Não é só sobre redes: as várias camadas de ‘Adolescência’
Masculinidade tóxica, machismo, patriarcado, misoginia, racismo, bullying, cyber-bullying, meritocracia, neoliberalismo, infocracia, a série Adolescência, da Netflix, aborda tudo isso e mais, abrindo várias feridas da sociedade contemporânea e as deixando expostas. A série parece exalar um odor fétido que deixa o espectador inquieto, enauseado, incomodado, reflexivo, cabisbaixo, angustiado. Uma realidade aparentemente tão distante da nossa, mas assustadoramente tão próxima à medida que a trama vai se desenrolando.
A forma como a série foi filmada, com a câmera ligada o tempo todo, do início ao fim de cada episódio, pegando cada suspiro, cada gota de suor, cada gesto e cada passo dos personagens, só realça esse incômodo, como se não desse para escapar da triste realidade que vai se descortinando aos nossos olhos. A série não tem refresco! Não tem pausa! Tudo se desenrola freneticamente. Até os momentos de silêncio são reveladores, portanto, vale a pena rever a série com calma, prestando atenção nos diálogos e nos movimentos da câmera.
Mesmo que você pense que essa é uma série de ficção, que se passa em outro país, sob outra cultura diferente da nossa, com famílias tão diferentes da sua, qualquer um que tenha assistido atentamente à série, em algum ou vários momentos se colocou ali, na cena, imaginando que o que ali passava podia ou pode sim ocorrer em qualquer lugar e com uma outra qualquer pessoa comum, com qualquer família, consequência das mazelas da nossa sociedade atual.
Como não se identificar com um pai e uma mãe que são surpreendidos com um crime cometido pelo próprio filho, de apenas 13 anos de idade, sendo que ele é seu filho amado, que nunca deu motivos para que se pensasse algo assim? Pois a série vai desenrolando os personagens aos poucos à medida que os problemas vão aparecendo. E toda aparente normalidade vai caindo como um castelo de cartas. Sim, famílias são espantosamente “normais” num primeiro olhar contemplativo. Escolas também podem ser.
Assisti e li diversas análises da série, algumas que tentam minimizá-la e acusá-la de terror psicológico de uma corrente progressista pró-feminista a outras que preferiram se restringir ao debate das redes sociais e do perigo que elas representam para pais desavisados. Portanto, a mensagem seria mais monitoramento e vigilância, mais punição e rigidez. Mas a camada mais profunda da série é sobre relações humanas. Como estamos nos relacionando com os outros, com os colegas e professores na escola, com os vizinhos de casa e, pior, como estamos nos relacionando dentro da própria casa. Embora isso tenha influência da sociedade contemporânea em que a informação das redes toma o lugar dos dispositivos disciplinares tradicionais de controle (pegando o conceito foucaultiano), causando uma falsa sensação de liberdade, pois no final estamos todos aprisionados em algoritmos, a infocracia, segundo o filósofo Byung-Chul Han, cria pessoas despolitizadas, que se deixam adestrar como gado de consumo das mídias digitais. No regime da informação a comunicação é essencial para o controle, o domínio passa a ser a psique do outro, o psicológico. O antídoto a isso está obviamente fora das redes, na polis, na relação real que estabelecemos com os outros em comunidade, e é a qualidade dessas relações que irão proteger ou vulnerabilizar o sujeito ainda mais para o efeito das redes. A série Adolescência é brilhante justamente por expor esse lado que muitas vezes permanece oculto, simplificando a problemática das redes como questões operacionais e pragmáticas, quando na realidade o que está em cena são afetos e a qualidades das relações que estabelecemos com o outro.
A seguir faço uma análise por episódio, sendo desnecessário avisar que quem não viu a série ainda, não deve avançar no texto, afinal ele está cheio de spoilers. Mas talvez valha a pena lê-lo antes de ver a série pela segunda vez.
Episódio 1
O primeiro episódio apresenta a trama e tem um final que, se não é surpreendente, confirma aquilo que todo mundo torcia não fosse verdade. Mas me chamou atenção o fato do garoto querer o pai como acompanhante dos procedimentos na delegacia e não a mãe. Num primeiro momento aquilo não fez sentido, mas pensei, vai ver o garoto achou que a figura do pai, um homem, seria mais forte para defendê-lo num ambiente predominantemente masculino. Mas faltou abraço, afeto, diálogo. O pai passa a maior parte do tempo calado ou com falas perdidas. Já a mãe, assume nesse episódio um papel coadjuvante. A irmã, então, nem se fala. Elas ocupam a sombra ao longo de toda a trama, talvez porque a série queira mesmo chamar atenção para o masculino.
Episódio 2
O segundo episódio é o da escola. Os investigadores, um homem e uma mulher, vão à escola conversar com os demais alunos. Aí começa o circo dos horrores. A escola tem uma rotina de violência, alunos indisciplinados, que praticam bullying, racismo e misoginia, em que a preocupação dos homens é se tornarem populares e atraírem as mulheres.
A melhor amiga da vítima é negra e tinha nela a única amiga na escola, afirma não saber mais o que fazer, pois era a única pessoa que a aceitava do jeito que ela é. O episódio se encerra com um vôo aéreo da câmera, mostrando a menina isolada, deixando a escola em meio aos demais alunos.
A resposta da escola aos conflitos dos alunos é agressiva e autoritária, parecem conhecer somente os métodos punitivos ou corretivos, como quando dois jovens são humilhados pelo professor no pátio ameaçados de serem colocados no isolamento, uma espécie de quarto do castigo, onde não é permitido nenhum contato externo, ou quando à amiga negra é oferecido acompanhamento psicológico que ela critica ser a única ajuda que a escola consegue oferecer. Um professor admite abertamente não saber o que fazer com os alunos. Toca o alarme de incêndio e um caos instantâneo se instala, culminando em gritaria e agressões entre alunos. Até os policiais parecem não ter boa referência de suas escolas, naturalizando a situação. Aliás, não parecem de fato surpresos com a escola, transparecendo ser uma questão comum às escolas inglesas. A policial menciona que a escola fede, tem cheiro de vômito, repolho e masturbação, como todas as outras. O policial compara a escola a um curral.
O cyberbullying parece ter códigos só decifráveis pelos alunos. A coordenadora da escola desconhece, parece viver em outra era. O filho do policial, que estuda na mesma escola, revela ao pai, com quem tem pouco diálogo a ponto de estranha-lo chama-lo de filho, comunidades Red pill que propagam a misoginia e a ideologia Incel, pela qual 80% das mulheres só se interessariam por 20% dos homens e destinariam os demais 80% a um celibato involuntário. A vítima e o criminoso teriam trocado mensagens e ela teria curtido com um emoji um comentário dele que teria viralizado na escola e o exposto aos demais colegas.
Até esse episódio fica claro a ausência de diálogo dos pais com os adolescentes, delegação à escola do papel de educar e a total falta de condições, com um corpo técnico rígido, protocolar e autoritário-agressivo, negligente e alheio às problemáticas que acontecem no ambiente escolar e nas redes.
Não é difícil imaginar escolas como essa por aqui! Quanto a delegar a educação dos filhos às escolas, essa é uma questão antiga. Resta saber se os pais conhecem bem as escolas por dentro. A problemática das redes sociais também é bastante conhecida, e essa parece uma batalha cada vez mais perdida, não só para os jovens, mas para as sociedades contemporâneas, com influências profundas na cultura, na política e na democracia. A questão é como tudo isso impacta o psicológico de alguém vulnerável, capaz de cometer crimes quando afetado por fatores como esses. Aí entra o terceiro e mais eletrizante episódio.
Episódio 3
O terceiro episódio foca nos aspectos psicológicos do adolescente criminoso. Uma psicóloga o entrevista durante quase todo terceiro episódio e mais uma vez a câmera que não desliga fica circulando, ora focando no menino, ora na psicóloga, o que vai gerando uma sensação de envolvimento, como se o espectador fosse a terceira pessoa na sala, observando aquele diálogo. A psicóloga toca em temas sensíveis, começa perguntando dos avós paternos e do pai e de como é a sua relação com eles, mais uma vez a série fica na masculinidade. Essa temática claramente coloca o adolescente numa zona de desconforto, e ele tenta inverter o papel algumas vezes utilizando uma combinação de sedução e intimidação, como quem deseja assumir o controle daquela conversa.
Perguntado pelo pai, se ele é feliz com o trabalho que faz, o garoto prefere ironizar que o pai trabalha consertando privadas, e que faz isso inclusive fora do horário de trabalho, pois ganha mais. Acha esquisita a pergunta sobre o afeto do pai, como se não fosse coisa de homem. Normaliza o fato do pai ser irritável e raivoso, “coisas de pai”, na visão dele. Surge então a primeira diferença com o pai, o que o deixa irritado e descontrolado na entrevista. Como ele não gosta de esportes, sentia-se envergonhado por não jogar bem e não ter a aprovação do pai, percebendo que o pai tinha vergonha dele. Por outro lado não se considera bom em nada (no último episódio aparece uma aptidão dele para desenhos que não foi valorizada pela família). Claramente ele descamba nesse momento para suas insatisfações com o lugar em que está preso, se inflamando cada vez mais, até perder o controle, jogar um copo ao chão e ameaçar corporalmente a psicóloga.
Após uma breve interrupção, a psicóloga retorna e decide então explorar a relação dele com as meninas da idade dele, como suas colegas de escola. Antes porém insiste no pai, o que o deixa novamente irritado, querendo saber como o pai tratava a sua mãe. Ele não sabe bem responder, mas acha que o pai trata bem sua mãe, embora ele tenha destruído um galpão num acesso de fúria. Depois sobre as meninas, quis se gabar de tê-las bulinado para afirmar sua masculinidade e negar que seja gay, embora isso não estivesse sendo pautado. Mas era importante naquele momento posar de garoto que fazia sucesso com as meninas, até que ele cai na armadilha de perguntar se ele é feio. Como ficou sem resposta, irritou-se, pois estava acostumado nesse momento a ser confortado e reassegurado de que não é feio pelas demais pessoas. Isso suscita mais um episódio de descontrole de raiva. Assume novamente a atitude intimidadora para deixar a psicóloga numa posição de desconforto e ameaçada por ele, o que claramente lhe dá prazer, chegando a zombar dela estar ruborizada, com “medo de um pirralho”.
Conta sobre o bullying que sofria na escola e o cyberbullying após comentar um nudes da garota que matou, que o marcou com um emoji desqualificando-o, que viralizou. Chamou ela para dar um passeio, achando que poderia se dar bem com ela, aproveitando-se de sua fragilidade. Nesse momento fica evidente a misoginia, em que a mulher é tratada como um corpo objeto a ser utilizado pelo prazer do homem (“acho ela feia, pois ela é reta”, justifica). Como ela não deu bola para ele e ainda foi sarcástica, decidiu por fim à vida dela.
O episódio termina com os efeitos psicológicos que o machismo e a misoginia podem causar mesmo numa situação clínica, com uma psicóloga tecnicamente preparada, mas que sente a carga de agressividade e intimidação do adolescente, mais preocupado com sua gratificação. A psicóloga chega a ter náuseas após a saída do garoto da sala.
Episódio 4
O quarto e último episódio fecha com as questões da família do adolescente. A van com a qual o pai trabalha é pichada com a palavra “pervertido” e isso provoca um caos justamente no dia do seu aniversário. Ele fica furioso, torna-se grosseiro e agressivo com a mulher e a filha, agride um jovem com a bicicleta no estacionamento de um mercado acreditando que seja o mesmo que passou pela sua casa gritando “pervertido”.
Logo no início do episódio fica claro o contraste do pai agressivo com a mãe afetuosa. Mãe que também sofre com o machismo do marido, que diz a ela o que tem que ser feito na hora que ele deseja. Suas vontades são sempre atendidas, caso contrário ele explode.
No diálogo com a filha no quarto, contrastam as frases “meu pai ama aquela van” com a declaração de amor de mãe para filha e da filha para mãe. Duas mulheres que vivem oprimidas pelo machismo e pelos rompantes do chefe da casa. O close nas duas após regressarem do mercado na van é um retrato da opressão que vivem, a pergunta da filha se ele vai melhorar demonstra que ambas vivem essa realidade há bastante tempo e que essa preocupação acompanha a menina durante a vida.
O episódio possui algumas falas machistas, como na loja quando ele diz a elas para gastar dinheiro, que é o que elas sabem fazer, ou quando elogia a mulher como uma boa cozinheira que vai fazer mocela com pão frito para ele quando chegarem em casa. As duas mulheres também cedem à vontade dele não fazer o programa que combinaram, por que ele se chateou. Como sempre acontece, desistem do programa, alugam um filme e fazem pipoca.
O sentimento de culpa e a tentativa de minimiza-lo são também abordados no final do episódio, sem que os pais consigam fazer uma autocrítica e se implicar (aliás a mãe ao final admite que podiam ter feito mais, o que deixa o pai arrasado). Diante do conselho da terapeuta de não se culparem, eles se eximem de não terem se aproximado do filho quando ele se trancava no quarto, o pai se vangloria de nunca ter batido no filho, apesar da violência que sofria do pai quando era criança, justifica a falta de tempo com o filho por ter que trabalhar 14h por dia, ambos se afirmam bons pais um para o outro, mas não conseguem esconder a culpa que sentem por terem um filho capaz de cometer aquela atrocidade. A preocupação do pai se o filho teria herdado seu gênio demonstra o quanto a causalidade biológica permeia as explicações da vida, como se fatores sociais e psicológicos não tivessem a menor importância.
A cena final do pai com o ursinho simboliza o que faltou neste caso entre pai e filho e o quanto homens podem sofrer numa sociedade estruturalmente machista quando a realidade da vida se volta contra eles, transformando-os de algozes em vítimas. Mas a série mostra o quanto é difícil para os homens se enxergarem nessa posição, basta analisar com calma os homens da série além do pai e do filho, como o policial investigador e o guarda do centro socioeducativo que assedia a psicóloga.
As tentativas de patologizar o adolescente é outra armadilha que as pessoas caem, como tentativa de afastar a realidade de si. Felizmente a série não sucumbiu a isso. Ela mostra como coisas deste tipo podem ocorrer sem que a pessoa ou as pessoas envolvidas sejam verdadeiros monstros. São pessoas comuns, que vivem numa sociedade machista, patriarcal, meritocrática, onde quem é fraco, impopular, feio não tem vez e se torna uma presa fácil para as redes sociais, capaz dos diversos tipos de atrocidades, inclusive matar. Uma sociedade neoliberal em que o trabalho se transformou em escravidão, em que se trabalha sem parar seja para pagar as contas ou para acumular capital, sem tempo para relacionamentos verdadeiros. Uma sociedade informatizada e tecnológica em que as relações humanas são substituídas por telas nas quais as pessoas se exibem umas às outras sem saber sequer quem são de verdade. Em que a atitude e a ação individual podem ser comandadas por algoritmos virais. Treze anos é pouca idade para saber dessas coisas, mas infelizmente já é uma idade em que se é capaz de matar. A série traz os alertas de maneira primorosa, só não enxerga quem não quiser.
Brasil tem maior número de afastamentos do trabalho por ansiedade e depressão em 10 anos
O Brasil vive uma crise de saúde mental com impacto direto na vida de trabalhadores e de empresas. É o que revelam dados exclusivos do Ministério da Previdência Social sobre afastamentos do trabalho. Em 2024, foram quase meio milhão de afastamentos, o maior número em pelo menos dez anos.
Os dados, obtidos com exclusividade pelo g1, mostram que, no último ano, os transtornos mentais chegaram a uma situação incapacitante como nunca visto. Na comparação com o ano anterior, as 472.328 licenças médicas concedidas representam um aumento de 68%.
E o que explica o recorde de afastamentos em 2024? De acordo com psiquiatras e psicólogos, é reflexo da situação do mercado de trabalho e das cicatrizes da pandemia, entre outros pontos.
A crise fez que o governo federal buscasse medidas mais duras. O Ministério do Trabalho anunciou a atualização da NR-1, que é a norma com as diretrizes sobre saúde no ambiente do trabalho. Agora, o tema passa a ser fiscalizado nas empresas e pode, inclusive, render multa.
Em 2024, foram 3,5 milhões pedidos de licença no INSS motivados por várias doenças. Desse total, 472 mil solicitações foram atendidas por questões de saúde mental. No ano anterior, foram 283 mil benefícios concedidos por esse motivo. Ou seja, um aumento de 68% e um marco na série histórica dos últimos 10 anos.
O gráfico acima traz a lista de doenças de saúde mental que mais geraram concessão de benefícios por incapacidade temporária. O burnout, por exemplo, não está nessa lista. No ano passado, foram 4 mil afastamentos por esse motivo. Os especialistas explicam que o número tem relação com a dificuldade do diagnóstico.
Além disso, os dados representam afastamentos e não trabalhadores. Isso porque uma pessoa pode tirar mais de uma licença médica no mesmo ano e esse número é contabilizado mais de uma vez.
Procurado pelo g1, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) não informou quanto de sua verba foi revertida em assistência à saúde mental. Apesar disso, esclareceu que as pessoas passaram, em média, três meses afastadas, recebendo cerca de R$ 1,9 mil por mês. Considerando esses valores, o impacto pode ter chegado a até quase R$ 3 bilhões em 2024.
O maior número de licenças está nos estados mais populosos como São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. No entanto, proporcionalmente, quando consideramos o número de afastamentos em relação à população, os maiores índices foram registrados no Distrito Federal, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul.
Não há uma explicação para o índice de cada estado, mas especialistas lembram que no caso do Rio Grande do Sul, por exemplo, houve uma tragédia: a enchente que matou centenas de pessoas e deixou milhares sem casa, afetando diversas esferas da vida dos trabalhadores.
Os dados do INSS permitem traçar um perfil dos trabalhadores atendidos: a maioria é mulher (64%), com idade média de 41 anos, e com quadros de ansiedade e de depressão. Elas passam até três meses afastadas do trabalho.
Por outro lado, não foi possível fazer recortes por raça, faixa salarial ou escolaridade, pois os dados não foram informados pelo INSS.
Os especialistas explicam que mulheres são a maioria por fatores sociais: a sobrecarga de trabalho, a menor remuneração, a responsabilidade do cuidado familiar e a violência: mulheres ganham menos que homens em 82% das áreas, segundo levantamento do IBGE; o total de casos de feminicídio cresceu 10% nos últimos cinco anos; e mulheres foram as mais afetadas pela crise da COVID-19, com maior índice de desemprego e trabalho não remunerado, segundo pesquisa publicada pela revista científica “Lancet".
Por outro lado, a mulher também pede mais ajuda, e é mais aberta a procurar soluções nos consultórios médicos. Esse é um fator que facilita o diagnóstico desses tipos de transtornos, explica o psiquiatra Wagner Gattaz, especialista em saúde mental no ambiente de trabalho.
Os transtornos mentais são multifatoriais e não há uma explicação única para o que está acontecendo. Especialistas ouvidos pelo g1 destacam algumas questões, entre elas as cicatrizes da pandemia. Algumas delas são:
➡️ O luto pós pandemia, que causou mais de 700 mil mortes.
➡️ Estresse emocional após a crise, com anos de isolamento.
➡️ Insegurança financeira com o aumento do custo de vida. De 2020 até 2024, o preço dos alimentos subiu 55%.
➡️ Aumento da informalidade.
➡️ E o fim de ciclos. Na pandemia, por exemplo, houve um aumento de 16% nas separações.
Ao longo da crise, pesquisas mostravam já em 2020 que ela poderia deixar sequelas emocionais, aumentando os quadros de transtornos: é o que os especialistas chamavam de “quarta onda da Covid-19”. Com isso, o tema passou a ser mais debatido.
Para não depender apenas de iniciativas e também cobrar mais responsabilidade dos gestores, o governo anunciou a atualização da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), que apresenta as diretrizes de saúde no ambiente do trabalho.
Com as atualizações, o Ministério do Trabalho passa a fiscalizar os riscos psicossociais no processo de gestão de Segurança e Saúde no Trabalho (SST), o que pode, inclusive, acarretar em multa para as empresas caso sejam identificadas questões como: metas excessivas, jornadas extensas, ausência de suporte, assédio moral, conflitos interpessoais, falta de autonomia no trabalho e condições precárias de trabalho.
A fiscalização será realizada de forma planejada, através de denúncias que são encaminhadas ao Ministério. Empresas de teleatendimento, bancos e estabelecimentos de saúde são prioridades por conta do alto índice de adoecimento mental.
As inspeções, que são feitas por auditores-fiscais, verificam o local de trabalho e dados de afastamentos por conta doenças ou acidentes, rotatividade de funcionários, conversam com trabalhadores e analisam documentos para identificar possíveis situações de risco.
Caso sejam encontrados episódios que justifiquem o adoecimento mental dos trabalhadores, pode ser aplicada uma multa que varia entre R$ 500 a R$ 6 mil por cada situação. Além disso, o empregador vai ter um prazo para ajustar o formato de trabalho e evitar mais afastamentos.
As ações adotadas pelas empresas vão ser monitoradas pelo Ministério do Trabalho. Para dar conta de tamanha demanda, o órgão vai contratar 900 novos auditores fiscais do trabalho por meio do Concurso Público Nacional Unificado (CPNU).
No entanto, o ministério não informou como vai estabelecer uma rotina de fiscalização que possa incluir essa demanda, o que faz com que especialistas questionem se a medida pode mesmo ser uma iniciativa para endurecer a cobrança.
Segundo a especialista, a atualização feita pelo Ministério do Trabalho é uma forma de colocar o assunto em alta. Porém, como todas as outras normas técnicas e regulamentares, isto não altera efetivamente o quadro caso não haja uma mudança por parte das empresas.
Fonte e arte: G1
Evento no IPUB debate recovery, participação social e educação na recuperação da esquizofrenia
Evento de encerramento do Programa Entrelaços do IPUB/UFRJ do ano de 2024. A primeira parte traz uma mesa redonda com familiares e pacientes do programa com relato de experiências de vida e depoimentos de como o conhecimento e a troca de experiências fez a diferença na vida deles.
A segunda parte traz uma mesa redonda com os professores do IPUB Erotildes Leal e Pedro Gabriel Delgado, atualmente também diretor da instituição. Eles trazem o conhecimento sobre o Recovery e a importância da comunidade e da coletividade para a recuperação dos que possuem um transtorno mental.
A terceira parte traz a fala do coordenador do programa, Alexandre Keusen, e do psiquiatra Leonardo Palmeira, sobre possíveis desdobramentos da experiência do Entrelaços na formação de pares pesquisadores em comunidades do Rio de Janeiro - usuários e familiares que por meio de um programa de formação serão capacitados a atuar em seus territórios em educação e pesquisa para uma transformação cultural e política. Ao final temos uma apresentação cultural dos usuários do programa.
O Programa Entrelaços é um movimento social que parte da educação sobre os transtornos mentais para a troca de experiências entre pares e a formação de uma rede de apoio e engajamento sócio-político. Para mais informações acesse https://entendendoaesquizofrenia.com.br/a-esquizofrenia/entrelacos-apoio-as-familias/
Vini Jr é uma força e um exemplo agora consagrado com o The Best.
Um jovem preto e periférico, criado em São Gonçalo, subúrbio do Rio, cuja renda média dos habitantes não ultrapassa dois salários mínimos e a escolaridade do município é apenas o 72o de 92 municípios do Estado do Rio de Janeiro (IBGE, 2022). Não bastasse ter vindo de uma comunidade pobre e violenta (São Gonçalo está entre os 10 municípios mais violentos do Estado e foi a cidade com maior índice de tiroteios em 2024 segundo o Fogo Cruzado), Vini Jr é preto e enfrentou o racismo no seu país e de forma mais escancarada na Europa, onde foi atuar em 2017 pelo Real Madri, time que o consagrou para o mundo. Justamente por sua trajetória e luta contra o racismo, não somente em campo, mas principalmente fora dele, Vini Jr também merece destaque por sua enorme contribuição para a saúde mental dos jovens pretos e periféricos do Brasil e do Mundo.
Ele serve de exemplo e inspiração para queles que sofrem cotidianamente o racismo violento, principalmente no Brasil, onde o racismo é historicamente varrido para debaixo do tapete pelo ideal de democracia racial ao qual o país foi e continua sendo submetido por sua elite branca e, muitas vezes, lido por outros países como exemplo de país que soube lidar com sua desigualdade racial. Realmente algo para “inglês ver”, pois quem vive na periferia e nas comunidades pobres sabe a violência cotidiana à qual o povo negro é submetido, principalmente nas mãos do Estado e das instituições, com o racismo estrutural e institucionalizado.
Vini um dia pode contar na sua biografia todas as violências e injustiças que sofreu pela cor de sua pele, mas não é crível supor que tenha sido diferente dos milhões de jovens pretos que, como ele, buscam uma vida digna. Provavelmente foi essa luta de uma vida que o moveu na batalha contra o racismo nos gramados em que pisou na Europa e num dos países reconhecidamente mais racista do Mundo, a Espanha. E quando Vini Jr se expõe como se expôs, provocando a ira da branquitude, maioria entre jogadores, técnicos e jornalistas que, além da torcida preconceituosa, viraram a cara para ele, como viraram no prêmio Bola de Ouro neste mesmo ano, ele se transforma num gigante maior do que aquele que seus pés e seu impulso em campo o consagraram melhor do Mundo.
O racismo é uma das maiores violências que podem acometer a saúde mental de uma pessoa. Sua autoimagem e autoestima, inclusive sua negritude e senso de coletividade, são atingidas em cheio. Neusa Santos Souza, psiquiatra e ícone do movimento negro nos anos 80, mostrou como famílias ao longo da história foram embranquecendo como forma de lidar com a dor e fugir do racismo, seja através de casamentos interraciais com parceiros mais brancos, seja nas vestes e em procedimentos estéticos para se tornarem “mais brancas”, cabelo liso, tratamentos para tornar a pele mais clara ou modificar o corpo. Ela escreveu o livro “Tornar-se negro” (1983, editora Zahar), no qual ela chama atenção para o negro assumir a sua negritude, seu corpo, sua imagem, e se orgulhar de si próprio, de sua cultura e ancestralidade que são a marca mais indelével da cultura brasileira.
A primeira experiência cultural e de nação genuinamente brasileiras foi Palmares, até então uma terra ocupada por europeus que dizimaram os povos originários e trouxeram os escravos do continente africano. Foi em Palmares, por mais de um século, que se criou no território chamado Brasil a primeira experiência de nação com cultura e senso de coletividade que em grande medida reproduzia a cultura africana, mas criava através da miscigenação com os povos originários uma cultura própria, afro-indígena-brasileira, cultura essa que passaria a ser perseguida e violentada nos séculos seguintes e até hoje pela branquitude. Mas a resistência de seu povo, que fez com que essa cultura resistisse 5 séculos de opressão e se mantivesse cotidianamente presente nas comunidades, favelas, quilombos, é parte das razões que fazem Vini Jr ser quem ele hoje é.
Vini Jr não é resultado somente de seu esforço e talento, da luta pelo mérito e pelo reconhecimento, mas de tudo o que o antecedeu, de seus ancestrais, do território em que nasceu e foi criado, da cultura dos campos de várzea, da molecagem, da ginga, própria dessa cultura afro-indigena-brasileira. É também da luta cotidiana do seu povo pela sobrevivência, na luta contra o racismo, contra a violência de Estado, contra a desigualdade social e de oportunidades.
Frantz Fanon, psiquiatra e filósofo martinicano e ícone da luta anticolonialista da Argélia, escreveu em seu livro “Os Condenados da Terra” (1968, editora Zahar) que “o colonialismo não fez outra coisa a não ser despersonalizar o colonizado. Essa despersonalização é sentida igualmente no plano coletivo, no nível das estruturas sociais. O povo colonizado se acha reduzido a um conjunto de indivíduos que só tiram seu fundamento da presença do colonizador”. Segundo Fanon, existe uma zona do “não-ser” de onde pode brotar uma “aparição autêntica”, capaz de ampliar a consciência sobre o mundo, a liberdade e a responsabilidade para conosco e com os outros.
Por isso Vini Jr é tão gigante, e maior do que ele serão os efeitos que seu exemplo pode provocar em seu povo, da pequena São Gonçalo para o Mundo.
Parabéns Vini Jr!
Justiça por Genivaldo condena policiais assassinos
O blog noticiou na época o crime bárbaro a Genivaldo, que sofria de esquizofrenia e foi morto em câmara de gás improvisada em carro da PRF. Relembre!
Os três ex-policiais rodoviários federais que torturaram e mataram Genivaldo de Jesus Santos, asfixiado em uma viatura em 2022, em Umbaúba (SE), foram condenados na madrugada deste sábado (7), após 12 dias de julgamento na 7ª Vara Federal de Sergipe.
Paulo Rodolpho Lima Nascimento foi condenado por homicídio triplamente qualificado, a 28 anos de prisão. Kléber Nascimento Freitas e William de Barros Noia foram condenados a pouco mais de 23 anos de prisão, por tortura seguida de morte. As penas foram agravadas pelo motivo fútil, pela asfixia e pelas circunstâncias que impossibilitaram a defesa da vítima.
Todos eles já haviam sido exonerados e estavam presos desde outubro de 2022. A 7ª Vara Federal ouviu cerca de 30 testemunhas, incluindo parentes da vítima, peritos e especialistas.
Genival foi assassinado em 25 de maio de 2022, após se parado em uma blitz da Polícia Rodoviária Federal (PRF), por estar sem capacete.
Durante a abordagem, Genival foi agredido e trancado no porta-malas de uma viatura, no qual foi lançada uma grande quantidade de gás lacrimogêneo. Ele morreu asfixiado.
Os agentes foram demitidos pelo então ministro da Justiça Flávio Dino, em agosto de 2023.
Fonte: Brasil de Fato
Evento do Programa Entrelaços no IPUB
Neste próximo sábado, 07/12/24, acontecerá o evento de encerramento do ano de 2024 do Programa Entrelaços, do IPUB/UFRJ, com depoimentos de integrantes dos grupos comunitários, apresentação cultural dos integrantes do Grupo 15 de Nós e Mentes em Ação e palestras, convidando neste ano os professores Pedro Gabriel Delgado e Erotildes Leal.
O evento ocorrerá no IPUB, Instituto de Psiquiatria da UFRJ, Av Venceslau Brás 71 - fundos, Botafogo, de 9 ao meio-dia. Veja o convite abaixo.
Entrada gratuita para toda a comunidade.
Mais uma vez veículos da mídia tentam associar a esquizofrenia a um crime bárbaro.
Não é a primeira, a segunda e nem será a última vez que o Portal Entendendo a Esquizofrenia se posiciona sobre matéria divulgada na mídia com intenção vil de associar a esquizofrenia a um crime de repercussão nacional, quando na realidade a presença da doença não pode ser associada às motivações do crime e sequer haja elementos suficientes que certifiquem a presença dela na cena do crime, o que somente a investigação policial poderá estabelecer. Mas parece que certos veículos de imprensa, com intenção diversa do compromisso com a informação e com o leitor, insistem em utilizar a esquizofrenia de forma sensacionalista, preconceituosa e com a intenção de desinformar o leitor ao invés de informá-lo.
Sabe-se pela mídia que o crime ocorrido em Novo Hamburgo - Rio Grande do Sul, que vitimou dois familiares do assassino e dois policiais militares, e que terminou com a morte do atirador, foi perpetrado por uma pessoa que possuía registro de porte de armas como CAC e era colecionador de armas (possuía duas pistolas e duas espingardas). Embora ainda não se conheça as motivações para o crime, a questão central do debate acerca do crime é o fato do assassino ser um CAC, ou seja, possuir registro que autoriza a compra e o porte de armas de fogo. Especulações sobre sua saúde mental são meras especulações, afinal doença mental não é a única justificativa para atos dessa natureza, sequer a motivação mais comum.
O Rio Grande do Sul é o estado com mais registros ativos de armas de fogo por cidadãos comuns, resultado de uma política armamentista de governos passados que fizeram com que o número de caçadores, atiradores e colecionadores aumentasse 665% no período entre 2018 e 2022, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, compreendendo o período em que o assassino conseguiu o registro das armas (2020).
Está bem estabelecida a relação entre aumento de armamentos e crimes desta natureza em países em que o porte de armas é facilitado ou liberado, como ocorre nos EUA, país líder em crimes com arma de fogo deste tipo.
Ao contrário, não existe nenhuma associação entre crimes desta natureza e a esquizofrenia, portanto, notícias com falsas ilações e que induzem o leitor ao erro devem ser repudiadas com veemência, pois a esquizofrenia já é um dos transtornos mentais com maior estigma na sociedade e notícias deste tipo só contribuem para aumentar o preconceito e a desinformação sobre a doença.
Um dos principais objetivos deste Portal é inclusive levar a informação de qualidade para combater o preconceito acerca da doença, pois a informação e a educação são as principais ferramentas de combate ao estigma na sociedade.
Divulge essa mensagem a seus contatos e vamos combater o estigma e a desinformação!
Os problemas no diagnóstico e no cuidado do TEA nos dias de hoje
A profusão de diagnósticos de autismo após as mudanças nos manuais de classificação de transtornos mentais, com a concepção de espectro autista (TEA), e o complexo industrial do autismo, que vem privatizando e judicializando os cuidados à saúde das pessoas com TEA, é tema desta palestra no IPUB-UFRJ.
https://www.youtube.com/live/3Xtc7-UuhPM?si=7Mojn5KkAzhLaeLi
Trabalhos manuais melhoram mais a saúde mental do que arrumar emprego
Atividades como fazer crochê, pintar quadros e outras habilidades manuais com artesanato podem contribuir para o bem-estar tanto quanto ter um emprego, de acordo com um estudo publicado na revista científica Frontiers in Public Health.
Anteriormente, outras pesquisas mostraram que o hobby envolvendo esses tipos de atividades é benéfico como tratamento terapêutico para pessoas com condições envolvendo a saúde mental diagnosticadas.
Dessa forma, o grupo de pesquisadores da Anglia Ruskin University, na Inglaterra, queria entender se a população sem doenças diagnosticadas também se beneficiava desse tipo de passatempo. Para isso, dados de 7.182 pessoas (todas acima dos 16 anos), recolhidos no Reino Unido no período entre 2019 e 2020, foram analisados. Eles fazem parte de uma grande pesquisa feita anualmente pelo Departamento de Cultura, Mídia e Esporte do Reino Unido através de questionários.
Dentre os participantes, 37,4% dos entrevistados afirmaram ter realizado pelo menos uma atividade de artesanato no último ano. Esse grupo relatou níveis mais altos de felicidade e satisfação com a vida, bem como um senso mais forte de que a vida vale a pena. Para eles, essa sensação foi tão significativa quanto estar empregado.
“Artesanato e outras atividades artísticas mostraram um efeito significativo na previsão da sensação das pessoas de que sua vida vale a pena. De fato, o impacto do artesanato foi maior do que o impacto de estar empregado. O artesanato não só nos dá uma sensação de realização, como também é uma rota significativa para a autoexpressão. Esse nem sempre é o caso com o emprego”, explicou a autora principal Helen Keyes, em comunicado.
A equipe acredita que isso acontece porque através das atividades manuais é possível ver o fruto do próprio trabalho diante dos seus olhos. Para Heyes, isso pode ser ser utilizado como uma abordagem de promoção ao bem-estar e à saúde mental.
“É ótimo focar em uma tarefa e envolver sua mente criativamente”, acrescenta a autora.
Por outro lado, a pesquisa não encontrou a causalidade direta entre as duas coisas. Novas pesquisas serão necessárias para confirmar como se dá este processo.
“Não podemos saber com certeza se o artesanato está causando diretamente esse aumento no bem-estar. O próximo passo seria realizar um estudo experimental onde mediríamos o bem-estar das pessoas antes e depois de períodos significativos de artesanato”, conclui Keyes.
Videogames também apresentam ponto positivo
Ainda que os videogames tenham uma má fama, um estudo publicado na revista científica Nature Human Behaviour mostrou que o hobby está associado ao aumento do bem-estar. Mas, como tudo, é preciso haver moderação. De acordo com os pesquisadores, esses benefícios desaparecem depois de jogar videogame por mais de três horas.
“Nossas descobertas desafiam os estereótipos comuns sobre os jogos serem prejudiciais ou apenas proporcionarem euforia temporária”, disse Hiroyuki Egami, da Universidade Nihon, no Japão, em comunicado da universidade. “Mostramos que os jogos podem melhorar a saúde mental e a satisfação com a vida em um amplo espectro de indivíduos.”
O estudo analisou respostas de pesquisas de quase 100 mil japoneses com idades entre 10 e 69 anos, coletadas entre dezembro de 2020 e março de 2022.
Fonte: O Globo
Medicamento inovador para tratamento da esquizofrenia é aprovado nos EUA
O laboratório Bristol Myer Squibb anunciou hoje que o órgão regulatório norte-americano de medicamentos (Food and Drug Administration - FDA) aprovou o COBENFY™ (xanomelina e cloreto de tróspio), um medicamento oral para o tratamento da esquizofrenia em adultos. COBENFY representa a primeira nova classe de medicamento na psiquiatria em várias décadas e introduz uma abordagem nova para o tratamento da esquizofrenia, visando seletivamente os receptores muscarínicos M 1 e M 4 no cérebro, sem bloquear os receptores dopaminérgicos D2 (como atuam os antipsicóticos clássicos).
Esse tratamento para a esquizofrenia representa um marco importante para a comunidade, onde depois de mais de 30 anos, agora há uma abordagem farmacológica totalmente nova para a esquizofrenia - uma que tem o potencial de mudar o paradigma do tratamento”, disse Chris Boerner, PhD, presidente do conselho e diretor executivo da Bristol Myers Squibb. “À medida que reentramos no campo da neuropsiquiatria, nos dedicamos a mudar a conversa em torno de doenças mentais graves, começando com a aprovação de hoje na esquizofrenia.”
A esquizofrenia é uma doença mental persistente e muitas vezes incapacitante que afeta a forma como uma pessoa pensa, sente e se comporta. Estima-se que afete aproximadamente 2,8 milhões de pessoas nos Estados Unidos (2,4 milhões de pessoas no Brasil). Os sintomas normalmente aparecem pela primeira vez no início da idade adulta e se apresentam de forma diferente em cada pessoa, tornando os sintomas difíceis de diagnosticar e controlar. Embora o padrão atual de atendimento possa ser eficaz no gerenciamento de sintomas de esquizofrenia, até 60% das pessoas experimentam melhora inadequada nos sintomas ou efeitos colaterais intoleráveis durante a terapia.
“Para pessoas que vivem com esquizofrenia, muitas vezes é difícil encontrar um tratamento que funcione para elas. Ter uma variedade de opções de tratamento dá aos pacientes e profissionais de saúde as ferramentas para ajudar a gerenciar essa condição grave”, disse Gordon Lavigne, diretor executivo da Schizophrenia & Psychosis Action Alliance. “Pessoas que vivem com esquizofrenia querem e merecem mais. A aprovação de hoje fornece uma nova opção à medida que as pessoas com esquizofrenia avançam com o apoio adequado para reconstruir suas vidas.”
A aprovação da FDA do COBENFY é apoiada por dados do programa clínico EMERGENT, que inclui três ensaios de eficácia e segurança controlados por placebo e dois ensaios abertos avaliando a segurança e a tolerabilidade a longo prazo do COBENFY por até um ano. Nos ensaios de Fase 3 EMERGENT-2 e EMERGENT-3, COBENFY atendeu ao seu desfecho primário, demonstrando reduções estatisticamente significativas dos sintomas da esquizofrenia em comparação com o placebo, conforme medido pela mudança de pontuação total da Escala de Síndrome Positiva e Negativa (PANSS) desde o início do estudo até a semana cinco. COBENFY demonstrou uma redução de 9,6 pontos (-21,2 COBENFY vs. -11,6 placebo, p<0,0001) e uma redução de 8,4 pontos (-20,6 COBENFY vs. -12,2 placebo; p<0,0001) na pontuação total de PANSS em comparação com o placebo na semana cinco em EMERGENT-2 e EMERGENT-3, respectivamente. Em EMERGENT-2, COBENFY demonstrou uma melhora estatisticamente significativa na doença desde o início da semana cinco, conforme medido pela pontuação de gravidade da Impressão Global (CGI-S), um desfecho secundário do estudo. O perfil de segurança e tolerabilidade do COBENFY foi estabelecido em ensaios agudos e de longo prazo. Nos ensaios de Fase 3 EMERGENT-2 e EMERGENT-3, as reações adversas mais comuns (≥5% e pelo menos duas vezes a do placebo) foram náuseas, dispepsia, constipação, vômitos, hipertensão, dor abdominal, diarreia, taquicardia, tontura e doença do refluxo gastroesofágico. COBENFY não tem avisos e precauções de classe antipsicótica atípica e não tem um aviso em caixa (exigência do FDA para alguns medicamentos que podem trazer agravos mais sérios à saúde, como p.ex. Diabetes). “Devido à sua natureza heterogênea, a esquizofrenia não é uma condição de expressão única, e as pessoas muitas vezes se encontram em um ciclo de descontinuação e troca de terapias”, disse Rishi Kakar, MD, diretor científico e diretor médico da Segal Trials e pesquisador do programa EMERGENT. “A aprovação do COBENFY é um momento transformador no tratamento da esquizofrenia porque, historicamente, os medicamentos aprovados para tratar a esquizofrenia dependeram das mesmas vias primárias no cérebro. Ao alavancar um novo caminho, a COBENFY oferece uma nova opção para gerenciar essa condição desafiadora.” A empresa também anunciou hoje o lançamento do COBENFY Cares™, um programa projetado para apoiar pacientes que receberam a prescrição de COBENFY. Os pacientes poderão se inscrever no programa COBENFY Cares no final de outubro, correspondendo à disponibilidade do produto. Fonte: site da farmacêutica nos EUA
Setembro Amarelo é uma campanha eficaz?
Estamos no mês de setembro e com ele surge na mídia desde 2015 a campanha Setembro Amarelo, de conscientização e prevenção do suicídio. Mas o que esses anos de campanha nos mostram sobre a efetividade da campanha? A situação do suicídio no Brasil vem melhorando ou houve avanços das políticas públicas nesses últimos anos? É isso que tentaremos responder neste artigo.
O suicídio vem em alta no Brasil nessas últimas duas décadas, com aumento de 3,7% ao ano na taxa de suicídio da população geral. Entre 2000 e 2019 o Brasil acumula um aumento de 43% na taxa de suicídio, ante uma redução global de 36% e um aumento menor nas Américas, de 17% no mesmo período. A faixa etária que mais cresce em suicídios é a de jovens entre 10 e 24 anos, com 6% de crescimento ao ano (29% entre 2011 e 2022). Esses números são realmente estarrecedores e preocupantes, veja o gráfico do IPEA.
Dois estudos jogaram uma luz sobre a tendência de aumento de suicídios no Brasil e sua relação com a campanha Setembro Amarelo, iniciada em 2015. O primeiro estudo, de 2023, foi publicado por pesquisadores da Universidade Federal da Bahia e os resultados foram confirmados por um estudo deste ano publicado por pesquisadores de diferentes universidades (USP, UFSM, UFRGS, UFJF). O primeiro estudo analisou mortes por suicídio de 2011 a 2019 e o segundo entre 2000 e 2019.
Eles reuniram os dados de suicídio do cadastro nacional do SUS (DATASUS), excluindo os anos de pandemia (2020-2022). Depois fizeram análises para averiguar se houve um aumento a partir de 2015, quando se instituiu a campanha Setembro Amarelo, analisando inclusive as taxas de suicídio nos meses subsequentes a setembro de cada ano. Os resultados não permitem inferir uma relação de causa e efeito entre a campanha e as mortes, mas demonstram de forma inequívoca que a campanha Setembro Amarelo não tem sido eficaz na prevenção do suicídio, pelo contrário, houve um aumento expressivo de mortes por suicídio nos anos seguintes à campanha, como demonstram os dois estudos.
Vejamos então os resultados do segundo estudo, mais atual e que abrange um período maior de 19 anos. Nesse período foram registrados no país quase 200 mil suicídios (precisamente 195.047), com maior aumento em indivíduos entre 20 e 29 anos de idade (63% de aumento relativo frente a 57% para a população geral no período estudado).
Em relação à distribuição geográfica, raça e escolaridade, os dados também chamam atenção: o ritmo crescente de suicídios na região Sul do país é quase duas vezes mais alto do que na região Nordeste e Sudeste (figura 1). Brancos, pretos, pardos e indígenas apresentaram aumento da taxa de suicídio, apenas asiáticos tiveram uma diminuição. Menor escolaridade (entre 8 e 11 anos de educação) também foi associado ao aumento nas taxas.
Em relação à campanha Setembro Amarelo, os autores usaram um método de análise regressiva para tentar estabelecer uma relação nas taxas de suicídio ao longo do tempo com a campanha (RDD - regression discontinuity design). Por ele os autores conseguiram calcular o nível de significância estatística das mudanças nas taxas de suicídio e a variável Setembro Amarelo.
Apesar da tendência de aumento gradual da taxa de suicídio ao longo do tempo, a mudança na inclinação da curva de suicídio observada a partir do ano de 2015 indica uma aceleração estatisticamente significativa no crescimento (APC2000-2015, 1,67%; APC 2015-2019, 4,24%; Figura 2).
Quando analisado por trimestre (intervalo de três meses) (Figura 3), o primeiro trimestre não apresenta um ponto de ruptura (APC 2000-2019, 1,86%). Dito isso, o ponto de interrupção no segundo trimestre ocorreu em 2016 (APC 2000-2016, 1,67%; APC 2016-2019, 5,78%), no terceiro trimestre em 2015 (APC 2000-2015, 1,61%; APC 2015-2019, 4,86%) e no quarto trimestre em 2014 (APC 2000-2014, 1,75%; APC 2014-2019, 3,79%).
A Regressão dos resultados de descontinuidade (RDD (Fig. 4A) apresentou um excelente ajuste (R2 0,980 com um R2 ajustado de 0,977). Eles detectaram uma interação significativa entre o ano de início da campanha e o tempo (β = 0,1939, SE = 0,04282, t = 4,527, p < 0,001). A análise de efeitos marginais indicou uma mudança significativa na taxa de suicídio ao longo do tempo em relação à implementação da campanha. Antes de 2015, a taxa de crescimento do suicídio foi estimada em 0,08088 (95% CI [0,07009, 0,09168]) suicídios por ano por 100.000 habitantes. Após o início da campanha pós-2015, a taxa de crescimento mostrou um aumento para 0,27474 (95% CI [0,06380,0,48569]) suicídios por ano por 100.000 habitantes. Nenhuma das covariáveis analisadas (desemprego, renda per capita, divórcio e inflação) explica significativamente o resultado e os principais resultados permaneceram inalterados após o ajuste (Fig. 4B). Visualmente a linha vermelha no gráfico indica o aumento expressivo após a campanha, o que se mantém após a correção pelas covariáveies analisadas, que não modificaram a inclinação da linha.
Os autores também realizaram uma análise para testar os efeitos da distância relativa do mês de setembro e se os efeitos da distância relativa de setembro seriam diferentes antes e depois do lançamento da campanha (fig. suplementar 9 - curva vermelha pré-campanha de 2015; curva azul após 2015). Essa análise revelou um efeito principal da distância relativa de setembro (F = 5,2452, p < 0,05), o que significa que quanto mais distante de setembro, menor a incidência relativa de tentativas de suicídio. Mais importante ainda, verificou-se uma interação entre a distância e o início da campanha (F = 6,0972, p < 0,05), mostrando que esse efeito se tornou mais forte após a campanha do Setembro Amarelo. Essa análise reforça as possíveis ligações entre o início da campanha e a aceleração das taxas de suicídio na população brasileira, uma vez que se espera que os efeitos da campanha sejam mais fortes no mês seguinte a setembro, embora possam continuar por muitos meses.
Os resultados do estudo alertam para ineficácia de campanhas de prevenção ao suicídio baseadas apenas na informação e na mídia, corroborando outras evidências na literatura, de que campanhas que dependem exclusivamente de publicações na mídia carecem de eficácia. Embora elas passem a impressão de que governos e a sociedade civil estão empenhados na implementação de estratégias de cuidado e na melhoria da situação psicossocial da população, somente mudanças estruturais e mudanças em diferentes níveis de cuidado são capazes de produzir efeitos benéficos e sustentáveis para a redução nas taxas de suicídio da população.
A precoupação dos autores é com o chamado efeito Werther ou suicídio por imitação, uma vez que é descrito na literatura que a simples menção ao suicídio possa criar uma situação para alguns indivíduos predispostos a se tornarem mais propensos ao ato suicida. Por isso eles enfatizam a necessidade de campanhas que direcionem as pessoas vulneráveis a sistemas reais de cuidado, como intervenções comunitárias que aumentem o acesso aos cuidados em saúde mental.
Uma preocupação central em países de baixa e média renda como o Brasil têm sido a relação do suicídio com a violência estrutural e as assimetrias de poder entre diferentes estratos da população. Não por acaso mulheres, idosos, jovens, não-brancos, de menor renda, migrantes e residentes em localidades menos urbanizadas estão nos grupos dos mais vulneráveis e em maior risco para o suicídio. Entre os indígenas brasileiros, o risco de suicídio chega a ser 4 vezes superior ao da população geral, associado a uma violenta miscigenação e ao desenvolvimento econômico que afetam sua cultura e sua cosmologia, prejudicando suas identidades. Essa "patologia do poder" é oriunda do processo histórico colonial e da violência que essas populações vem sendo submetidas ao longo dos séculos.
Princípios participativos, inclusivos e democráticos são necessários como fatores de proteção à vulnerabilidade psicossocial e ao suicídio, não sendo suficientes somente fatores individuais de mitigação do comportamento suicida.
Políticas públicas que visem combater as violências estruturais e a opressão que mantém o padrão de poder na sociedade, principalmente as desigualdades relacionadas à sexualidade, gênero e raça, necessitam de prioridade frente às condições meramente materiais, que possuem a sua importância, mas que por si só não agem na inversão da lógica colonial.
Portanto, para além de campanhas midiáticas de massa, precisamos de atuação preventiva no território, no chão das comunidades e em conjunto com as populações mais vulneráveis, por mais participação social, mais democracia, mais direitos e cidadania.
Uma transformação que no cenário atual, de aumento das taxas de suicídio, nos parece distante.
Artigo: Damiano RF, Beiram L, Damiano BBF, Hoffmann MS, Moreira-Almeida A, Rück C, Tavares H, Brunoni AR, Miguel EC, Menezes PR, Salum GA. Associations between a Brazilian suicide awareness campaign and suicide trends from 2000 to 2019: Joinpoint and regression discontinuity analysis. J Affect Disord. 2024 Nov 15;365:459-465. doi: 10.1016/j.jad.2024.08.134. Epub 2024 Aug 24. PMID: 39187205.
Intervenção Neon - Individualizando narrativas de recovery para melhorar a recuperação das psicoses.
Tive o prazer de recepcionar o Prof. Mike Slade, da Universidade de Nottingham, Inglaterra, um dos principais pesquisadores em Recovery e narrativas de recuperação em saúde mental no mundo. Compartilho com vocês a palestra apresentada no Congresso Novas Abordagens em Saúde Mental em 22/06/2024 no IPUB-UFRJ, na qual ele explica a Intervenção Neon, criada por ele e sua equipe, uma ferramenta de Inteligência Artificial que utiliza uma coletânea de narrativas de recuperação em saúde mental para auxiliar outras pessoas a se recuperarem. Por enquanto, o sistema é experimental e não pode ser utilizado como terapia, mas é uma iniciativa pioneira que pode mudar o paradigma do Recovery e sua utilização no tratamento das psicoses. Espero que gostem!
Planos de saúde: após acordo para fim dos cancelamentos, entenda o que as operadoras esperam para restabelecer contratos.
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), anunciou nesta terça-feira (dia 28) que fechou um acordo com operadoras de planos de saúde para que elas suspendam cancelamentos unilaterais de contratos recentes de usuários em tratamento. Nos últimos meses, aumentaram as queixas referentes a rescisões anunciadas pelas operadoras e que afetam usuários com doenças como câncer ou com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Aqui no site publicamos que contratos de pacientes com esquizofrenia em tratamento com Palmitato de Paliperidona (medicação injetável de alto custo para tratamento contínuo da esquizofrenia) também estavam sendo cancelados.
Apenas pacientes internados, em ciclo de terapia de câncer ou com transtorno do espectro autista (TEA) e transtornos globais do desenvolvimento (TGD) não terão os planos cancelados unilateralmente pelas operadoras de saúde , dentro do que ficou acordado entre o setor e o presidente da Câmara dos Deputados.
Documento interno da Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde) ao qual O Globo teve acesso não especifica, contudo, quanto tempo durará a suspensão dos cancelamentos por parte dos planos. O Congresso também deve rever a lei dos planos de saúde, particularmente os coletivos, que hoje compõem 80% das carteiras e que não são contemplados pela lei que regulamenta os planos individuais e familiares.
Enquanto essas condições não são revistas e regulamentadas, é esperado um crescimento da judicialização contra os cancelamentos. No tocante à esquizofrenia, por exemplo, enquanto transtorno do neurodesenvolvimento (da mesma forma que o autismo), não se justifica a sua exclusão da lista de cancelamentos, pois isso é um tratamento desigual e que não se ampara em justificativas legais e científicas. Se o critério adotado é considerar transtornos do desenvolvimento, como TEA e TGD, a esquizofrenia, sendo também um transtorno do desenvolvimento cerebral, deveria ser também contemplada.
Fonte: com informações do Extra e de O Globo (30/05/24)
Depoimento: Esquizofrenia, anulando uma ‘sentença de morte’.
Para o nosso terceiro blog ‘Journeys in Mental Health’ no Dia Mundial da Esquizofrenia, a PLOS Mental Health ouve sobre os desafios e o estigma enfrentados pelo nosso colaborador quando foram diagnosticados com Esquizofrenia e como mudaram a narrativa da sua vida para encontrar um novo propósito.
Esquizofrenia, anulando uma ‘sentença de morte’
Fui diagnosticado com esquizofrenia numa época em que a saúde mental era um tema envolto em silêncio e evitação, e o termo “esquizofrenia” evocava imagens chocantes nas mentes das pessoas, desde cenas de crimes violentos até indivíduos vagando sem rumo, gritando, sem-teto e imprevisível. Esta representação visual que foi criada na imaginação das pessoas ilustrou os equívocos e o estigma associados à doença e, para mim, foi assim que fui percebido por aqueles que sabiam do meu diagnóstico. Estes estereótipos levaram-me ao isolamento e à sensação de medo, enquanto lutava com as implicações do meu diagnóstico e recebi um prognóstico que considerei comparável a uma sentença de morte. O meu futuro foi determinado pelos profissionais e por quem se sentiu obrigado a partilhar as suas opiniões (certas ou erradas), embora com boas intenções. No entanto, o foco deles estava fixado no que eu não poderia fazer e no que nunca alcançaria como resultado do meu diagnóstico. Eu me encontrei em um estado de impotência e incerteza sobre o propósito da minha vida.
Um futuro condenado e a tentativa de entender os sintomas pelos quais fui diagnosticado já eram bastante angustiantes por si só, mas agravados pelo estigma, pela discriminação e pela ignorância, tornaram-se profundamente destrutivos. A extensão deste impacto levou a múltiplas internações em instituições psiquiátricas e a cuidados involuntários, o que me expôs ainda mais a uma série de violações dos direitos humanos, incluindo condições precárias nestas instalações semelhantes a prisões que, ironicamente, se destinavam a promover e apoiar o meu bem-estar.
Naquela época, a noção de recuperação era considerada inatingível e as condições de saúde mental, especialmente a esquizofrenia, eram mais frequentemente vistas como inerentemente duradouras e tornando tal pessoa incapaz de funcionar na sociedade, e muito menos de prosperar na vida. A perda da tomada de decisões foi frequentemente o aspecto inicial da humanidade eliminado, juntamente com a consequente perda de dignidade. Era como uma “sentença de morte” e parecia que o que estava por vir eram apenas dias intermináveis de espera pelo dia da “execução”.
Então cheguei à conclusão de que, apesar de tudo isso, não falei, não expressei meus pontos de vista ou escolhas, fui deixado de fora da decisão do que quero da minha vida. Fiquei decepcionado e com raiva de mim mesmo por aceitar o destino que me foi dado sem interrogar a 'sentença' que recebi ou defender o que defendia e por permitir que outros me definissem por um diagnóstico e não como pessoa.
Fiquei determinado a transformar a minha vida e anular a minha “sentença de morte”, e assim despertei um novo propósito na minha vida para ajudar a inspirar outros a encontrar o valor nas suas experiências. Após esta descoberta, a esquizofrenia não significa necessariamente o fim de uma jornada, mas sim o início de novas possibilidades e oportunidades. Pude imaginar como, não só a minha própria jornada com uma condição de saúde mental, mas a de muitos outros, poderia mudar as narrativas de tantos dos nossos pares em todo o mundo, especialmente aqueles que vivem com esquizofrenia, através da contribuição da nossa experiência vivida e experiência na criação de sistemas eficazes , serviços e melhores perspectivas de recuperação para todos os que lutam com problemas de saúde mental.
Hoje, estou grato pelos avanços alcançados na ciência e na medicina que permitem novas descobertas e abordagens no domínio da saúde mental e da esquizofrenia, bem como pelo maior envolvimento das pessoas com problemas de saúde mental e das suas famílias e cuidadores no seu próprio tratamento. Isto produz resultados positivos, gera esperança e proporciona às pessoas com problemas de saúde mental o direito à qualidade de vida.
Fonte: Plos Mental Health
Dia 24 de Maio: Dia da Conscientização sobre a Esquizofrenia.
Pelo sétimo ano seguido comemora-se o dia 24 de Maio como o Dia da Conscientização da Esquizofrenia no Brasil. Vários estados, inclusive o Rio de Janeiro, se juntaram em torno desta causa para lembrar a sociedade sobre a importância da informação e de conhecer a doença. A data também é comemorada internacionalmente por outros países.
O objetivo desse dia é chamar a atenção para a esquizofrenia, uma doença cercada de estigmas, tabus e muito preconceito, que afeta até 1% da população brasileira e envolve toda a família, que necessita de muita informação e apoio para lidar da melhor maneira possível com a doença.
A informação e o debate em torno da doença são fundamentais no combate ao estigma e ao preconceito que existe na sociedade e também auxiliam pacientes e familiares na busca de melhores condições de saúde e qualidade de vida.
Compreender a esquizofrenia e o papel da família como parceira do cuidado possibilitam resolver melhor os conflitos, expandir mais a rede social de suporte, desfocar da doença e focar na pessoa e auxiliá-la nos desafios e obstáculos da vida para além dos efeitos da doença mental.
Maior conscientização ajuda na adesão aos tratamentos médicos e psicossociais, no combate ao auto-estigma (vergonha que a própria pessoa tem por ter sido diagnosticada com a doença), numa postura mais altiva e otimista diante dos sintomas e das dificuldades, aumentando a esperança na recuperação e promovendo maior autodeterminação na busca por dias melhores e pela superação das dificuldades.
A união de todos os envolvidos no processo de cuidado, como pacientes, familiares e profissionais de saúde, através dos serviços, de movimentos sociais e associações de pacientes e familiares, é a chave na busca de melhores condições de atendimento, de direitos e de cidadania. Juntos é a melhor forma de combatermos o estigma!
Aproveitem a semana de 24 a 31 de Maio para conversar sobre a esquizofrenia, compartilhar lives, depoimentos e mensagens em suas redes sociais, divulgar a informação entre amigos e familiares e em sua comunidade, e passar a ideia de que a esquizofrenia tem tratamento e as pessoas conseguem se recuperar e levar uma vida digna e satisfatória como qualquer outra pessoa.
Abaixo algumas mensagens que podem ser repassadas em suas redes sociais:
#Diga não ao adjetivo “esquizofrênico”. A esquizofrenia não define quem a pessoa é, é tão somente uma doença, que tem tratamento e afeta apenas uma parte do psiquismo de uma pessoa.
#Pessoas com esquizofrenia não são perigosas, pelo contrário, são com maior frequência vítimas de violência.
#O estigma e a desinformação sobre a esquizofrenia são os principais obstáculos à recuperação, tanto para pacientes como para familiares.
#A liberdade das pessoas com esquizofrenia é urgente e necessária, para que sejam sujeitos livres na sociedade, com seus direitos e sua livre circulação garantidos como todo cidadão comum.
#A esquizofrenia requer tratamento multidisciplinar através de uma atenção comunitária, com tratamentos próximos às suas residências e articulados com outros setores, como educação, esporte, cultura, lazer e trabalho.
#Pessoas com esquizofrenia têm maior risco de morrer por outras doenças físicas e muitas vezes são discriminadas em hospitais gerais e postos de saúde. Diga não ao preconceito que existe na saúde!
#Toda pessoa com esquizofrenia tem direito e capacidade de se recuperar da doença. Ela precisa de apoio, legitimidade, voz, escuta e respeito.
#Diga não ao uso da palavra esquizofrenia quando ela não se refere à doença. Esquizofrenia não serve para adjetivar nada. É tão somente uma doença. O termo esquizofrenia quando mal empregado reforça o estigma e o preconceito.
#Diga não aos abusos a pessoas com esquizofrenia, como cerceamento à sua livre circulação pelo território, encarceramento, restrição de direitos civis e humanos.
AMIL cancela de forma unilateral planos de pessoas com deficiência.
Em nota a empresa afirma que beneficiários nessas condições continuarão recebendo a cobertura e que este não seria o caso de 98% dos cancelamentos. Então cabe o questionamento: por que a empresa cancelou contratos de pessoas com doenças raras, dentre elas pessoas com autismo e esquizofrenia? Pessoas que precisam do tratamento regular para a manutenção de suas condições de vida! Leia a reportagem do site Metrópoles.
Recentemente, uma decisão da operadora de planos de saúde Amil de cancelar milhares de contratos coletivos por adesão, de forma unilateral, vem causando grande mobilização social e ações judiciais. Contratos em geral vêm sendo impactados com a decisão, entre eles os de pacientes com ou sem deficiência. A cobertura da assistência médica vai até o dia 31 do mês de maio.
A Amil confirma o cancelamento devido ao desequilíbrio econômico e financeiro dos conjuntos de contratos. “A decisão se deve ao fato de que tais contratos, negociados por administradoras de benefícios diretamente com entidades de classe, com intermediação de corretoras, apresentam há vários anos situação de desequilíbrio extremo entre receita e despesa, a ponto de não vermos a possibilidade de reajuste exequível para corrigir esse grave problema”, informa, por meio de nota.
A lei dos planos, em modo geral, permite que ocorra a suspensão do contrato de saúde, em que as empresas precisam notificar os consumidores com 60 dias de antecedência, ou conforme a exigência de notificação prévio ao contratante. Conforme o Supremo Tribunal De Justiça (STJ), os planos de saúde coletivos não podem ser cancelados, de forma unilateral, enquanto o paciente estiver em tratamento de doença grave.
“Enfatizamos que a medida não tem nenhuma relação com demandas médicas ou quaisquer tratamentos específicos, uma vez que mais de 98% das pessoas envolvidas não estão internadas ou submetidas a tratamento médico garantidor de sua sobrevivência ou de sua incolumidade física. Beneficiários em tais condições continuarão recebendo cobertura da Amil para os cuidados assistenciais prescritos até a efetiva alta, conforme os critérios e normativas estabelecidos”, aponta a Amil.
“Diante desse quadro, as pessoas envolvidas têm direito legal à portabilidade para manter suas coberturas, sem a obrigatoriedade de cumprir novamente prazos de carência, com suporte de suas respectivas entidades de classe, administradoras de benefícios e corretoras, conforme a regulamentação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)”, conclui a empresa Amil em nota divulgada.
Depoimento de jovem viciado em 'vape' revela a gravidade da dependência de cigarros eletrônicos.
Eu comecei a fumar cigarro branco quando tinha por volta de 14 anos, hoje tenho 23. Era um cigarro avulso, o que cresceu para no máximo três por dia até que, com 16 anos, eu já fumava uns 10 cigarros diariamente. Com 17, fiz um intercâmbio para os Estados Unidos, durante o último ano do Ensino Médio. Foi em 2017, bem na época em que estava crescendo muito o consumo dos cigarros eletrônicos por lá, já era uma febre.
Nas escolas era muito comum, porque ele não deixa cheiro nem rastro. Algo que me impedia de fumar ainda mais era justamente o cheiro que ficava nas mãos, no cabelo, nas roupas. O vape apareceu como uma “solução” para esses problemas. Ele é muito mais fácil de utilizar em qualquer espaço. Se você prender o vapor por um tempo, por exemplo, ele até some. Então muitas pessoas usavam até nas salas de aula ou escondidas no banheiro.
Foi quando comecei a usar o cigarro eletrônico e a ter um contato ainda maior com a nicotina. Era um fácil acesso e fácil consumo que me deixou viciado na época. Comecei a fumar entre as aulas, passou a ser algo constante. E progrediu muito rápido, assim como foi com todas as pessoas que eu conheço que também usam ou usaram vape. Os fabricantes fazem justamente para ser atrativo: é colorido, com gosto de fruta, é mais tranquilo e saboroso do que o cigarro convencional.
Eu comecei a perceber que se tornou um problema quando não conseguia ficar 30 minutos sem fumar. Nessa época, há cerca de dois anos, eu estava viajando para um evento com um amigo, e ele me contou que eu acordava no meio da noite para fumar, e eu não me lembrava. Meu corpo estava acordando sozinho para sustentar esse vício, eu fiquei em choque naquele momento. Comecei a acompanhar meu sono e vi que ele de fato tinha piorado muito.
Essa questão do “parar de fumar” acho que é algo que todo fumante sabe que em algum momento vai precisar fazer, porque sabe que é prejudicial. Desde aquele momento eu sabia que precisava parar, mas o estalo mesmo veio no meio do ano passado, quando percebi que estava muito afetado psicologicamente. Estava me afundando em depressão, vivendo de forma muito infeliz. E, analisando o que me deixava daquele jeito, uma das coisas era o cigarro.
Eu não cheguei a ter problemas pulmonares, na laringe ou na boca, nada. Os efeitos maiores foram os psicológicos. Mas uma amiga minha, por exemplo, precisou ir para o hospital depois de sofrer um derrame pleural por causa do vape. Então, se eu não tivesse parado, sabia que também podia acabar no hospital, já que fumava há nove anos.
Eu consumia 50 mg de nicotina por dia com os aparelhos, então foi e está sendo uma luta muito grande. No primeiro dia, quando parei de vez, surtei completamente, fiquei muito mal. O que tem me ajudado são os chicletes de nicotina, para ir reduzindo gradualmente essa dependência, e o acompanhamento psiquiátrico.
É muito uma questão de hábito, você estar ali sempre com o vape do lado, fumando, isso é difícil de desconstruir. Mas beber bastante água e mascar chiclete, mesmo sem nicotina, tem me ajudado também a lidar com essa ansiedade. Exercícios físicos, estar com minha família, sair, atividades que me dão prazer também.
Os piores momentos são depois de comer e ao acordar. Eu já faço tratamento para outras questões psiquiátricas, então o álcool é algo que eu cortei da minha vida há um tempo. Nesse ano, voltei a beber, mas de vez em quando e menos de uma taça, mais para degustar porque gosto muito de gastronomia. Porém, na primeira vez que bebi depois de ter parado de fumar, vi que é algo que de fato aumenta a vontade, então tenho evitado também.
Quando decidi parar de fumar, por sempre gostar de usar minhas redes para ter uma influência positiva, também quis criar um projeto que incentivasse outras pessoas a tomarem a mesma decisão. Acho que para mim foi fundamental a decisão individual e também firmar esse compromisso público. Porque isso te dá uma rede de apoio, e o que eu quis foi criar uma rede que também ajudasse outras pessoas.
Com isso, surgiu a hashtag #semnicotina no TikTok, em que as pessoas também postam sobre suas experiências parando de fumar. E falar sobre isso nas redes também me ajuda. Querendo ou não, me coloca essa “obrigação” de dar o exemplo, o que para mim tem sido muito bom. E esse compromisso público eu acredito que não seja algo que apenas influenciadores possam fazer. Tem a ver com compartilhar com pessoas próximas sua decisão para que elas te ajudem.
Por volta de três semanas depois de termos começado, fui a uma faculdade aqui em São Paulo dar uma palestra, e muitas pessoas conheciam a hashtag e disseram ter começado a parar de fumar por causa dela. Tenho recebido mensagens de médicos, psiquiatras, pneumologistas que viram a campanha, então o resultado é muito positivo.
Mas acho que ainda falta muita informação. O vape é de fato algo construído para chamar a atenção de crianças e adolescentes. Tem dispositivos com tela touch screen, com fidget spinner, coloridos. Chegou a um nível em que é escancarado que o público dessas empresas é esse. E adolescente não pesquisa sobre as coisas, nós sabemos disso. Quando a gente é mais novo, queremos experimentar o mundo e não ligamos tanto para as consequências.
Então falta ainda que as informações corretas cheguem aos mais jovens e sejam compartilhadas em massa. A divulgação dessas informações, dos riscos, não tem sido feita de forma efetiva. Falta uma linguagem mais jovem e dentro das escolas.
Recebi muitas mensagens de colégios, por exemplo, relatando a situação caótica dentro deles, contando que de fato há um número absurdo de adolescentes fumando, inclusive dentro de sala de aula.
Por um período, a impressão era que estávamos entrando numa geração mais saudável, era comum ver vídeos de adolescentes fazendo mais esportes, mais preocupados. Mas acho que isso encontra uma barreira no vape. Porque tem muitos jovens que de fato pensam na saúde, muito pelo físico, mas muitos acabam fumando e não percebem que o vape afeta isso.
Fonte: Gustavo Foganoli, 23 anos, fala do processo de deixar os aparelhos e a iniciativa #semnicotina, em que compartilha a experiência com seus 5,5 milhões de seguidores. Depoimento divulgado pelo O Globo (22/05/24)
RS precisará de mutirão pela saúde mental.
A tragédia no Rio Grande do Sul é a maior de sua história, superando as chuvas e enchentes de 1941. O número de mortos e desabrigados e a lista de municípios afetados, mais de 400, demonstram o tamanho do problema e dos desafios que ainda estão por vir para reconstruir o que foi destruído e para prevenir futuros desastres naturais.
Que o clima e o meio ambiente estão em crise não restam dúvidas. Somente os negacionistas se agarram ao argumento de que catástrofes naturais acontecem de tempos em tempos. As temperaturas dos oceanos e da terra vem aumentando sistematicamente e isso altera o clima no planeta, com maiores chances de eventos climáticos extremos.
Ignorar os efeitos do problema ambiental na psique das pessoas é uma visão míope para quem não percebe a integração do ser humano com o meio ambiente. O ar que respira, a água que bebe, o alimento que come, a terra em que mora, enfim, o antropoceno parece ter feito o ser humano ignorar a importância do planeta, sem o qual ele próprio não existe.
A falta de políticas de preservação ambiental e prevenção de catástrofes naturais e a exploração dos recursos, como a água, os mananciais, as florestas e os rios, estão na origem desses problemas. O sucateamento dos órgãos estaduais que cuidam do meio ambiente, a falta de investimento nas tecnologias que poderiam mitigar os efeitos da chuva e das cheias dos rios, o assoreamento dos leitos também contribuíram para o resultado da catástrofe que os gaúchos estão vivendo.
Milhares de pessoas perderam tudo: casas, bens, objetos pessoais, recordações familiares, animais de estimação e, alguns, perderam inclusive parentes. São muitas perdas e graves. É como se as pessoas ficassem sem chão, literalmente. Além das privações, como falta de água, comida, roupas, medicamentos, utensílios básicos. Pessoas que não poderão trabalhar e ganhar seu sustento, que terão que viver em abrigos e com ajuda do governo, que sabemos ser muito distante do que pode ser considerado digno.
Isso tudo tem consequências dramáticas para a saúde mental das pessoas, é vivenciado de forma traumática, e as incertezas e a insegurança de não saber quando poderá voltar a uma vida normal é ainda mais desolador. A possibilidade de perda do contato com o seu território, já que muitas regiões correm o risco de se tornarem inviáveis para habitação, é algo que impacta muito a saúde mental: a memória do território, as pessoas com as quais se relacionam, o local de trabalho, são muitas variáveis estruturantes da subjetividade dessas pessoas.
Não precisa ser um especialista para prever que o Rio Grande do Sul viverá anos com incidência maior de quadros de ansiedade, depressão, estresse pós-traumático, abuso de substâncias, auto-lesões e suicídios. O governo precisará organizar um mutirão para avaliar e tratar a saúde mental dos gaúchos nos próximos meses e anos, num período recém saído da pandemia, da qual mal se recuperaram.
Vamos ajudar a população gaúcha! Contribua com qualquer valor para as organizações de ajuda humanitária. Acesse https://educacao.rs.gov.br/governo-ativa-canais-para-receber-doacoes-via-pix-para-auxilio-as-vitimas-das-enchentes