para aqueles que estão obesos ou com sobre-peso.
- Ter, no mínimo, 8 horas de sono por dia. A memória se consolida melhor quando o corpo está descansando, ou seja, durante o sono. A privação do sono ou poucas horas de sono por dia ou sono muito fragmentado são maléficos para a memória.
- Manter sob controle o colesterol e os triglicerídeos.
- Rever seus hábitos alimentares: evitar gorduras e excesso de carboidratos/açúcares, aumentar o consumo de verduras, legumes e frutas, usar nos alimentos preferencialmente os óleos de canola ou girassol e evitar o uso de óleo de soja, reduzir a ingesta de alimentos ou bebidas dietéticas que contenham aspartame (veja mais detalhes abaixo).
- Manter atividades intelectuais, através da leitura, de exercícios cognitivos (jogos que envolvem memória, estratégia, raciocínio), do trabalho ou de atividades ocupacionais que envolvam a inteligência. Para pessoas mais idosas ou que já se aposentaram, é recomendável que leêm mais, que façam palavras-cruzadas, que mantenham uma vida social mais ativa. Assistir TV e fazer atividades manuais mecanicistas (tricot, crochet) não ajudam em nada a memória e ainda tiram o tempo de atividades mais cognitivas.
- Evitar o estresse. Apesar de difícil, está demonstrado que o estresse pode ser reduzido ou melhor administrado quando a pessoa tem uma vida mais equilibrada, com tempo pré-estabelecido para as atividades de lazer e relaxamento e para momentos de prazer.
- Não relute em procurar um médico com medo do diagnóstico. Quanto mais cedo você procurar tratar de sua memória, maiores as chances de você recuperá-la. Hoje existem tratamentos eficazes que podem fazer você recuperar sua memória, melhorar sua qualidade de vida e zelar por um futuro com mais saúde.
Dicas de alimentação
Os principais nutrientes com propriedades anti-oxidantes, que protegem o cérebro do envelhecimento e são benéficos para a memória, são: o beta-caroteno, a vitamina C e a vitamina E.
1) Alimentos ricos em beta-caroteno - frutas e vegetais de cores amarelo-escuros e alaranjados, tais como: abóbora, batata-doce, caqui, cenoura, damasco seco, manga, pequi, pupunha e nos vegetais de folhas verde-escuras, como: agrião, bertalha, brócolis, couve, espinafre, salsinha.
2) Alimentos ricos em vitamina C - acerola, abacaxi, bertalha, brócolis, caju, couve de bruxelas, folha de mostarda, goiaba, laranja, limão, morango, murici, pimentão, repolho, salsinha. Atenção, pois a vitamina C é facilmente destruida pelo aquecimento.
3) Alimentos ricos em vitamina E - cereais integrais, oleaginosas, hortaliças, óleo de sementes e, em especial, o óleo de germe de trigo.
Uma alimentação variada, rica em vegetais (frutas, verduras, cereais e oleaginosas) e com um consumo moderado de carnes, leite e ovos é a melhor forma de adquirirmos anti-oxidantes através da dieta.
Texto de autoria do Dr. Leonardo Figueiredo Palmeira
Psiquiatria e Aviação: reflexões sobre a saúde psíquica dos aeronautas.
Há muitos anos tenho vontade de escrever sobre esse assunto, mas tenho relutado pela grande quantidade de perguntas ainda sem respostas, pela escassez na área médica de estudos científicos que procuram compreender as relações e mecanismos de adoecimento psíquico entre aeronautas, particularmente comissários e pilotos.
Assim que comecei a trabalhar, em 2003, com medicina de aviação, exercendo minha especialidade, a psiquiatria, na Fundação Rubem Berta da Varig (FRB), a pergunta que mais me inquietava era se o sofrimento psíquico dos funcionários que me procuravam tinha como causa as questões relacionadas ao ambiente de trabalho. Por que, então, as maiores causas de incapacidade para o trabalho segundo o CEMAL (Centro de Medicina Aeroespacial), órgão responsável pelas perícias médicas dos aeronautas em nosso país, eram os distúrbios psiquiátricos? Isso foi tema de um seminário realizado no SNEA (Sindicato Nacional das Empresas Aéreas) em 2004, do qual participei. A principal discussão era se os problemas psiquiátricos seriam decorrentes do ambiente de trabalho, inerentes à função ou se refletiriam vulnerabilidades individuais para o adoecimento. Saímos de lá sem uma resposta definitiva sobre essa e outras questões pertinentes à saúde mental dos aeronautas, pois o tema é complexo e faltam estudos nessa área, não só no Brasil, como também em outros países.
Em pesquisa recente, encontrei duas teses da Fiocruz sobre o tema: "Ciência pós-normal, saúde e riscos dos aeronautas: a incorporação da vulnerabilidade”, de Alexandre Palma e “Percepção de comandantes de Boeing 767 da Aviação Civil Brasileira sobre as repercussões das condições de trabalho na sua saúde”, de Claudia Paulich Loterio, ambas publicadas no site www.portalteses.cict.fiocruz.br, que trazem informações e reflexões importantes.
O presente artigo não tem a pretensão de ser científico, não apresentarei dados estatísticos ou farei análises multivariadas de risco, pois isso requereria um rigor metodológico que meu ambiente de trabalho na FRB não permitia, haja vista o grande número de atendimentos. Trarei as situações mais comuns que vivenciei no contato com comissários e pilotos ao longo de quase três anos na FRB e, atualmente, em minha clínica privada, propondo algumas reflexões para compreendermos melhor a relação entre a profissão aeronauta e o adoecimento psíquico.
Inicialmente proponho uma reflexão sobre a dificuldade que os aeronautas têm em reconhecer um distúrbio que atinge suas emoções e comportamentos e uma atitude freqüente de adiar o tratamento, levando a complicações futuras para o bem estar e a saúde psíquica e física. Menciono os principais sintomas emocionais e físicos entre os profissionais da área e tento buscar correlações com o perfil da profissão. Ao final, comento os principais transtornos psiquiátricos encontrados entre aeronautas. O objetivo principal deste artigo é conscientizar pilotos e comissários a procurar ajuda especializada o quanto antes forem identificados sintomas que dificultem o exercício profissional e que prejudiquem a qualidade de vida no trabalho e em casa, gerando conflitos familiares e sociais.
A procura de ajuda
O aeronauta reluta em procurar o psiquiatra, evitando-o, ainda que precise negar seu próprio sofrimento. É comum ouvir de meus pacientes o temor que tinham de um dia precisar se afastar pela psiquiatria. “Eu ficava observando as pessoas que estavam de psiquiatria, como se elas fossem diferentes de mim, mais vulneráveis, jamais imaginava um dia precisar desse tipo de cuidado”, disse-me certa vez uma comissária. Ela estava envergonhada de estar ali, mandada pela sua chefia após perceberem que estava chorando nos vôos. Ao final da consulta me fez um pedido, que não lhe desse uma licença pela psiquiatria, mas que a encaminhasse à ortopedia ou então a deixasse voar, pois tinha medo de que isso se tornasse público e a prejudicasse profissionalmente. Também não queria tratamento, pois isso seria a confirmação de que teria algum distúrbio psiquiátrico, o que se recusava aceitar.
O aeronauta que chega ao psiquiatra vem, na maioria dos casos, há mais de um ano com algum sintoma psiquiátrico e, via de regra, é encaminhado ou recorre ao médico por algum evento mais grave que o colocou à prova. Pode ser um ataque de pânico num vôo, um choro compulsivo, um descontrole com algum passageiro ou colega, um incidente durante o pernoite ou um somatório de fatos que culminaram num encaminhamento da chefia. Esse evento, que poderíamos chamar de episódio-índice, por ter sido aquele que flagrou a real necessidade de ajuda especializada, é experimentado pelo profissional com um grande sentimento de fracasso e derrota pessoal. Todos preferiam acreditar que a melhora ocorreria naturalmente, com o passar do tempo, realizando suas atividades normalmente. Contudo, a maioria se esquece dos fatores envolvidos com o processo de adoecimento.
"Episódio-índice", pois, muitas vezes, o aeronauta procura restringir seu problema àquele único episódio que motivou seu encaminhamento, subestimando os sintomas mais antigos e assumindo uma atitude defensiva, atribuindo mais à empresa do que a si próprio a razão de seu sofrimento. Embora a empresa e as particularidades de sua função possam ter grande participação, é necessário compreender os sintomas dentro de um contexto social, familiar e pessoal mais amplo, onde características de temperamento e personalidade, relações sociais e familiares, hábitos de vida e comportamentos terão um papel de fundo importante. A resistência em enxergar além do "episódio-índice" revela uma defesa inconsciente de aceitar que o processo de adoecimento possa ter raízes que vão além da profissão.
Eu arriscaria afirmar que para cada aeronauta em tratamento, existem ao menos dez que não procuram ajuda e continuam levando a vida e o trabalho no limite de suas forças. O que eles não cogitam, é que um dia eles poderão não suportar mais a pressão e experimentar um episódio de estresse agudo que os levará inexoravelmente a um tratamento, entretanto num estado de gravidade maior, onde o afastamento do trabalho e as conseqüências emocionais serão muitas vezes inevitáveis.
O corre-corre da profissão e do dia-a-dia faz esquecer momentaneamente o sofrimento, anestesia os sentidos e permite que o aeronauta dê seguimento às suas tarefas e obrigações, até o momento em que as emoções extravasam e o corpo começa a falar.
A linguagem do corpo pede socorro
A queixa mais freqüente no atendimento inicial de um aeronauta na psiquiatria não é psíquica, mas física. É o cansaço, a insônia, a palpitação, a falta de ar, a tonteira, as dormências, entre outras.
A medicina psicossomática estuda os sintomas físicos atribuídos a estados psíquicos diversos e conclui que todos os distúrbios da mente podem produzir sintomas que simulam doenças físicas. Isto pode ser justificado pelo grande número de encaminhamentos à psiquiatria por outras especialidades médicas, como a medicina de aviação, clinica médica, dermatologia, ortopedia, etc. O aeronauta identifica mais facilmente o sintoma físico, acreditando estar com alguma desordem do corpo, motivo pelo qual procura inicialmente uma especialidade clínica. Ele não percebe o sintoma psíquico que está por trás.
A possibilidade de o sintoma físico ser de origem psicossomática é interpretada, pelo paciente, como descrédito, por parte do médico, de sua doença, como se padecer da mente fosse uma condição menor do que adoecer do corpo. Grande parte dos encaminhamentos de outras clínicas não chega à psiquiatria por resistência do próprio paciente, que prefere procurar outras especialidades. É freqüente pessoas optarem pela homeopatia, medicina ortomolecular ou acupuntura, acreditando que possam melhorar sem precisar recorrer ao psiquiatra. Essas especialidades não substituem a psiquiatria no tratamento dos distúrbios mentais ou psicossomáticos, apenas adiam o tratamento adequado, deixando os pacientes vulneráveis a novas crises e comprometendo o prognóstico de sua doença. Essa pode ser mais uma forma inconsciente de adiar a solução de um problema que cresce lenta e gradualmente.
Os aeronautas freqüentemente fazem do corpo um laboratório. Trocam entre si experiências de como aliviar sintomas comuns na aviação, como p.ex. insônia, cansaço, estresse e fadiga de vôo. Aceitam a opinião do colega como se ele fosse um especialista, seguindo conselhos e, algumas vezes, se automedicando. A falta de tempo para procurar um médico é muitas vezes a desculpa para retardar o tratamento.
A automedicação entre comissários e pilotos é freqüente, muitos fazem uso de comprimidos para ansiedade e insônia, de anfetaminas para se manterem alertas ou para emagrecerem. Alguns usam bebidas alcoólicas para aliviar o estresse e outros desenvolvem o alcoolismo, uma das principais causas de afastamento entre aeronautas no Brasil. Isto sem falar no uso de outras drogas mais pesadas.
Não dar ouvido ao corpo que fala é ignorar um sinal de alerta que pode evitar conseqüências sérias para a saúde e o trabalho. Não é incomum o comissário entrar em pânico durante o vôo, desmaiar ou não conseguir embarcar por alguma sensação desagradável. Essas situações, quando ocorrem, são delicadas e trazem grande sofrimento e angústia, além de expor o funcionário diante de seus colegas e de sua chefia. Na maioria das vezes, essas situações poderiam ser evitadas se o aeronauta procurasse ajuda de forma preventiva, logo que notasse os primeiros sintomas. Nove em cada dez comissários atendidos em situações de emergência como essas revelaram sintomas prévios que prenunciavam uma crise, mas preferiram testar até onde poderiam resistir sem recorrer a um tratamento.
Abaixo estão listados alguns sintomas físicos que refletiam distúrbios psíquicos em aeronautas que procuraram ajuda após longa demora:
* Palpitações, taquicardia e falta de ar associados a pousos e decolagens;
* Pressão arterial lábil, sem história de hipertensão arterial sistêmica;
* Sensação de abafamento na aeronave e/ou nos quartos de hotel durante os pernoites;
* Insônia nos pernoites ou no repouso durante o vôo;
* Sudorese nas mãos e axilas durante o vôo;
*Náuseas, vômitos e/ou diarréia antes do vôo ou nos pernoites, sem associação com desordens gastrintestinais.
* Tremores em mãos, pálpebras e lábios;
* Tonteira ou sensação de desmaio antes ou durante o vôo;
* Cansaços físico e mental;
* Dores nas pernas ou sensação de pernas pesadas, como se estivesse carregando pesos de chumbo;
* Dores difusas pelo corpo, principalmente dores musculares em ombros e braços;
* Cefaléia e crises repetidas de enxaqueca;
* Perda ou aumento de apetite (incluindo compulsões por doces) com ou sem reflexos no peso corporal;
* Pesadelos, terror noturno, sonambulismo e outros transtornos do sono;
* Queda de cabelo, pruridos ou lesões de pele.
Eu, eu mesmo e mais ninguém
A sensação de solidão entre os aeronautas é freqüente. Alguns se sentem desvalorizados pela empresa, como se fossem apenas números, ficando à sua disposição e abrindo mão de desejos próprios, percebendo pouco retorno e reconhecimento por seu trabalho. Convivem com a distância de suas famílias, mas sem conseguir se desligar das preocupações cotidianas. Permanecem a sós em pernoites, pois o rodízio de equipes não permite laços de amizade entre colegas de vôo, tornando as relações de trabalho superficiais e temporárias. Passam horas absortos em seus próprios pensamentos e, por isso, tornam-se, às vezes, reféns de si mesmos.
O glamour que atrai o profissional para a aviação extingue-se com o tempo. Viajar para vários lugares, conhecer diferentes culturas, freqüentar restaurantes, lojas, teatros e museus pelo mundo perdem sua magnitude quando, do outro lado, está a saudade da família, o esgotamento físico e emocional, a insatisfação pessoal e o medo. Essa profissão cobra caro de quem aceita o desafio de estar em vários lugares quase ao mesmo tempo. Milhas o separam da família, dos amigos, de sua casa ou de onde realmente gostaria de estar. Um Natal distante, um aniversário longe dos amigos, um filho doente sem poder acompanhá-lo ao médico, um marido ou uma esposa ciumenta, alguém gravemente enfermo, uma casa assaltada, enfim, situações que noutra profissão ter-se-ia flexibilidade para estar onde é preciso, na aviação é um obstáculo difícil de transpor. Os sentimentos de solidão e desamparo nessas horas são unânimes.
Quando o psiquismo não vai bem, é muito mais difícil lidar com essas situações adversas e com a distância das pessoas amadas. Isso desperta angústia, medo e insegurança, que interferem com o vôo e trazem sofrimento psicológico. A falta de amparo nos pernoites pode levar a situações extremas, como, p.ex., passar uma noite em claro, ingerindo bebidas alcoólicas ou comprimidos para relaxar, ou ter medo de ficar no quarto sozinho, pensando em coisas desagradáveis, ou ainda, surpreender-se com pensamentos ruins ou trágicos, como de suicídio ou de morte. Muitos pacientes relatam experiências desagradáveis nos pernoites, alguns desenvolvem uma fobia ao quarto de hotel, e a repetição desses sintomas nessas condições agrava a sensação de medo e solidão.
Os sintomas psicológicos apresentados por aeronautas são muito variados e dependem das características de temperamento e personalidade de cada um. Abaixo, alguns exemplos:
* Medo de alguém morrer na família e não poder chegar para se despedir;
* Medo de sofrer um acidente em um país estranho e não voltar para casa;
* Medo de morrer e deixar sua família e filhos, sem alguém para cuidar;
* Medo de sofrer um infarto no pernoite e não ser socorrido;
* Idéias repetitivas de morte, imaginando o avião caindo;
* Idéias de suicídio ou acreditar que possa perder o controle e pular da janela do hotel;
* Idéias repetitivas de que algo de grave pode estar ocorrendo a algum familiar;
* Medo de alguém invadir seu quarto;
* Medo de dormir no escuro, permanecendo de luz acesa;
* Ansiedade, na forma de palpitação, taquicardia e falta de ar ou inquietação/agitação;
* Crises de choro durante o vôo ou nos pernoites;
* Intolerância com o passageiro ou estado de irritabilidade constante;
* Sensação das pessoas ao redor perceberem seu estado emocional, apesar da tentativa de esconder seus sentimentos;
* Sentimento de solidão e desamparo no vôo e nos pernoites;
* Necessidade de arrumar o quarto de hotel para passar o tempo;
* Dificuldade para conciliar o sono nos pernoites, por não conseguir “se desligar”;
* Falta de atenção ou atrapalhar-se em procedimentos do vôo ou ser desastroso em tarefas que antes exercia com facilidade;
* Muitos outros.
Aonde a profissão pega
Os motivos para o adoecimento podem ser vários: problemas financeiros, morte de algum familiar, conflitos conjugais e familiares, um filho pequeno sem ter alguém para cuidar, traumas, estresse crônico, etc. Porém, na aviação existem particularidades que ajudam a perpetuar e agravar alguns sintomas psíquicos.
O medo da morte
Todos os comissários e pilotos passaram por treinamentos e têm consciência do risco que correm. Apesar das medidas rigorosas de segurança e da aeronave ser um dos meios de transporte mais seguro, todos lidam com o medo inconsciente de um incidente ou acidente aéreo. Eles escutam, nos treinamentos, que é preciso estarem preparados para quando acontecer. Esse medo não pode ser negligenciado. Ele pode não interferir com as obrigações em vôo (e de fato não deve), mas na presença de qualquer infortúnio, ele vem à tona com toda a força.
O medo real de morte traz experiências psicológicas e somáticas traumatizantes. Muitos aeronautas ficam em estado de estresse pós-traumático após incidentes aéreos e têm dificuldade para retornar ao trabalho. Desenvolvem o que chamamos de fobia do vôo. Esse estado de fobia é caracterizado pelo medo de entrar no avião, precedido ou não por sintomas de ansiedade, como falta de ar, palpitação, taquicardia, sensação de abafamento ou crença de que o avião poderá cair.
Outros aeronautas desenvolvem a fobia sem a experiência de um incidente aéreo. Eles convivem por um tempo com sensações do tipo pânico quando estão em vôo e têm um risco maior de vivenciar situações normais de vôo como traumáticas. Uma turbulência mais forte pode vir acompanhada por uma sensação de que a aeronave está caindo, levando à experiência psicológica de morte.
O que conta para um estado de estresse pós-traumático ou para uma fobia do vôo, portanto, é a experiência psicológica individual de morte que cada um poderá ter em situações específicas. Quanto maior a ansiedade e o medo do profissional, menor a gravidade da situação necessária para desencadear o quadro. Por isso, pilotos estão menos suscetíveis do que comissários, pois eles têm um treinamento mais rigoroso, contam com mais informações e estão à frente da condução da aeronave.
Essa convivência com o medo subliminar da morte e do acidente/incidente aéreo também pode ser aguçada na presença de maior fragilidade emocional. Comissárias que se tornam mãe, p.ex., passam a temer mais por suas vidas, quando estão voando, pelo medo de abandonar seus filhos.
O confinamento
Trabalhar numa cabine fechada e pressurizada também traz conseqüências para a saúde do aeronauta. Algumas são bem conhecidas, como o barotrauma de orelha causado por despressurizações da cabine nos pousos das aeronaves. Porém, os efeitos psicológicos do confinamento são subestimados e só podem ser percebidos naqueles pacientes que relatam seu incômodo com o ambiente físico de trabalho.
Alguns aeronautas, principalmente comissários, sentem-se incomodados de estarem presos num local fechado, de onde não podem sair, restritos em seus movimentos e, algumas vezes, com sensação de abafamento. Isso é tão pior, quanto mais tempo durar o vôo. Esse incômodo pode gerar sintomas de ansiedade, como falta de ar ou sensação de “ar rarefeito”, inquietação, com necessidade de andar, sudorese, taquicardia e, em casos extremos, ataques de pânico. O confinamento também pode produzir, em algumas pessoas, claustrofobia, com dificuldade para permanecer também em outros ambientes fechados, como elevadores e túneis.
O confinamento também pode levar a fobia do vôo, afastando o aeronauta do seu trabalho. Nos pernoites, alguns hotéis possuem janelas que não abrem, mantendo a sensação de enclausuramento mesmo depois de deixada a aeronave, aumentando o tempo de convívio com esse tipo de ambiente. Alguns comissários desenvolvem a fobia do quarto de hotel, tendo mais dificuldades nos pernoites do que nos vôos propriamente.
O fuso horário e a privação de sono
Esse aspecto atinge a todos que trabalham em vôo, independente das características psicológicas. Como reagirão ao fuso horário dependerá da sensibilidade de cada aeronauta.
O fuso horário altera os ritmos biológicos e interfere com o sono, geralmente causando insônia. A insônia durante longo período leva à privação de sono, que coloca nosso organismo sob o risco de uma série de doenças físicas e mentais. Hormônios são secretados de acordo com ritmos circadianos e a privação do sono pode levar a desordens metabólicas. A memória é aprimorada durante o sono e a insônia crônica pode acarretar problemas de memória. Em pessoas saudáveis, a privação do sono gera irritabilidade, desatenção, ansiedade, impulsividade, dificuldade na tomada de decisões, cansaço, desânimo, entre outros sintomas. Em pessoas predispostas (com passado de algum distúrbio psiquiátrico ou com história familiar de doença mental), pode acarretar quadros ansiosos e depressivos graves, sem que haja um evento causal externo identificável.
A relação com o passageiro
Algumas pesquisas na área da medicina do trabalho concluíram que profissões de contato direto com o público têm um risco maior de adoecimento psíquico do que profissões em ambientes de escritório. É o exemplo dos bancários, que apresentam um nível elevado de doenças psiquiátricas, como depressão e transtornos ansiosos. As profissões na área de saúde também possuem um alto risco de adoecimento psíquico pelo contato direto com o público. Quanto mais exigente for o perfil das pessoas que utilizam os serviços, maior o risco de estresse entre os trabalhadores.
No caso da aviação, comissários estão mais predispostos ao adoecimento do que pilotos, por terem um contato direto e contínuo com o passageiro. É freqüente o comissário queixar-se de desentendimentos com o passageiro, principalmente quando o grau de exigência do passageiro é alto. Alguns preferem trabalhar na classe econômica ao invés da primeira classe pela diferença nesse padrão de exigência.
O comissário é o representante direto da empresa, a quem o passageiro recorre para fazer reclamações e elogios. Mas nem sempre o passageiro tem a capacidade de distinguir entre problemas da empresa e os que são da alçada do comissário, muitas vezes fazendo exigências que não estão ao alcance do profissional. Nesses casos, o comissário é pára-raio das deficiências da empresa, que interferem com o vôo.
No momento de dificuldade, as cobranças dos passageiros e o nível de estresse entre os comissários crescem à medida que a crise da companhia atinge a eficiência do vôo. Isso leva a um risco maior de adoecimento por estresse entre os profissionais. O maior número de afastamentos pela psiquiatria pode ser, portanto, reflexo da crise pela qual a empresa está passando, como também pode decorrer de medidas administrativas, como corte de pessoal, escalas mais apertadas, programações mais extensas e vôos mais longos.
A relação com a empresa
Existe uma síndrome em psiquiatria do trabalho chamada "Burnout", equivalente à síndrome de esgotamento emocional do trabalho. Isso ocorre quando as condições de trabalho e a relação entre trabalhador e empresa estão ruins. O funcionário sente-se estressado e sobrecarregado por não ter condições razoáveis para exercer sua função e percebe que não está sendo valorizado como profissional por sua chefia e pela empresa. Isso leva a um sentimento de revolta e, em última instância, à perda da identidade profissional e do prazer pelo trabalho.
Muitos que procuram a psiquiatria estão desiludidos com a profissão, alguns sequer desejam retornar ao vôo. Isso pode decorrer de motivos clínicos, como sintomas que se contrapõem à atividade aérea. Entretanto, em outros casos, a falta de desejo de voar decorre de uma desmotivação e da perda do prazer, por perceber que o trabalho e as relações profissionais estão deturpados e não mais possuem o encantamento de antes. Esse sentimento leva à perda da identidade profissional, quando o funcionário não se reconhece mais naquela função.
O "Burnout" pode levar a sintomas ansiosos e depressivos, insônia, irritabilidade, intolerância no ambiente de trabalho, baixa auto-estima e sentimento de fracasso, e pode repercutir nas relações sociais e familiares do profissional. A pessoa que passa por sintomas desse tipo e que desconfia serem provenientes do estresse no trabalho deve procurar um médico para uma avaliação. Em muitos casos, o "Burnout" se confunde com outras síndromes psiquiátricas ou pode coexistir com uma depressão, p.ex., requerendo, desta forma, tratamento especializado.
Os principais distúrbios psiquiátricos em aeronautas
As síndromes depressivas estão no topo da lista. É freqüente a queixa de tristeza, desânimo, falta de prazer nas atividades diárias, baixa auto-estima, conflitos pessoais e familiares, falta de perspectivas de mudança ou de melhora em curto ou médio prazo. A síndrome depressiva é normalmente de leve a moderada e não impede o exercício profissional. Entretanto, ela contribui para um estado de estresse permanente, que conduz a uma intolerância generalizada que não mais se restringe ao ambiente de trabalho e que passa a prejudicar a vida social e familiar do aeronauta. A depressão pode se agravar com o tempo, surgindo idéias de morte e suicídio.
A ansiedade pode aparecer de forma isolada ou em conjunto com a síndrome depressiva. O profissional fica insone, inquieto, com pensamentos negativos que trazem angústia, muitas vezes sem concentração e com problemas de memória que passam a interferir com suas atividades. Sintomas tipo pânico ou fobias são comuns, com sensações físicas desagradáveis, como taquicardia, falta de ar, sudorese, tremores, tonteiras, dormências e com dificuldade de permanecer em ambientes fechados, como na aeronave e no quarto de hotel. Em alguns casos ocorre descontrole de impulsos, tornando a pessoa agressiva na maneira de se relacionar com os outros.
Sintomas obsessivos e compulsivos também ocorrem com certa freqüência. Podem envolver o medo constante de sofrer algum acidente/incidente aéreo, pensamentos repetitivos e involuntários envolvendo tragédias com a própria pessoa ou algum familiar, pensamentos estranhos e repetitivos de suicídio ou morte e manias, como de limpeza, arrumação, checagem ou simetria. Alguns relatam dificuldades na hora de fazer as malas ou se arrumar por perderem muito tempo com rituais repetitivos.
O abuso de substâncias, como álcool, café, tranqüilizantes, cigarros e outras drogas tem a intenção inicial de aliviar os sintomas, mas pode predispor o profissional ao desenvolvimento de dependência, agravando os sintomas mais antigos ou gerando doenças mais graves.
Um transtorno comum entre comissárias é a depressão pós-parto. Ela surge após o nascimento do bebê, mas a maioria das mulheres só procura a psiquiatria na época em que precisa retornar ao trabalho. Isso decorre da necessidade de distanciar-se do filho, o que é experimentado com forte angústia e ansiedade. O padrão de relacionamento anterior com o filho é de preocupação excessiva, dificuldade de distanciamento, sentimento de insuficiência como mãe, intolerância, obsessões e medos infundados, além de tristeza e ansiedade.
O transtorno de estresse agudo ou pós-traumático também é comum, quando ocorre alguma situação traumática, como um incidente aéreo, um problema durante um pernoite ou quando algo acontece em casa e o profissional está distante, sem poder participar ou ajudar.
Conclusão
A psiquiatria é a primeira causa de afastamento por doença entre aeronautas e isso não é por acaso. Características da profissão e a demora em procurar ajuda colocam aeronautas sob um risco elevado de adoecimento psíquico. Por outro lado, as empresas parecem não ter despertado para esse grave problema e não desenvolvem políticas de prevenção e conscientização. Os aeronautas expõem-se cada vez mais ao risco de adoecimento psíquico, principalmente diante das difíceis condições de trabalho e da sobrecarga no setor. Os hábitos de vida, a falta de rotina e horários e o distanciamento da família contribuem para o aumento dessa vulnerabilidade.
Alertar os profissionais de vôo para que possam procurar ajuda e se preservar, sem comprometer demais sua saúde e bem-estar sócio-familiar, é o mínimo que se pode fazer diante da difícil realidade que é trabalhar na aviação comercial nos tempos atuais.